Coimbra  20 de Março de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Pequenos negócios, grandes sonhos, mulheres imparáveis na Figueira da Foz

22 de Fevereiro 2025 Jornal Campeão: Pequenos negócios, grandes sonhos, mulheres imparáveis na Figueira da Foz

Começam quase sempre como hobbies mas, para Lúcia Ferreira e Marina Costa, como para muitas outras pessoas país adentro, acabam por tornar-se uma segunda ocupação e, por vezes, até a principal paixão. Sem lojas físicas, dão-se a conhecer nas redes sociais e desenvolvem-se no conforto do lar, com a cumplicidade das famílias, em dias que parecem ter mais do que 24 horas.

Das artes marciais às de açúcar

Lúcia Ferreira tem 40 anos, é casada, tem um filho adolescente e um trabalho a tempo inteiro como assistente técnica. É ainda comum vê-la a correr na marginal ou a praticar artes marciais (é medalhada), e integra ainda as Mulheres de Tavarede, um grupo perfecionista e irrequieto que tão depressa está nas Marchas de S. João como em peças de teatro ou acções solidárias. Como é que, no meio disto tudo, Lúcia consegue ter tempo – e energia – para imaginar, aprender a fazer, passar pelo processo de tentativa-erro que todas as novas técnicas exigem – bolos absolutamente incríveis? E não são só bolos, são cupcakes, cake sickles, cake pops, bolachas, macarrons, bombons e mais uma mão-cheia de doçuras inexplicavelmente bonitas e simultaneamente saborosas, que têm vindo a conquistar as festas de aniversário da Figueira da Foz e arredores.

O que é que não se faz por um filho?

Natural da Borda do Campo, hoje parte integrante da freguesia de Paião, Lúcia tem desde pequena o gosto pelo desenho e pelas manualidades, mas foi a maternidade que a levou a aperfeiçoar-se nas técnicas. “O Martim ia fazer um ano e eu queria fazer um bolo especial, por isso fui tirar uma formação em pasta de açúcar”, conta ao Campeão das Províncias. Com o que aprendeu, mais o que já sabia, começou a fazer bolos para fora mas, confessa, cansou-se. Afinal, um filho pequeno e clientes que nem sempre pagavam o trabalho pedido eram uma má combinação para uma jovem mãe. Só em 2023 decidiu recomeçar nas lides doceiras, mas com um conceito diferenciado. Nascia a ‘Caixinhas D’Amor’, com páginas no Facebook e Instagram, onde Lúcia dá a conhecer as suas propostas gulosas para datas especiais: aniversários, dias do Pai, da Mãe, dos Namorados, Páscoa, Natal, ou ‘simples’ caixas de gratidão, para oferecer, por exemplo, a professores, no final do ano, ou a um amigo, em qualquer dia, porque, já canta o poeta, “coisa mais preciosa na vida não há”. O conceito revelou-se vencedor e as encomendas foram surgindo, ‘obrigando’ Lúcia a aprender cada vez mais. “Comecei por fazer uma formação em Porto de Mós, depois outra em Lisboa, entretanto no ano passado já foram seis, algumas o fim-de-semana inteiro”, revela. “É um investimento grande mas é fantástico, não apenas o que aprendemos com as formadoras mas umas com as outras, e a sensação de dominarmos novas técnicas e podermos incorporá-las nos nossos trabalhos é muito satisfatória”, garante, enquanto nos mostra obras incríveis, que podem ser vistas nas páginas já referidas, algumas aparentemente mais dignas de museu do que de qualquer mesa de festa.

Das caixas cheias de amor aos bolos inacreditáveis

Para além das caixas de macarrons, bombons e bolachinhas, Lúcia passou a fazer também, então, alguns dos bolos mais cobiçados da Figueira da Foz e arredores, como Montemor-o-Velho, Cantanhede ou Soure. “Já faço encomendas até para Lisboa, embora seja preciso ter a questão do transporte bem assegurada”, explica. Bolos com muita estrutura, por exemplo, “devem ser terminados no local” da festa, o que nem sempre é possível. Nesses casos, Lúcia não confia o transporte a ninguém, já que entre as mãos estão muitas horas de dedicação e trabalho. “Tenho o meu trabalho normal e até às dez da noite sou mãe do Martim, jogamos futebol, andamos de bicicleta, fazemos tudo o que é suposto, só depois dessa hora e entre as seis e as oito e meia da manhã é que me dedico aos bolos”, concretiza. A este investimento de tempo junta-se o financeiro, em formação e material: um frigorífico e um novo forno exclusivamente para o hobbie que, este ano, começa finalmente a dar algum retorno, tanto pelo número de encomendas, crescente, como pelo preço que, “é justo, porque sei que estou a apresentar um trabalho de qualidade”, sublinha. De qualidade e de autor, já que cada bolo é único e personalizado. “Não repito projectos nem copio de fotografias, podem servir de base, para ter uma ideia do que o cliente quer, mas não faço cópias, tem de ser um bolo original, algo que o cliente nunca viu”, diz, sem esconder que é nos bolos para festas infantis que se sente mais livre para criar, até porque é das crianças que, depois, recebe as reacções mais sinceras, na forma de sorrisos e abraços “gigantes”. Se ficou com água na boca, pode contactar a Lúcia através de qualquer das suas páginas nas redes sociais e contar-lhe a sua ideia, por mais mirabolante que seja, para um bolo ou uma das suas ‘Caixinhas D’Amor’.

