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Semanário no Papel - Diário Online

 

José Miguel Ramos Ferreira

Portugal: um país de pernas para o ar

28 de Fevereiro 2025

A política portuguesa vive tempos de autêntica esquizofrenia. Entre a superficialidade do debate público e a constante exploração populista de “falsos” escândalos, assistimos a um país que parece cada vez mais virado do avesso.

O caso mais recente é a histeria gerada em torno da Lei dos Solos e da suposta incompatibilidade entre vida política e experiência empresarial. Ao invés de se discutir as vantagens e desvantagens da flexibilidade proposta com a nova legislação, Portugal centrou antes as suas energias no desejo por governantes que nunca tenham trabalhado, que nunca tenham tido negócios ou que nunca tenham exercido qualquer actividade relevante na sociedade civil. Como se a participação na política devesse ser reservada a quem nunca fez nada de relevante.

O Chega, pressionado pelos escândalos que envolvem os seus próprios deputados – de roubos a casos de pedofilia – decidiu lançar este falso debate como cortina de fumo para os seus problemas internos, inundando o espaço mediático com suspeitas vazias e desviando as atenções das questões realmente graves.

Não podemos cair nesta armadilha. O que queremos afinal? Que sejam pessoas sem qualquer tipo de conhecimento a definir as estratégias fundamentais da nossa vida comum? A lógica seguida por alguns faria com que médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde fossem impedidos de participar na definição de políticas de saúde. Ou que professores não pudessem ter um papel activo na reforma do ensino. Ou que funcionários públicos não pudessem discutir a função pública. O próximo passo será proibir empresários de participar na definição de políticas económicas e fiscais.

Esta paranóia afasta os melhores da política e empobrece o debate público. A cada ciclo eleitoral, o espaço é ocupado por pessoas com cada vez menos experiência, sem conhecimento real da sociedade e mais dependentes da lógica dos aparelhos partidários.

Bem esteve Rita Júdice ao recusar o linchamento mediático e ao assumir que não abandonaria as suas participações empresariais. Se há algo que deve ser escrutinado, que o seja de forma séria e fundamentada. Mas a tentativa de criminalizar a actividade empresarial e sugerir que qualquer pessoa com experiência no sector privado é automaticamente suspeita de corrupção é um ataque ao próprio regime democrático.

A verdade é que, em vez de debater soluções concretas para os desafios do país, a comunicação social e alguns partidos especializaram-se no populismo. Ao invés de discutir políticas sérias para o mercado imobiliário ou a necessidade de reformas estruturais, preferem transformar em escândalo o simples facto de alguém ter trabalhado no sector.

Se algum membro do governo teve ou tem actividades suspeitas, deve ser escrutinado sem hesitações. Luís Montenegro não pode ser excepção e deve dar o exemplo. Mas insinuar que alguém é suspeito apenas porque teve uma vida profissional activa antes de entrar na política é uma perversão total do regime.

Esta narrativa, empurrada pela extrema-direita, só interessa a quem quer destruir a democracia. Enquanto se amplificam as aventuras do Senhor Ventura, ignora-se o verdadeiro perigo que cresce nas margens do sistema. O caso do deputado das malas desaparece do debate. Os seus políticos envolvidos em crimes de abuso infantil e violência sexual são convenientemente esquecidos.

No meio deste caos, resta-nos lembrar o exemplo de Pedro Passos Coelho, cuja seriedade se viu claramente no caso BES. Um líder que não cedeu a pressões e que sempre colocou os interesses do país acima de qualquer interesse pessoal. Esse é o tipo de política que devia servir de referência e não a mediocridade que se instala quando a suspeição passa a ser a regra e não a excepção.

Portugal precisa de um debate político sério. O país não pode continuar refém de agendas populistas, alimentadas por um espectáculo mediático que confunde experiência com corrupção e que afasta da política aqueles que realmente têm capacidade para governar. O regime não se afunda por ter governantes experientes. Afunda-se quando expulsa os melhores e se entrega à mediocridade.

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(*) Advogado e gestor