Nascemos e morremos a rezar as pétalas deste rosário. O pior dos horrores é não se ser amado. O amor molda as relações humanas, influencia o desenvolvimento da identidade e é central, na saúde mental e na realização pessoal. Só sabe amar quem já foi amado. É tão difícil de definir, que até Camões o definiu pela indefinição: “é fogo que arde sem se ver” … Seja Poesia, ou Psicanálise, cada abordagem traz uma compreensão única, contribuindo para o rico debate sobre o papel do amor na psique humana.
A Psicanálise ensina sobre o amor porque é uma experiência cuja fonte é o amor. “A Psicanálise é, em essência, uma cura pelo Amor”, dizia Freud. A relação terapêutica encerra esse “amor automático” e, ab initio, inconsciente, que o Analisando dirige ao Analista: a transferência. É uma espécie de “amor fictício” feito da mesma matéria que o verdadeiro. A “cena analítica” actualiza, dramaticamente, relações precoces, profundas, facto fundamental para a procura de (res)significações e para a (re)descoberta da saúde mental.
Amamos quando acreditamos que, ao amar, alcançaremos uma verdade sobre nós próprios. “Decifra-me ou devoro-te”, dizia a Esfinge. Ama-se aquele que preserva (um)a resposta à questão: “Quem sou eu?”. Nesta medida, o amor está na relação… e está na falta. De facto, o amor inscreve-se na falta: amamos quando reconhecemos que temos necessidade do Outro, que ele (faz) falta. Por isso, Lacan dizia que “Amar é dar o que não se tem”. Amar é reconhecer a falta e doá-la ao Outro, colocá-la no Outro. Não é dar o que se possui, é dar algo que não se possui, que vai para além de si mesmo.
A falta, ou a “castração” (Freud) é, essencialmente, feminina. É por isso que amar feminiza. Só se ama, verdadeiramente, a partir de uma posição feminina. É por isso que, para os homens, “as cartas de amor são ridículas (Fernando Pessoa) e o amor é por eles sentido como algo cómico: “Lá estás tu com as tuas lamechices”, dizem. Todavia, se o homem se deixa intimidar pelo ridículo, não está assim tão seguro da sua virilidade. O amor coloca o homem numa posição de incompletude, de dependência, o que pode provocar acessos de orgulho, ou agressividade, contra o objecto de amor. Quando assim é, pode ver-se a desejar as mulheres que não ama, na procura da posição viril que sente que se suspende, quando ama. Ao limite, encontramos as patologias falo-narcísicas: os “D. Juans”.
Modernamente, com o “amor líquido” (Bauman), tudo de desfaz e refaz, de uma forma vertiginosa. Tudo se permeia. O “múltiplo” destrona o “um”. O modelo ideal do “amor para toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o “speed dating”, o “speed loving” e toda a panóplia de cenários amorosos alternativos, sucessivos e/ou simultâneos. Ainda assim, perpetua-se o interminável desígnio amoroso: os amantes estão condenados a aprender, indefinidamente, a língua do outro. Indagam, intuem, ensaiam o entendimento e a procura do amado. Sem decifrações perenes. O amor é um vórtice de mal-entendidos, (re)conciliações, chegadas e partidas. A chave está em desconfundir, em perceber, ao amar, o que é que é “nosso”, e o que é que é do Outro.
Bem-me-quer, mal-me-quer, muito, pouco, ou nada…
(*) Directora Clínica e Psicanalista na Mentanalysis