Os dados apontam para 1.225 novos diagnósticos de Cancro no Cérebro por ano, em Portugal. Há cerca de três anos, Renato Daniel foi um deles. Na altura, acabara de assumir a vice-presidência da direcção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG-AAC), a que mais tarde, vencida a batalha contra o cancro, viria mesmo a presidir. Ainda o mandato não tinha terminado e já este licenciado em Bioquímica pela Faculdade de Ciência e Tecnologias da Universidade de Coimbra (FCTUC) e Mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), gizava a melhor forma de ajudar pessoas que passassem por situações semelhantes à que vivera. Nascia assim, a 20 de Janeiro de 2025, a Associação Portuguesa do Cancro no Cérebro (APCCER), razão do convite do Campeão das Províncias para uma conversa aos microfones da Rádio Regional do Centro.
Campeão das Províncias [CP]: O Renato Daniel é um jovem da Lousã, terra de gentes boas, acolhedoras e muito orgulhosas das suas raízes. Ainda me lembro quando acompanhei a equipa da Lousã aos Jogos Sem Fronteiras, na Suíça, e era tanta gente, tantos carros, que tive de chamar a atenção, para que ao menos ficasse alguém para apagar a luz (risos)… E é também por esse apreço grande que tenho pela Lousã que espero que a obra do metro traga os resultados esperados, porque se assim for, a Lousã saberá certamente aproveitar e dará um pulo grande. Mas vamos ao nosso convidado desta edição, Renato Daniel, que acaba de tomar uma iniciativa que vem abalar um pouco as consciências, abrindo a porta para um sector da saúde, ou da falta dela, que precisava que alguém olhasse para ele com um olhar mais focado. Estamos a falar do Cancro no Cérebro.
Renato Daniel [RD]: A minha maior virtude é seguramente a de ser lousanense, não só pelas suas qualidade naturais mas pelas suas gentes, de bem e que têm esta forma de ser e de participação na vida social e cívica muito forte. Eu comecei a maturar este projecto já na reta final do meu mandato na AAC, e desde Dezembro até agora temos estado a tratar do processo burocrático, que é algo complexo porque é uma associação construída do zero e pensada não para ser efémera, mas, esperamos, para ter impacto na sociedade por muitos anos. É verdade que o cancro no cérebro não é, digamos assim, a doença da moda, mas o cancro em geral tem vindo a aumentar, e ainda recentemente o Relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) mostrou que Portugal é o país com a taxa de cancros em crianças mais elevada da União Europeia, e isto deve convocar-nos, a todos, para uma reflexão urgente, para percebermos o que estamos a fazer de errado, enquanto sociedade, e o que temos de fazer para reverter a tendência de crescimento dessas taxas. E se formos analisar esse relatório, vemos que um dos motivos apontados é o sedentarismo, as pessoas não praticam regularmente exercício físico, desde as camadas mais jovens, e isso tem de levar-nos a repensar o desporto, não numa vertente competitiva mas na sua dimensão de saúde pública.
[CP]: Mas já há uma relação científica comprovada ou de alta probabilidade entre o sedentarismo e o risco de cancro?
[RD]: Quase todos os factores de risco têm alguma relação com o aumento das taxas de cancro, ou de outras doenças, mas sim, há uma ligação comprovada entre o sedentarismo e o aumento da probabilidade de vir a ter um cancro e outras doenças. Por isso, o que há a fazer é obrigar as pessoas a sair do sofá, a dar umas caminhadas, a mexerem-se…
[CP]: Esse ‘obrigar’ tem de passar por uma nova cultura, não há outra forma…
[RD]: Sim, claro, e eu julgo que, aos poucos, já começámos a sentir isso, até no destaque que vemos a ser dado a modalidades que não futebol, e que há umas décadas seria impensável. O facto de estarmos a ter cada vez mais excelentes resultados em modalidades distintas, como a natação, o andebol, o rugby, o basquetebol feminino, entre outras, também contribui para essa nova cultura.
[CP]: E quais são os objectivos da APCCER?
