Este ano trouxe notáveis progressos no campo biomédico e desafios éticos e sociais, que espelham os dilemas do clássico Nosferatu (1922), que retrata a vulnerabilidade humana face à doença e ao desconhecido. Um marco para reflectir sobre os avanços da ciência, as promessas e os seus perigos… A Medicina personalizada evoluiu de forma impressionante, com terapias genéticas e tecnologias como o CRISPR a oferecerem esperança para doenças outrora incuráveis. No entanto, tal como o Nosferatu manipula forças para além da compreensão humana, também a edição genética levanta questões éticas. Até que ponto podemos reescrever o nosso “código da vida”?
Na inteligência artificial (IA) assistimos a um progresso avassalador. Algoritmos capazes de diagnosticar doenças, prever surtos e personalizar tratamentos, são o novo ” invisível assistente ” da Medicina. Mas, qual vampiro que age na escuridão, a IA pode trazer várias questões. As doenças infecciosas relembram-nos da vulnerabilidade e finitude humana. Assim como a praga acompanha o vampiro em Nosferatu, as alterações climáticas e os desequilíbrios ambientais estão a amplificar surtos de doenças zoonóticas. A resistência antimicrobiana continua a ser um flagelo global, levando-nos a repensar o uso dos antibióticos e a desenvolver novas terapias para combater “superbactérias”. Os avanços na engenharia de tecidos, incluindo a impressão 3D de órgãos, permitem-nos perspectivar um futuro onde a mortalidade poderá ser desafiada. Esta “imortalidade científica” remete-nos para o pacto faustiano de Nosferatu, onde o desejo por conhecimento e poder leva à corrupção e à ruína – até que ponto devemos manipular a vida humana? No campo da saúde mental e das doenças neurodegenerativas, tal como as vítimas do Nosferatu enfrentam o medo e o isolamento, também a sociedade moderna lida com um aumento das doenças neuropsiquiátricas, agravadas por crises globais. As terapias experimentais para o Alzheimer e a investigação em biomarcadores trazem esperança, mas a solidão e o estigma continuam a ser barreiras significativas. As ligações entre alterações climáticas e saúde tornaram-se mais evidentes. As doenças respiratórias, cardiovasculares e infecciosas reflectem os impactos directos de um planeta sob pressão e, recorda-nos que a preservação do ambiente é inseparável da saúde humana. Por fim, a longevidade e o envelhecimento saudável assumiram destaque. As investigações sobre rejuvenescimento celular e autofagia aproximam-se de transformar o envelhecimento numa condição tratável. Tal como o Nosferatu, que desafia o tempo, a ciência questiona os limites do que significa viver, mas também envelhecer de forma digna e sustentável.
2024, tão em aberto, termina com um balanço complexo de fazer… À semelhança do Nosferatu, a ciência biomédica reflecte os nossos maiores anseios e os nossos mais profundos e recônditos medos. O progresso é essencial, mas a verdadeira questão reside na forma como o utilizamos: como um caminho para a luz ou uma descida às sombras da escuridão?
Para o leitor, com estima
Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari.
Uma obra fascinante que nos conduz numa viagem extraordinária através da história da humanidade, desde a evolução dos primeiros hominídeos até às complexidades do mundo moderno. Explora como os factores biológicos, culturais e tecnológicos moldaram a sociedade e o pensamento humano, trazendo reflexões sobre o nosso passado, presente e futuro (Yuval Noah Harari, historiador e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, é autor de obras célebres como Homo Deus e 21 Lições para o Século 21, conhecidas pela sua abordagem acessível e provocadora de temas fundamentais para a humanidade.).
(*) Doutorando pela FMUC