O Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) vai sofrer ajustes, tendo “ficado aquém da sua função”. A garantia foi dada pela ministra da Justiça, a 9 de Dezembro, à margem de uma conferência, em Pombal, no âmbito das celebrações do Dia Internacional contra a Corrupção.
A agência nacional, criada há três anos (Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de Dezembro) para combater a corrupção recorreu sempre a ajustes directos e outros procedimentos não concorrenciais para adquirir bens e serviços, não tendo lançado um único concurso público até hoje, como noticiou recentemente o jornal Público. Além disso, em ano e meio de funcionamento, a MENAC nunca aplicou nenhuma multa às entidades e empresas que é suposto fiscalizar. O presidente da agência, Pires da Graça, justifica a inacção com a dificuldade em recrutar pessoal.
Por tudo isto, realçou Rita Júdice, de acordo com as opiniões recolhidas e da própria análise realizada pelo Governo da Aliança Democrática, a tutela quer agora “alterar a governança, para que deixe de estar centrada apenas num presidente e passe a ser composto por um conselho executivo e um conselho de administração” e assim “dar melhor resposta aos problemas e à função do próprio MENAC”.
A ministra apontou como uma das medidas “encurtar os prazos da duração dos mandatos”, assim como “dotar o mecanismo de um quadro próprio de pessoal, que é algo que tem vindo a ser reclamado”. Mas, afinal, por que razão este organismo fracassou? O “Campeão das Províncias” ouviu especialistas que têm batalhado na luta contra a corrupção em Portugal e foi perceber o que falhou com este organismo que, três anos depois, não produziu quaisquer resultados.
Extinção é o melhor caminho
Paulo de Morais, presidente da Associação Frente Cívica, combate, há anos, a corrupção e o compadrio em Portugal. Sobre a parca actividade do MENAC desde que foi criado, é claro: “o MENAC é um nado morto. Ao fim de mais de dois anos de mandato, o seu presidente queixa-se de que não consegue contratar pessoal ou constituir o seu gabinete. Se não conseguem sequer formar um gabinete, como irão conseguir combater a corrupção num País?”. Considera que o MENAC “não tem uma missão clara e adequada à prevenção e combate à corrupção em Portugal” e refere que “a sua inoperância faz parte da sua natureza”. Por tudo isto, não hesita em sugerir que “será melhor extingui-lo”.
Sobre os últimos anos do organismo, Paulo de Morais salienta que “este MENAC não serve para nada”. “Poder-se-á criar uma verdadeira agência anticorrupção com missão clara e objectivos bem definidos e quantificados. Mas, infelizmente, este Governo também parece não saber bem o que anda a fazer. Apresentou uma ‘agenda anticorrupção’, mas sem objectivos claros ou datas concretas. E uma agenda sem datas é um mero bloco de notas inconsequente. É estranho, até. Porque a ministra Rita Júdice fez a sua vida profissional no escritório de seu pai, José Miguel, afamado por defender corruptos famosos, como João Rendeiro ou Pereira Cristóvão”, atira.
Para o também professor universitário, no combate à corrupção “está tudo por fazer” e frisa que “tem de se criar mecanismos de transparência que tornem a vida pública e as despesas do Estado efectivamente escrutináveis por todos, independentemente do seu acesso à informação e nível de literacia”.
“Há hoje sistemas de informação que, com o apoio de inteligência artificial, poderão gerar documentação de acesso universal e fácil consulta pelo povo em geral. É ainda necessário que a Justiça actue e recupere os activos que nos são retirados pela via da corrupção. Urge ainda simplificar a legislação de maior impacto na vida económica, nomeadamente ao nível da contratação pública, ambiente ou ordenamento do território e urbanismo. E, sobretudo, tem de haver vontade política para combater a corrupção na cúpula do Governo. E coragem para enfrentar os grandes interesses que capturaram o regime”, critica.
Sobre o que tem sido feito neste combate, o presidente da Frente Cívica afirma que “as acções que o Estado desenvolve para combater a corrupção são inconsequentes e até patéticas” e avisa que “urge reformular todo o paradigma”. “Portugal foi dos países que, neste século, mais depreciou a sua situação em termos dos referenciais de transparência internacionais. Em 2000, ocupávamos o 23.º lugar, a par da Irlanda. Hoje, descemos para o 34.º, enquanto a Irlanda é 11.º. As consequências estão à vista e afectam sobretudo os mais carenciados. Há que impor metas, fazer Portugal recuperar, pelo menos, em média, um lugar por ano. Até lá, pagaremos a corrupção com o dinheiro dos nossos impostos, viveremos numa Nação entristecida, teremos um País adiado”, lamenta.
“Um problema endémico”
Eurico Reis, juiz desembargador jubilado, começa por dizer que a solução do MENAC “significa apenas mais do mesmo relativamente à primeira de todas as estruturas ditas ‘de combate à corrupção’”. “Estou a referir-me à Alta Autoridade Contra a Corrupção, organismo criado em 1983, com a indicação de que trataria, e cito, de ‘uma entidade excepcional, transitória e independente, com a finalidade de prevenir, averiguar e denunciar à entidade competente para acção penal ou disciplinar, actos de corrupção e de fraudes cometidas no exercício de funções administrativas’. Foi um fiasco”, garante. Contudo, apesar disso, no essencial, “o modelo continua a ser o mesmo. Há um nome para aqueles que continuam sistematicamente a fazer a mesma coisa esperando que irão alcançar resultados diferentes. E eu sei que nome é esse”, deixa no ar. Eurico Reis não tem dúvidas, “para além dos erros de concepção estratégica, existiram mesmo falhas muito significativas, ou no mínimo muitas insuficiências no que respeita à capacidade operacional do organismo”.
Alterar a governança do MENAC, passando a deixar de estar centralizado no presidente para ser composto por um conselho executivo, muda o quê? À pergunta, Eurico Reis responde com assertividade: “no essencial, nada muda. A não ser a identidade daqueles que irão ser responsabilizados e apontados como culpados por tudo ficar na mesma no que respeita à eliminação desse flagelo social e económico que a corrupção constitui. No seu entender, o problema da corrupção “não será combatido, muito menos erradicado (se é que alguma vez o será) com este modelo que tem vindo a ser seguido, sempre com algumas alterações não essenciais, desde a criação da Alta Autoridade contra a Corrupção”.
E sobre o que tem falhado no combate à corrupção em Portugal, o juiz desembargador jubilado considera: “a corrupção é um problema endémico e profundamente enraizado na sociedade, que não ocorre apenas no nosso País e que, ao contrário do que é muitas vezes enunciado, nem sequer é exclusivo dos povos latinos e mediterrânicos”. Salienta que nesses países, incluindo Portugal, “para além de o Estado ser altamente burocratizado e opaco, isto é, existindo uma quase nula transparência no seu funcionamento e nas suas actuações e procedimentos, o que se verifica é que a competência e a isenção não são os critérios essenciais na escolha daqueles que ocupam os cargos nos vários organismos públicos – e isso acontece a todos os níveis”. E acrescenta que quanto maior for o número de actos que têm de ser realizados dentro dessa estrutura para alcançar uma qualquer finalidade objectiva, mais hipóteses existem para a ocorrência de actos de corrupção activa e passiva. “A simplificação de procedimentos é, efectivamente, uma forma eficaz de combater a corrupção. E para tornar tudo ainda mais difícil, a tudo isto acresce que a estrutura social da comunidade é profundamente desleal e injusta, ou seja, não existe, de um modo genérico, uma justiça social, sendo o mérito tremendamente desvalorizado e até vítima de perseguição. Se vale tudo, por que razão hei-de eu ser honesto?”, questiona, em jeito de ironia. Por fim, Eurico Reis refere que “a corrupção não é hoje maior do que foi no passado. Ao contrário do que muito por aí se diz, o Estado Novo era corrupto até à medula. Até a nível moral”.
Municípios firmam protocolo com o MENAC
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) assinou, a 17 de Dezembro, em Coimbra, um protocolo de cooperação com o MENAC, que visa apoiar as Câmaras Municipais na adopção de medidas destinadas a fomentar a transparência, a integridade e a prevenção da corrupção.
Luísa Salgueiro explicou, a propósito deste acordo, que o protocolo “tem por objectivo garantir formação e esclarecimentos aos Municípios na adopção de todos os mecanismos e ferramentas de controlo do seu funcionamento, das regras anticorrupção e da adopção de procedimentos transparentes”.
A responsável disse que as autarquias são as principais interessadas para “afastar qualquer espécie de sombra ou suspeição que paira sobre o funcionamento dos Municípios”. O protocolo prevê a realização de formações, workshops de sensibilização e outras actividades.
Texto: Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 24 de Dezembro de 2024