Coimbra  21 de Junho de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

José Miguel Ramos Ferreira

Política em declínio: como evitar o abismo democrático

31 de Janeiro 2025

Nos últimos anos, a classe política tem exibido preocupantes sinais de decadência. Casos de alegada corrupção e suspeitas de ilegalidades multiplicam-se, enquanto a qualidade de quem ocupa cargos públicos parece diminuir sucessivamente. Ao mesmo tempo, as políticas públicas falham em reduzir desigualdades sociais, corrigir assimetrias regionais e aproximar Portugal da média europeia em prosperidade económica e poder de compra.

Este desgaste é particularmente visível nos partidos tradicionais, especialmente no Partido Socialista, que, ao longo das suas quase ininterruptas governações, tem-se confundido perigosamente com o Estado. A sucessão de casos de corrupção e má gestão – desde o escândalo Sócrates até à recente queda de António Costa – evidencia falhas estruturais que têm manchado a história política do país.

Este cenário abriu espaço para o crescimento de partidos extremistas, como o Chega e o Bloco de Esquerda, que se apresentam como alternativas radicais ao “status quo”. Alimentam-se do descontentamento popular através de discursos populistas e ataques ao poder estabelecido. Contudo, longe de oferecerem soluções credíveis, revelam incoerências gritantes que os tornam mais semelhantes do que diferentes.

À esquerda, o Bloco de Esquerda, que se autoproclama defensor dos trabalhadores e crítico do capitalismo, mostrou-se um péssimo empregador ao despedir trabalhadoras a amamentar, contornando a lei. É o mesmo partido que demonstra tolerância por regimes autocráticos e ditatoriais, e que teve em Ricardo Robles um símbolo de hipocrisia, ao enriquecer com especulação imobiliária enquanto criticava proprietários “sem escrúpulos”.

À direita, o Chega não é melhor. Perigosamente condescendente e simpatizante de partidos autocráticos, vive de slogans sobre moralidade e corrupção enquanto abriga deputados envolvidos em processos judiciais. O caso de Miguel Arruda, alegadamente apanhado com malas roubadas, é apenas mais um exemplo do fosso entre a sua retórica e as suas acções.

No actual panorama, recai sobre os partidos moderados a responsabilidade de reconquistar a confiança dos cidadãos. Transformar a política exige organizações que sejam espaços abertos à discussão, com quadros qualificados e coragem para divergir e convergir por convicções reais. Mais do que nunca, é necessário apresentar reformas estruturais que devolvam relevância e esperança ao debate público.

As recentes declarações de António Leitão Amaro sobre a revisão dos salários dos gestores públicos são, nesse contexto, pertinentes. As decisões mais importantes do país precisam de estar na mão dos melhores, e para isso é relevante oferecer remunerações competitivas com o setor privado. Contudo, este ajuste não pode ser feito de forma isolada nem descontextualizada.

Por um lado, não podemos voltar aos tempos em que gestores públicos tinham salários muito superiores aos dos responsáveis políticos que os nomeavam. Foi com coragem que Pedro Passos Coelho implementou a regra de que no sector público ninguém poderia ganhar mais do que o primeiro-ministro. Essa decisão foi crucial para combater desigualdades salariais injustificáveis e fechar portas ao favoritismo e à corrupção.

Por outro lado, aumentar os salários de políticos e gestores públicos só pode ser possível se vier acompanhado de uma reforma política abrangente. É urgente eliminar estruturas redundantes, reduzir o número de políticos em funções, aproximar eleitores e eleitos, melhorar a representatividade territorial e implementar um regime de tolerância zero à corrupção.

Salários competitivos são importantes, mas ser gestor ou decisor público deve continuar a ser, acima de tudo, uma honra e um privilégio que não esquece a realidade salarial média dos portugueses. Mais do que criar um quadro salarial competitivo, é necessário criar um quadro político de qualidade e valores superiores, onde os melhores tenham vontade e oportunidade de participar.

Sugestão da Semana

Autocracia, Inc., Anne Applebaum. Um livro de leitura obrigatória para os tempos que vivemos.

(*) Advogado e gestor