No Índice de Percepção da Corrupção 2024, publicado anualmente pela Transparência Internacional (TI), Portugal cai nove posições no ranking global, tendo agora o pior resultado de sempre desde 2012, ano em que o documento começou a ser publicado. O desempenho do nosso País foi um dos piores da Europa Ocidental, com uma queda de quatro pontos na pontuação. E, a verdade, é que Portugal está em declínio desde 2015. Em 2024 estamos na 43.ª posição entre os 180 países avaliados, nove lugares abaixo da 34.ª posição de 2023, com 57 pontos numa escala de 0 (Estados altamente corruptos) a 100 (elevada integridade dos Estados no combate à corrupção).
Segundo a TI Portugal, a queda foi impulsionada pela deterioração das avaliações de várias fontes utilizadas no cálculo deste Índice. O declínio foi particularmente impulsionado pela percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados e por fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar esse abuso. Entre os factores que contribuíram para a degradação da posição de Portugal está uma avaliação negativa da eficácia do País no combate à corrupção, funcionamento de instituições públicas e aplicação da lei. Outros factores incidem numa frágil aplicação da lei anticorrupção e na supervisão do sector público, “incluindo lacunas na prevenção de conflitos de interesse e na declaração de bens por políticos” e ainda situações de nepotismo, favoritismo político e falta de transparência no financiamento partidário. O relatório foi conhecido na mesma semana que o Governo de Luís Montenegro aprovou a remodelação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC).
Mas afinal, tanto se fala no combate à corrupção, que caminho estamos realmente a fazer? João Paulo Batalha, Vice-Presidente da Frente Cívica, afirma ao “Campeão das Províncias” que, “infelizmente, este resultado é a prova do que tem acontecido de ano para ano”. “Mostra que os observadores internacionais, que compõem este Índice, reconhecem que em Portugal estamos constantemente a anunciar novos pacotes de medidas de combate à corrupção, mas tudo não passa de ‘fogo de vista’”, lamenta.
Lembra que “o resultado acumulado é que, desde 2015, Portugal vem descendo no Índice”. O responsável sublinha que as reacções a estes dados são sinónimo de “desinformação ou ignorância de muitos responsáveis políticos e comentadores, que têm dito que se trata de meras percepções. Isto é estar em negação”. E explica porquê: “este Índice é o mais reputado e antigo, não é uma sondagem das opiniões públicas, é uma recolha de observações externas sobre a realidade de cada país, feita por organizações de pesquisa académica, organismos think thank e organizações internacionais de medição do risco de negócio. E o facto de em Portugal este resultado ter sido recebido com um coro de cepticismo e desvalorização, confirma porque é que estamos tão mal. Existe uma espécie de conluio das elites que nem sequer querem discutir seriamente a corrupção e muito menos reconhecê-la com um problema político”.
“Há uma cultura corruptiva que se apoderou do Estado”
Para João Paulo Batalha, o que tem faltado “é vontade política e reconhecer a corrupção como um problema central do Estado e da democracia”. “A corrupção política surge como um problema quer nas observações dos peritos internacionais, quer nas percepções dos cidadãos. Nós temos multiplicado alterações legislativas e estratégias de combate à corrupção, agora com este Governo temos uma agenda anti-corrupção, mas tudo isto assenta num pressuposto que recusa reconhecer que a corrupção em Portugal é, sobretudo, um fenómeno das elites e dos decisores políticos”, atira. Além disso, “não somos um País onde esteja disseminada a prática do pequeno suborno nas repartições públicas. Aliás, se avaliarmos as percepções dos portugueses sobre a corrupção, que não é medida neste Índice, mas noutros, nomeadamente da Comissão Europeia, a verdade é que os cidadãos percepcionam como instituições mais corruptas os partidos políticos, os Governos, o Parlamento e as autarquias”, adianta. O responsável da Frente Cívica salienta que “esta falta de vontade vem dos partidos que não só protegem e acobertam a corrupção, mas muitas vezes a promovem, inclusive para seu próprio financiamento”. “Como temos a corrupção centrada nos actores políticos, que anda entre as câmaras municipais, os negócios do urbanismo, os contratos públicos e os grandes negócios do Estado, o elemento comum a todas estas instâncias são os partidos políticos, que ocupam cargos no Parlamento, nas câmaras municipais, etc. E, esta falta de vontade política, reflecte uma cumplicidade nos principais partidos com uma cultura corruptiva que se apoderou do Estado”, aponta.
Quanto à remodelação do MENAC, João Paulo Batalha refere que “não vai resolver nada de fundamental”. Apesar destas mudanças trazerem condições para um quadro de pessoal próprio e uma capacidade diferente para as equipas, “o maior problema do MENAC é a falta de missão”. “O Mecanismo foi criado para verificar planos de risco de corrupção nas organizações públicas e privadas. Mas se o grande problema está no poder político, estamos a criar organismos para procurar a corrupção onde ela menos existe e sem mandato para a verificar e fiscalizar onde ela mais opera”, avisa.
Os resultados do Índice de 2024 são “o corolário de uma tendência de descida que começou pelo menos em 2015, o ano em que a Troika saiu de Portugal, e, portanto, havia alguma vigilância externa sobre o funcionamento do Estado que se aligeirou. Desde essa altura temos vindo a decrescer. Mas este período desde 2015 coincide com um conjunto de reformas legislativas sobre o combate à corrupção, o exercício de cargos públicos, com a primeira estratégia anti-corrupção, com a criação da entidade da transparência, do MENAC, etc. Ou seja, tivemos nestes últimos anos uma azáfama enorme que só se traduziu na continuação do declínio. O que o actual Governo está a fazer é a continuação destes mesmos vícios, como novas reformas legislativas, mas continuamos a fazer a mesma coisa, à espera de resultados diferentes. Com esta inércia disfarçada de movimento, mas sem assumir a centralidade da corrupção política em Portugal, vamos continuar a ter mais do mesmo. E não duvido que vamos continuar a decrescer”, frisa.
João Paulo Batalha não tem dúvidas, “é necessária uma liderança de exigência cívica” que só se consegue com “cidadãos que não se resignem nem pactuem com a corrupção. O problema é que quando a corrupção se dissemina os cidadãos acabam por dar por adquirida essa realidade. E isto é muito pernicioso porque é uma desistência cívica em relação à corrupção e à própria captura do Estado”. “Os cidadãos têm de ser mais interventivos, estar mais informados e nas suas escolhas eleitorais serem extremamente intransigentes e envolvê-los num escrutínio activo. Sem essa liderança cívica, isto não mudará”, remata.
Para João Paulo Batalha, o que tem faltado “é vontade política e reconhecer a corrupção como um problema central do Estado e da democracia”
“Falta eficácia e um compromisso firme” no combate à corrupção
Margarida Mano, Presidente da Transparência Internacional Portugal (TI Portugal), comenta ao “Campeão das Províncias” estes resultados e diz que “enquanto não houver um compromisso firme no que toca aos resultados e uma preocupação com a eficácia das medidas, dos instrumentos e recursos, iremos continuar a descer neste Índice”. Contudo, frisa que “há um caminho feito, que não existia há dez anos”. No caso de Portugal, o que o documento revela “é que há um conjunto de medidas, entidades criadas e legislação que não são eficazes”.
O pior resultado de sempre deve-se, em primeiro lugar, a uma componente cumulativa e adianta que Portugal tem identificados problemas estruturais que não vêm a ser corrigidos, com impacto e desgaste ao longo do tempo, revelando “falta de compromisso político e baixa eficácia nas acções desenvolvidas”. Existem também circunstâncias conjunturais, como a ‘Operação Influencer’, com impacto na percepção da integridade no sector público, que contribuem para este resultado.
Para Margarida Mano, o caminho para melhorar a reputação de Portugal no combate à corrupção é só um: “assumir o compromisso efectivo e agir”. Sustenta que “temos uma grande dificuldade em aplicar a lei com eficácia. Há demora nos processos de corrupção, de leis que são feitas, mas que depois não se vê a sua aplicação. Não bastam laivos de protagonismo, isto obriga a um trabalho muito sistémico e coordenado, independentemente do Governo em exercício de funções”, insiste.
Além de tudo isto, Margarida Mano salienta que os resultados do Índice de Perceção da Corrupção 2024 servem de alerta para o dano reputacional que Portugal está a sofrer por não ter uma acção eficaz na luta contra a corrupção. “Qualquer investidor, olhando para os custos de contextos da corrupção, vai olhar para este Índice, e isso pode ter consequências”, alerta.
Questionada sobre a reformulação do MENAC, agora impulsionada por este Governo, a Presidente da TI Portugal concorda que a sua falta de eficácia “era clara” e aponta: “colocar meios não resolve tudo, é acompanhando e exigindo no tempo que os resultados surgem. Não se pode tomar medidas e ficar tranquilo, é essencial um acompanhamento. Se não houver um compromisso efectivo na luta contra a corrupção, não vamos avançar. É essencial um escrutínio e rastreio permanente. E a sociedade tem um papel muito importante na exigência que tem de colocar perante os políticos e a justiça”, remata Margarida Mano.
Texto: Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 20 de Fevereiro de 2025