Já tínhamos o dono disto tudo caseiro, responsável pelo saque de milhões que deixou a arder investidores cujo crime foi confiar as suas poupanças a quem organizava festas no tempo de Salazar e geria um banco como se estivesse numa ditadura sul-americana.
Já temos os donos do mundo, país dominador das armas, dos crimes nas escolas e da frágil cultura que, por vezes, parece ainda viver no tempo dos cowboys, em que se massacraram os índios e a cavalaria não era rusticana.
Agora temos o dono disto tudo, que não sugere apoiar, ajudar, sequer negociar, mas impõe ocupar Gaza (que passará a ser Riviera do Médio Oriente, não reconhecendo os dois Estados), que o Canadá vai pagar uma factura pela sua independência, que a Gronelândia é território americano, que o México, a China e a União Europeia vão ter sobretaxas comerciais; apenas hesita em relação à Ucrânia pois tem armas para vender.
Trump, o dono disto tudo, acolitado pelos magnatas da tecnologia e controlo da comunicação social, prepara-se sabe-se lá mais para quê, com atitudes destemperadas, ideias perigosas e provocadoras de instabilidade, fazendo crer que tenha uma perturbação, mas que não é justificação.
Depois da concentração do poder num país (agora numa pessoa), que quebra o Acordo de Paris quanto ao combate às alterações climáticas, que concede perdão aos seus apoiantes que atacaram o símbolo da soberania americana (à revelia da justiça), que acaba com a USAid (um exemplo de ajuda humanitária), que abandona a OMS (e põe em risco saúde materno-infantil, programas contra malária, SIDA e tuberculose, erradicação da poliomielite e investigação de ameaças virais), que mais irá acontecer?
O mundo está inquieto, está preocupado, está temeroso, quanto às próximas medidas a anunciar e à execução das já anunciadas por Trump, não sendo animador o curso da História contemporânea, a fragilidade da União Europeia (agravada pela saída do Reino Unido e pelos movimentos neonazis dominantes em países integrantes), o armamento cada vez mais demolidor em vidas humanas e destruição ambiental, e a ambição dos mais ricos que querem cada vez ser mais ricos, em dinheiro e agora em poder político.
Não estamos condenados
A tomada de posse de Trump teve um único político português, André Ventura, líder de um partido político de má índole, polvilhado de ladrões de malas, prostituição de menores, tráfico de droga e armas, agressões e perversões, crimes e mais crimes (“inocentes” até trânsito em julgado), a quem muitos portugueses deram a sua confiança e esperemos que a retirem rapidamente.
Mas não estamos condenados ao dono disto tudo. A bajulação leva à fraqueza, a submissão conduz à dependência, o medo leva à perda de reacção e da capacidade de luta, o pânico leva à incapacidade de pensar, a aversão dificulta a autocracia, a repugnância leva o povo americano a reflectir.
Trump, com os seus interesses e os seus intuitos desbragados, que só conhece “eu” e quem não está por mim está contra mim, deverá ter pela frente, ainda que não os respeite (mas irá respeitar…), as Nações Unidas (que não domina), o Tribunal Penal Internacional (que se reforçará) e a NATO (da qual faz parte e não é dono).
E ainda a União Europeia (que finalmente poderá ser união e que distingue um aliado de um adversário), a diplomacia internacional que funciona (mesmo que corrosiva), o comércio justo (e a urbanidade nas transacções), e a estratégia dos países emergentes e reemergentes (com defeitos e virtudes).
Só assim haverá poema, só assim haverá razão. E a democracia vencerá.
(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra