José Castanheira, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1975) e advogado desde 1979, tem um percurso marcado pelo rigor jurídico e uma notável dedicação às áreas cultural, desportiva e social. Foi dirigente da Secção de Ténis de Mesa da ACM de Coimbra desde 1985, assumindo também funções nos órgãos da Associação e da Federação Portuguesa de Ténis de Mesa. Na cultura, destaca-se como guitarrista e membro da Advocal e Fadvocal (Coro Misto de Juristas e Grupo de Fado de Coimbra), sendo presidente da Direcção da Advocal desde 2003. Desde 2006, integra o Coro Alma de Coimbra, que dirigiu a partir de 2011.
No âmbito social, liderou a Fundação Memória da Beira Serra a partir de 2011 e, em 2013, assumiu a presidência do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Judo. José Castanheira é uma figura que combina excelência profissional com uma activa e apaixonada participação na vida comunitária.
Campeão das Províncias [CP]: É natural de Arganil. Quando veio para Coimbra?
José Castanheira [JC]: Nasci em Arganil há 73 anos. Vivi lá até aos 14 anos, mais ano, menos ano. Depois, as circunstâncias mudaram e o meu pai começou a perceber que eu andava a sair da linha. Esse desleixo levou a algumas notas negativas e o meu pai decidiu inscrever-me como interno no Colégio dos Carvalhos, onde fiquei durante três anos. Não tenho grandes queixas dessa experiência. Na altura, eram tempos diferentes, mas a juventude não mudou tanto assim. Apesar de hoje terem ferramentas e conhecimentos distintos, não considero que sejam piores do que nós fomos. Talvez saibam coisas diferentes, mas isso é reflexo das mudanças no conteúdo do saber ao longo do tempo.
Em 1970, vim para Coimbra estudar Direito, concluindo o curso em 1975, num período ainda marcado pelo luto académico após a crise de 1969. Não vivi as praxes tradicionais e segui o meu percurso universitário nesse contexto.
Exerci advocacia durante toda a minha vida profissional até me reformar, aos 62 anos, há cerca de 12 anos. Reformei-me quando senti que era o momento certo, uma decisão de que não me arrependo.
[CP]: Nessa altura apanhou professores de grande gabarito. Há algum que recorde em especial?
[JC]: Sem dúvida, o Professor Castanheira Neves. Foi uma das cadeiras que mais dificuldades me criou. Vi-me em apuros com ele, especialmente porque a disciplina era “Introdução ao Direito”, mas, na prática, tratava-se de Filosofia do Direito. Na minha opinião, essa cadeira deveria ser leccionada no último ano do curso, e não no primeiro. Era uma matéria exigente, quase desmotivadora para quem estava a começar. Ainda assim, superei esse obstáculo e segui em frente.
O curso decorreu de forma pacífica, sem grandes sobressaltos. Durante esse período, comecei a namorar a Arménia Coimbra, a minha mulher, que teve um papel importante na minha vida. Ela incentivava-me a estudar, e, por isso, equilibrávamos bem o tempo entre o namoro e os estudos. Fiz boas escolhas e essas decisões acabaram por ser determinantes para o meu percurso. Essa é, sem dúvida, uma das grandes fortunas da minha vida.
[CP]: Porque optou por Direito?
[JC]: Naquela época, havia a necessidade de optar de acordo com as tendências naturais de cada um. No meu caso, era mais inclinado para as letras e o meu pai decidiu que deveria seguir Direito. Ainda cheguei a ponderar Medicina, porque também tinha interesse nessa área, mas a Matemática era um obstáculo. O meu pai, ao perceber isso, afastou de imediato a ideia de Medicina. Assim, acabei por ingressar em Direito e não me arrependi.
Fiz uma vida dedicada ao trabalho, trabalhei muito e com prazer. Gostei imenso do que fiz ao longo da minha carreira. No entanto, confesso que sempre valorizei os fins-de-semana, especialmente quando podia desfrutar do tempo em família, levando os filhos pequenos para o ténis de mesa. Ainda assim, também sentia grande satisfação em trabalhar, particularmente em preparar e conduzir julgamentos.
[CP]: Como é que o ténis de mesa surgiu na sua vida?
[JC]: Em Arganil jogava ténis de mesa com amigos no Quartel dos Bombeiros. Mais tarde, no Colégio dos Carvalhos, onde estive três anos, destacava-me como o melhor jogador. Quando vim para Coimbra, procurei um local para continuar a jogar e encontrei a ACM. Fiz amigos, comecei a treinar e, com um colega, o Jorge Sequeiros, tornámo-nos campeões regionais de pares masculinos.
