Que tarda…
Em 2014, no n.º 79 da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo, que criáramos em Coimbra em 1995, escrevíamos, em contundente crítica a um ‘aborto jurídico’ apresentado por uma tal Comissão de Codificação do Direito do Consumo, constituída em 1996 sob a égide de Elisa Ferreira, ministra do Consumo:
“Se compulsarmos o anteprojecto do [denominado] Código de Consumidor, tal como a Comissão o gizou, surpreendemos na secção VI do capítulo IV do título II, uma parte aparentemente reservada aos contratos típicos de consumo, nela figurando:
– Compra e Venda de Bens de Consumo
– Concessão de Crédito
– Serviços Públicos Essenciais
– Direito de Habitação Periódica
– Viagens Turísticas e Organizadas
Ora, no âmbito dos outrora denominados “serviços públicos essenciais”… não há um efectivo tratamento dos contratos que nesse quadro se manifestam. Antes – e tão só – a transcrição original da Lei 23/96, de 26 de Julho (sem sequer se haver tomado em linha de conta as alterações entretanto introduzidas). …
E não há um tratamento autónomo de cada um dos contratos típicos pelas especificidades que postulam, moldes que se acham dispersos por inúmeros diplomas legais que nem são tocados, aflorados, referenciados sequer…
Não se pode codificar pretensamente para se deixar tudo aparentemente na mesma com um ror de normas extravagantes ou avulsas que o regime do Código não dispensará…
E, como “serviços essenciais”, considera só – e tão só – o fornecimento de
Esqueceu-se a preclara Comissão de considerar como espécies típicas, em inovação que importaria ousar, as que segue:
– acesso à internet
– acesso à televisão por cabo
– demais serviços neste âmbito cuja regulação se torne adequada.
Para além dos contratos de recolha dos resíduos sólidos urbanos (lixo) ou de águas residuais ou efluentes (saneamento e esgotos), mais tarde reconduzidos ao elenco de “serviços públicos essenciais” pela lei ordinária que os não considerara como tal na versão original…
No entanto, há um ror de contratos que carecem de ser disciplinados (ou consolidados ante a dispersão normativa subsistente) pelo legislador, neste particular, a saber:
– aéreo
– marítimo
– fluvial
– ferroviário
– rodoviário
– contrato de albergaria ou pousada
– contrato de arrendamento por breves períodos em praias, termas ou outros lugares de vilegiatura (alojamento local)
. …
Daí que se exigisse que o legislador se não distraísse neste passo. E fosse fundo numa abordagem do estilo. Para que o Código não seja um mero arremedo agregador de diplomas com todas as excrescências deles constantes.
E, o que é mais, com um pretenso esforço de codificação, se dispusesse a manter um ror de diplomas extravagantes exactamente na esfera da legislação avulsa, não a abarcando nem a fundindo na sua mancha…
Se o campo de eleição do Código é o dos actos e contratos de consumo, domínios como estes jamais poderiam ser descurados.”
Do que carecemos, hoje em dia, é, na verdade, de um Código de Contratos de Consumo: enxuto, abrangente, para que a disciplina das relações jurídicas de consumo lhe não escape!
(*) Presidente emérito da apDC –DIREITO DO CONSUMO – Portugal