No passado domingo, 2 de Fevereiro, cumpriram-se 40 dias após o Natal. Na Bélgica, isso significa crepes – é a Chandeleur.
A Chandeleur, cujo nome vem de “chandelles” (velas), é uma festa na sua essência cristã, mas que entretanto, um pouco como o próprio Natal, foi crescendo em extensão – não necessariamente em profundidade… Os cristãos mais atentos poderão ter reparado que no passado domingo a liturgia eucarística incidiu sobre a apresentação de Jesus no templo. Segundo o Evangelho de São Lucas, quando Maria e José levaram o Menino, Simeão recebeu-O e, exclamando, disse que os seus olhos haviam visto a salvação “ao alcance de todos os povos, luz para se revelar às nações (…)”. Esta ideia de Jesus como luz está marcadamente presente nas celebrações religiosas católicas em França e também na Bélgica. À entrada da missa, distribuem-se velas. Em casa, fazem-se (sobretudo, comem-se…) crepes. Uma teoria diz que os crepes, pela sua forma redonda e cor dourada, evocam o Sol, fonte de luz por excelência. Assim, foram ficando associados à festa das luzes assente na apresentação de Jesus no templo. Outros dizem que a tradição tem origem no Papa Gelásio I, o qual, no século V, oferecia uma espécie de bolachas aos peregrinos que se deslocavam a Roma para a Procissão das Velas, evocativa da apresentação de Jesus. Se formos ainda mais longe, encontramos raízes pagãs que se entrecruzam com esta festa cristã: seria a festa das tochas, organizada já por celtas e romanos, no período que antecedia a Primavera. Celebrava-se aí o regresso da luz, após o solstício de Inverno.
O costume de comer crepes a 2 de Fevereiro, entretanto bem enraizado por terras francófonas (não há na Bélgica escola francófona onde não se sirvam crepes às crianças por esta altura), está hoje também associado a uma ideia de partilha e convivência fraterna.
Os números não enganam. Num país onde os crepes são presença regular à mesa, a cadeia de supermercados Delhaize dá conta da venda de cerca de 1 milhão de crepes na semana que antecede a Chandeleur. Nesta semana, a venda de crepes prontos a comer multiplica-se sensivelmente por 12. Os que têm queda para a culinária também não passam despercebidos: ovos, leite e farinha conhecem promoções por esta altura e aquisições redobradas.
A Chandeleur é assim uma festa incontornável do calendário belga. Entre a luz que vai em crescendo no céu em direcção à primavera, a luz das festas pagãs, a luz das velas que se acendem em evocação de Jesus, a História dá-nos vários elementos que tornam este período uma preparação para o fim da escuridão do Inverno e o início de um novo ano – não no calendário, mas na Natureza.
No entretanto, misture a farinha e os ovos. Junte, pouco a pouco, o leite, e deixe repousar a massa no frigorífico. Depois é só fazer na frigideira. A tradição não é portuguesa, mas cruzar culturas é um óptimo pretexto para saborear uns crepes ao lanche ou como sobremesa.