A enfermeira pediátrica com mãos de fada

Marina Costa nasceu entre linhas e agulhas. “O meu jardim-escola foi uma cadeirinha ao lado da minha mãe, a vê-la costurar”, lembra. Mãe costureira, pai alfaiate e ela, para o que lhe havia de dar, uma vocação para usar as mãos, e até agulhas, de outra forma, para cuidar, para curar. Cresceu, fez-se enfermeira, licenciou-se em 1989, já lá vão 35 anos, apenas um e meio dos quais em Soure, todos os outros no Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF), onde hoje é Gestora da Pediatria, depois da especialidade que tirou em 1995. De espírito irrequieto, aos 58 anos, esta mãe de dois – a Filipa de 28 e o Miguel de 25 – juntou-se a amigas para dar corpo a um projecto de restauração no Bairro Novo, o ‘Volta e Meia’, integra ainda a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, levou para o HDFF programas de parentalidade positiva e é ainda voluntária do projeto S.O.G.A. – Servir Outra Gente com Amor, uma organização não-governamental para o desenvolvimento (ONGD), sem fins lucrativos, fundada em 2015. Ufa!

Mas voltemos ao crochet, que aprendeu, como todas as outras artes de costura, com a mãe, para ficarem adormecidas até há cerca de 10 anos, quando a irmã mais nova lhe deu sobrinhos e lhe pediu que fizesse um fruto, à semelhança do que vira numa revista ou rede social. Marina não foi de modas: fez-lhe uma cesta inteira de frutos em crochet, peças 100% em algodão e que, pela textura e ausência de partes destacáveis, são seguras e estimulantes para crianças, mesmo as mais pequeninas. Descobria assim também a arte japonesa chamada Amigurumi, uma técnica para fazer, em crochet ou tricot, pequenos bonecos tridimensionais ou quase tudo o que a imaginação ditar. Começou a experimentar e a criar, e rapidamente a sua casa se encheu de linhas de todas as cores, de agulhas para todos os pontos, e de seres coloridos: dorminhocos, polvos, dodôs, frutas e legumes, guizos, um mundo mágico e macio.

Peças que ganham e dão vida

Se é verdade que começou por fazer as suas peças para oferecer aos mais próximos ou por solicitação de conhecidos, cedo a produção se tornou maior do que a capacidade de escoar tudo o que ia criando. Foi então que a família entrou em acção: o marido criou o website (mcbloom.pt) e a filha abriu e tornou-se gestora das páginas de Facebook e Instagram (mcbloomcroche). Começou também a ir a feiras e mercadinhos de produtos artesanais. “Gosto do contacto com as pessoas, porque é diferente ver o produto ao vivo, posso explicar cada peça”, sublinha. A enfermeira pediátrica com décadas de experiência não consegue dissociar o conhecimento profissional do cuidado que coloca no seu hobbie. “Ao brincar, as crianças estabelecem relações sociais, desenvolvem a sua autonomia, habilidades motoras, o raciocínio, a atenção, a imaginação e a criatividade, organizam emoções, aprendem regras”, descreve. E é rentável? “Felizmente não preciso que seja rentável, tento que não dê prejuízo”, ri Marina. Então, por que o faz? Marina, como todas as pessoas ocupadas, garante que tem sempre tempo para fazer aquilo a que se propõe. “Faço o meu trabalho e vou todos os dias feliz, porque tenho uma equipa e pessoas que dependem de mim e contam comigo. Depois, já sei que tenho isto ou aquilo para fazer, seja uma caminhada, o Volta e Meia, algum compromisso com a S.O.G.A. ou outra coisa, e à noite, às vezes até a ver televisão com o meu marido, dedico-me ao crochet”, explica, “porque gosto, porque me ajuda a desanuviar, é como uma terapia, é muito mindfulness: estou focada no que estou a fazer, no presente, concentrada a contar os pontos, sem pensamentos intrusivos, e com a satisfação de inventar, criar e ver a peça a materializar-se, obtendo a felicidade que advém de ser capaz. Se quer ver as peças lindas e ternurentas que fazem a Marina e muitas crianças felizes, basta ir a https://mcbloom.pt/ ou às páginas da mcbloomcroche no FB ou Insta.

Texto: Andreia Gouveia

Publicado na edição do Campeão das Províncias de 20 dee Fevereiro de 2025