Fotografia: reconstrução 3D de toda a vasculatura do cérebro de um murganho com 12 dias de vida, visualizada por microscopia de light-sheet
Uma equipa de investigação da Universidade de Coimbra (UC) está a estudar o cérebro de recém-nascidos para compreender de que forma o sexo biológico influencia o neurodesenvolvimento e a susceptibilidade a infecções. O estudo parte de evidências anteriores que indicam uma maior vulnerabilidade masculina a condições como a sepse, uma resposta imunitária desregulada que pode levar à falência de órgãos e morte. A equipa da UC espera, com esta investigação, abrir caminho a novas terapias para prevenir complicações de saúde nos primeiros dias de vida.
Intitulado BarriersReveal – Desvendar o papel do sexo nas barreiras cerebrais durante o período neonatal, o projecto vai decorrer durante um ano e meio e é coordenado pela investigadora Vanessa Coelho-Santos, do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) da UC. A cientista tem-se dedicado ao estudo do cérebro neonatal, correspondente aos primeiros 28 dias de vida do bebé.
Vanessa Coelho-Santos destaca que “os estudos têm mostrado que bebés e crianças do sexo masculino têm maior risco de desenvolver transtornos do neurodesenvolvimento, como autismo e hiperactividade, frequentemente associados a infecções neonatais e neuroinflamação”. No entanto, ainda não se sabe ao certo como o sexo biológico influencia a maturação dos vasos e barreiras cerebrais, bem como a composição neuroimunológica. O objectivo do estudo é precisamente revelar esses mecanismos e compreender a maior resiliência do sexo feminino.
A cientista explica que o período neonatal é de particular interesse, pois o cérebro está numa fase de intenso crescimento vascular e amadurecimento da barreira hematoencefálica, para além de contar com um sistema imunitário ainda imaturo. Estas vulnerabilidades tornam essencial o conhecimento aprofundado dos seus impactos fisiológicos, permitindo futuras intervenções que evitem a propagação de problemas de saúde desde o início da vida.
A equipa do projecto está a estudar várias barreiras cerebrais que controlam a comunicação com o sistema periférico, incluindo as meninges, que contêm células imunes; a barreira hematoencefálica, que regula a passagem de substâncias e células do sangue para o cérebro; e o plexo coróide, responsável pela produção do líquido cefalorraquidiano e pelo controlo da resposta imunitária. Estas estruturas são fundamentais na defesa cerebral e determinam a reacção a infecções, toxinas e inflamações nos primeiros dias de vida.
O estudo, realizado com modelos pré-clínicos em murganhos, pretende analisar a composição imunológica e a maturação das barreiras cerebrais em machos e fêmeas durante o período neonatal. Como ainda não existem dados moleculares humanos sobre este tema, os investigadores pretendem, numa fase posterior, comparar os resultados obtidos com tecidos humanos.
Para isso, serão utilizadas imagens cerebrais em tempo real, captadas por microscopia de dois fotões, uma tecnologia avançada que permite obter imagens de alta resolução ao longo do tempo. O estudo recorrerá ainda à citometria de fluxo, uma técnica laboratorial que permite analisar várias propriedades celulares. “Estas interfaces vão ser estudadas comparativamente entre murganhos recém-nascidos de ambos os sexos, de modo a perceber as diferenças entre eles e como essas diferenças explicam a maior susceptibilidade masculina a infecções4 e transtornos do neurodesenvolvimento”, esclarece Vanessa Coelho-Santos.
A investigação é financiada em cerca de 50 mil euros pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e conta com a colaboração da médica e investigadora Juliane Gust, do Instituto de Investigação Infantil de Seattle.