Coimbra  15 de Março de 2025 | Director: Lino Vinhal

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Renato Daniel um sobrevivente, uma missão: a urgência de olhar para o cancro no cérebro

16 de Fevereiro 2025 Jornal Campeão: Renato Daniel um sobrevivente, uma missão: a urgência de olhar para o cancro no cérebro

Os dados apontam para 1.225 novos diagnósticos de Cancro no Cérebro por ano, em Portugal. Há cerca de três anos, Renato Daniel foi um deles. Na altura, acabara de assumir a vice-presidência da direcção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG-AAC), a que mais tarde, vencida a batalha contra o cancro, viria mesmo a presidir. Ainda o mandato não tinha terminado e já este licenciado em Bioquímica pela Faculdade de Ciência e Tecnologias da Universidade de Coimbra (FCTUC) e Mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), gizava a melhor forma de ajudar pessoas que passassem por situações semelhantes à que vivera. Nascia assim, a 20 de Janeiro de 2025, a Associação Portuguesa do Cancro no Cérebro (APCCER), razão do convite do Campeão das Províncias para uma conversa aos microfones da Rádio Regional do Centro.

 

Campeão das Províncias [CP]: O Renato Daniel é um jovem da Lousã, terra de gentes boas, acolhedoras e muito orgulhosas das suas raízes. Ainda me lembro quando acompanhei a equipa da Lousã aos Jogos Sem Fronteiras, na Suíça, e era tanta gente, tantos carros, que tive de chamar a atenção, para que ao menos ficasse alguém para apagar a luz (risos)… E é também por esse apreço grande que tenho pela Lousã que espero que a obra do metro traga os resultados esperados, porque se assim for, a Lousã saberá certamente aproveitar e dará um pulo grande. Mas vamos ao nosso convidado desta edição, Renato Daniel, que acaba de tomar uma iniciativa que vem abalar um pouco as consciências, abrindo a porta para um sector da saúde, ou da falta dela, que precisava que alguém olhasse para ele com um olhar mais focado. Estamos a falar do Cancro no Cérebro.

 

Renato Daniel [RD]: A minha maior virtude é seguramente a de ser lousanense, não só pelas suas qualidade naturais mas pelas suas gentes, de bem e que têm esta forma de ser e de participação na vida social e cívica muito forte. Eu comecei a maturar este projecto já na reta final do meu mandato na AAC, e desde Dezembro até agora temos estado a tratar do processo burocrático, que é algo complexo porque é uma associação construída do zero e pensada não para ser efémera, mas, esperamos, para ter impacto na sociedade por muitos anos. É verdade que o cancro no cérebro não é, digamos assim, a doença da moda, mas o cancro em geral tem vindo a aumentar, e ainda recentemente o Relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) mostrou que Portugal é o país com a taxa de cancros em crianças mais elevada da União Europeia, e isto deve convocar-nos, a todos, para uma reflexão urgente, para percebermos o que estamos a fazer de errado, enquanto sociedade, e o que temos de fazer para reverter a tendência de crescimento dessas taxas. E se formos analisar esse relatório, vemos que um dos motivos apontados é o sedentarismo, as pessoas não praticam regularmente exercício físico, desde as camadas mais jovens, e isso tem de levar-nos a repensar o desporto, não numa vertente competitiva mas na sua dimensão de saúde pública.

 

[CP]: Mas já há uma relação científica comprovada ou de alta probabilidade entre o sedentarismo e o risco de cancro?

[RD]: Quase todos os factores de risco têm alguma relação com o aumento das taxas de cancro, ou de outras doenças, mas sim, há uma ligação comprovada entre o sedentarismo e o aumento da probabilidade de vir a ter um cancro e outras doenças. Por isso, o que há a fazer é obrigar as pessoas a sair do sofá, a dar umas caminhadas, a mexerem-se…

[CP]: Esse ‘obrigar’ tem de passar por uma nova cultura, não há outra forma…

[RD]: Sim, claro, e eu julgo que, aos poucos, já começámos a sentir isso, até no destaque que vemos a ser dado a modalidades que não futebol, e que há umas décadas seria impensável. O facto de estarmos a ter cada vez mais excelentes resultados em modalidades distintas, como a natação, o andebol, o rugby, o basquetebol feminino, entre outras, também contribui para essa nova cultura.

[CP]: E quais são os objectivos da APCCER?