[RD]: Nós queremos actuar em várias valências. Se formos comparar, por exemplo, com Inglaterra, Portugal tem muito poucas associações de doentes, seja do foro oncológico ou outro. E é importante que nasçam, por um lado para serem a voz das pessoas com essas patologias perante a tutela, por outro porque acabam por desenvolver estratégias, por vezes até criativas, para apoiar esses doentes e as suas famílias. Mas eu queria referir três objectivos fundamentais. O primeiro é a divulgação acessível junto dos doentes e das suas famílias, porque aquando do diagnóstico as pessoas ficam com muitas dúvidas, até porque não sendo dos mais falados, o cancro no cérebro é dos que mais assusta, e é importante ter informação disponível sobre o que é, as terapêuticas existentes em Portugal e não só, o processo, enfim. Em segundo lugar, queremos providenciar apoio emocional e psicológico aos doentes e às famílias, é fundamental e muda muito a forma como se vive a doença. E felizmente, apesar de muito recente, a associação tem uma super equipa, do norte ao sul do país, são duas dezenas de pessoas para além da comissão científica e da comissão de honra, e muitas das pessoas nos órgãos sociais são pessoas directa ou indirectamente ligadas à doença e a aceitação foi imediata, e isso é louvável, e graças a essa disponibilidade já temos sido contactados e prestado estes apoios tão importantes. Tivemos também a colaboração incansável das médicas que contactámos, desde logo da Dr.ª Daniela Garcez, que é a coordenadora da Comissão Científica. O terceiro objectivo é conseguir que, dentro dos próprios IPO, hospitais, etc, conseguir que os profissionais de saúde indiquem a associação a quem ela possa ser útil. Não queremos ser uma nova Liga Portuguesa Contra o Cancro, que faz um trabalho extraordinário, mas complementar esse trabalho, nesta área específica.
[CP]: Vocês têm os IPO (Instituto Português de Oncologia) todos…e têm uma comissão de honra longa, o que é que pretendem destas pessoas?
[RD]: Nós quando constituímos a Associação quisemos integrar dois órgãos de apoio à direcção. O primeiro é a Comissão Científica, que é extremamente relevante, porque é a quem compete emitir pareceres e validar toda a informação que iremos divulgar publicamente. O segundo foi a Comissão de Honra, composta por pessoas notáveis nas mais diversas áreas, das artes à ciência, da política ao desporto, porque sendo uma associação recente e que veio ocupar um espaço vazio, estas personalidades podem ajudar-nos a dar mais voz a esta causa. E a adesão foi fantástica também.
[CP]: A presidente da Mesa da Assembleia Geral é uma pessoa que já tinha méritos reconhecidos, mas que se tornou mais popular com a pandemia, que é a Dra. Graça Freitas. Como é que foi a reacção ao seu convite?
[RD]: Vou ser mesmo muito sincero, é das maiores honras que tive na vida, não apenas pelo que fez por nós na pandemia, mas porque quem tem o privilégio de privar com ela pessoalmente, conhece uma pessoa extraordinária. Teve o seu período de reflexão mas, a partir do momento que aceitou, e ela é também provedora do utente no IPO de Lisboa, tem sido absolutamente incansável. Queria também destacar, noutro campo, a poio incondicional da Câmara Municipal da Lousã, que numa altura em que precisávamos de uma sede, estava tudo ainda no início, esteve sempre ao nosso lado.
[CP]: Mas também precisam de apoios financeiros…
[RD]: Este mês vamos lançar um crowdfunding, a nível nacional, para conseguir obter algumas verbas, porque agora o desafio é, obviamente, ajudar as pessoas, mas também montar a estrutura para o fazer. Todos nós estamos em regime de voluntariado, mas vamos precisar de recursos humanos, de infra-estruturas, de estrutura digital, ou seja, estamos a trabalhar também para essa dimensão mais material, vamos ter um regime de quotas para sócios, vamos investigar a possibilidade de nos candidatarmos a fundos públicos ou outros, e vamos aceitar donativos. O que vamos é garantir que ninguém seja excluído dos apoios que queremos prestar e de que as pessoas precisem, sejam consultas, bolsas, etc.
[CP]: Imagine que lhe entra um doente que recentemente descobriu que tem um cancro do cérebro. O que é que lhe pode oferecer? Aconselhar um médico? Orientar para uma terapia?
[RD]: Nada na actuação directa, nisso, nada. O que fazemos é dar a informação disponível, mas nunca dar segundas opiniões sobre diagnósticos, ou aconselhar um sítio ou um médico, isso não. Essas decisões pertencem exclusivamente ao foro do doente e da família.
Lino Vinhal/Andreia Gouveia