Mais tarde, levei os meus filhos, então com cerca de 8 a 10 anos, para treinar. Rapidamente mostraram talento e tornaram-se campeões nacionais de iniciados e detentores do estatuto de atletas de alta competição. Durante 20 anos liderei uma equipa de 12 a 14 jovens, viajando por todo o país, e os resultados vieram. Até comprei uma carrinha para os transportar. Hoje, o Sérgio joga padel e o Gonçalo continua no ténis de mesa.
[CP]: Mais tarde foi a música que o conquistou. Como é que isso aconteceu?
[JC]: Nunca tive grandes amigos na música até que surgiu a oportunidade de participar num coro de advogados em Coimbra. Foi uma ideia de José Augusto Ferreira da Silva, que presidiu ao Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados. Foi criado um coro misto e enviaram uma mensagem a todos os advogados da região a convidar para integrarem o projecto. Decidi aderir imediatamente, pois sempre soube que tinha jeito para cantar, especialmente como baixo.
Com o maestro Augusto Mesquita, de quem ainda sou amigo, participo neste coro ao longo de 22 anos. Mais tarde, formámos o grupo de fados “Fadvocal”, e logo depois integrei o coro “Alma de Coimbra”. Desde então, mantive-me envolvido nestes projectos musicais, conciliando com a minha vida profissional.
Aprendi muito com o maestro Augusto Mesquita, que contribuiu significativamente para a música coral em Coimbra, dirigindo muitos coros ao longo dos anos. Foi através dele que conheci o José Santos Paulo, professor de guitarra portuguesa no Conservatório de Música de Coimbra, que me introduziu na guitarra de Coimbra.
Embora não saiba ler partituras, aprendi a tocar guitarra com tablaturas, praticando regularmente. Isso permitiu-me avançar, tornando-me o 2º guitarra do meu Grupo de Fados, e até mais recentemente, em 2020, gravei o meu primeiro CD de guitarradas de Coimbra, acompanhado pelo Zé Paulo na 2ª guitarra e pelo José Carlos Teixeira na guitarra clássica, e agora em Dezembro passado concluí o meu 2º CD de Músicas do Mundo, incluindo temas internacionais, alguns dos quais nunca traduzidos para guitarra de Coimbra. Este trabalho tem sido uma forma gratificante de ocupar os meus tempos livres e de continuar a aprender e a crescer na música.
[CP]: Quando se começou a dedicar à música, já tinha como objectivo gravar discos?
[JC]: Nunca imaginei, quando comecei a tocar guitarra, que algum dia gravaria um CD. A minha intenção era apenas divertir-me e integrar-me no grupo de fados que ajudei a criar, o Fadvocal. No entanto, tudo mudou quando me tornei amigo do Zé Paulo, professor do Conservatório de Música e meu mestre na guitarra. A nossa amizade cresceu e começámos a almoçar juntos depois das aulas, acompanhados pelo Vítor Nunes, uma grande voz do fado de Coimbra, e pelo João Dourado, filho de Zé Paulo e responsável por um estúdio de gravação.
Foi com esses amigos que comecei a gravar. Em 2020, lancei o meu primeiro CD, intitulado Guitarradas para memória futura. No CD Músicas do Mundo, agora editado, optei por temas internacionais, de Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Brasil, Espanha, Panamá, Venezuela, alguns dos quais nunca foram interpretados/gravados na guitarra portuguesa. A minha modesta habilidade, que não é de excelência, é amplificada pelos valiosos contributos dos meus talentosos amigos, como o Zé Paulo na guitarra clássica, o João Dourado na gravação, mistura e masterização no seu Estúdio Golden Jack, e outros músicos profissionais como João Ventura, no violino, e Daniel Tapadinhas, no trompete, possibilitando um resultado final que na minha opinião (e dos muitos amigos que já o ouviram) muito satisfatório.
Este trabalho de estúdio tornou-se a minha verdadeira paixão. Embora aprecie os concertos, confesso que gosto mais deste processo minucioso de gravação. Cada tema é resultado de muito esforço e dedicação, incluindo várias tentativas até alcançar a perfeição. A música é, para mim, um prazer imenso, especialmente quando partilhada com pessoas tão talentosas e dedicadas.
Entrevista: Lino Vinhal/Joana Alvim
Publicada ne edição em papel do Campeão das Províncias de 9 de Janeiro de 2025