[RD]: Nós queremos actuar em várias valências. Se formos comparar, por exemplo, com Inglaterra, Portugal tem muito poucas associações de doentes, seja do foro oncológico ou outro. E é importante que nasçam, por um lado para serem a voz das pessoas com essas patologias perante a tutela, por outro porque acabam por desenvolver estratégias, por vezes até criativas, para apoiar esses doentes e as suas famílias. Mas eu queria referir três objectivos fundamentais. O primeiro é a divulgação acessível junto dos doentes e das suas famílias, porque aquando do diagnóstico as pessoas ficam com muitas dúvidas, até porque não sendo dos mais falados, o cancro no cérebro é dos que mais assusta, e é importante ter informação disponível sobre o que é, as terapêuticas existentes em Portugal e não só, o processo, enfim. Em segundo lugar, queremos providenciar apoio emocional e psicológico aos doentes e às famílias, é fundamental e muda muito a forma como se vive a doença. E felizmente, apesar de muito recente, a associação tem uma super equipa, do norte ao sul do país, são duas dezenas de pessoas para além da comissão científica e da comissão de honra, e muitas das pessoas nos órgãos sociais são pessoas directa ou indirectamente ligadas à doença e a aceitação foi imediata, e isso é louvável, e graças a essa disponibilidade já temos sido contactados e prestado estes apoios tão importantes. Tivemos também a colaboração incansável das médicas que contactámos, desde logo da Dr.ª Daniela Garcez, que é a coordenadora da Comissão Científica. O terceiro objectivo é conseguir que, dentro dos próprios IPO, hospitais, etc, conseguir que os profissionais de saúde indiquem a associação a quem ela possa ser útil. Não queremos ser uma nova Liga Portuguesa Contra o Cancro, que faz um trabalho extraordinário, mas complementar esse trabalho, nesta área específica.

[CP]: Vocês têm os IPO (Instituto Português de Oncologia) todos…e têm uma comissão de honra longa, o que é que pretendem destas pessoas?

[RD]: Nós quando constituímos a Associação quisemos integrar dois órgãos de apoio à direcção. O primeiro é a Comissão Científica, que é extremamente relevante, porque é a quem compete emitir pareceres e validar toda a informação que iremos divulgar publicamente. O segundo foi a Comissão de Honra, composta por pessoas notáveis nas mais diversas áreas, das artes à ciência, da política ao desporto, porque sendo uma associação recente e que veio ocupar um espaço vazio, estas personalidades podem ajudar-nos a dar mais voz a esta causa. E a adesão foi fantástica também.

[CP]: A presidente da Mesa da Assembleia Geral é uma pessoa que já tinha méritos reconhecidos, mas que se tornou mais popular com a pandemia, que é a Dra. Graça Freitas. Como é que foi a reacção ao seu convite?

[RD]: Vou ser mesmo muito sincero, é das maiores honras que tive na vida, não apenas pelo que fez por nós na pandemia, mas porque quem tem o privilégio de privar com ela pessoalmente, conhece uma pessoa extraordinária. Teve o seu período de reflexão mas, a partir do momento que aceitou, e ela é também provedora do utente no IPO de Lisboa, tem sido absolutamente incansável. Queria também destacar, noutro campo, a poio incondicional da Câmara Municipal da Lousã, que numa altura em que precisávamos de uma sede, estava tudo ainda no início, esteve sempre ao nosso lado.

[CP]: Mas também precisam de apoios financeiros…

[RD]: Este mês vamos lançar um crowdfunding, a nível nacional, para conseguir obter algumas verbas, porque agora o desafio é, obviamente, ajudar as pessoas, mas também montar a estrutura para o fazer. Todos nós estamos em regime de voluntariado, mas vamos precisar de recursos humanos, de infra-estruturas, de estrutura digital, ou seja, estamos a trabalhar também para essa dimensão mais material, vamos ter um regime de quotas para sócios, vamos investigar a possibilidade de nos candidatarmos a fundos públicos ou outros, e vamos aceitar donativos. O que vamos é garantir que ninguém seja excluído dos apoios que queremos prestar e de que as pessoas precisem, sejam consultas, bolsas, etc.

[CP]: Imagine que lhe entra um doente que recentemente descobriu que tem um cancro do cérebro. O que é que lhe pode oferecer? Aconselhar um médico? Orientar para uma terapia?

[RD]: Nada na actuação directa, nisso, nada. O que fazemos é dar a informação disponível, mas nunca dar segundas opiniões sobre diagnósticos, ou aconselhar um sítio ou um médico, isso não. Essas decisões pertencem exclusivamente ao foro do doente e da família.

 

Lino Vinhal/Andreia Gouveia