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Estudo revela estrangulamento financeiro do SNS

15 de Dezembro 2024 Jornal Campeão: Estudo revela estrangulamento financeiro do SNS

“Orçamentos fictícios, remunerações indignas pagas a médicos que os empurram para os privados ou para o estrangeiro, investimentos prometidos, mas não realizados e degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. Estas são algumas das conclusões do mais recente estudo do economista Eugénio Rosa, a que o “Campeão das Províncias” teve acesso.

Este estudo tem com base a análise dos orçamentos de 2023, 2024 e 2025 do SNS e que respeitam aos Governos de António Costa e de Luís Montenegro. Contudo, o autor refere que “as conclusões que se retiram são também válidas, ‘mutatis mutandis’, para todos os orçamentos anteriores do SNS”.

Para se compreender a forma como “a destruição gradual do SNS está a ser feita”, salienta o economista, foram analisados os orçamentos iniciais e as execuções dos anos de 2023 e 2024 dos Executivos de Costa e o orçamento inicial do SNS para 2025, já do Governo de Montenegro, aprovado recentemente, assim como a execução de 2024 da responsabilidade, em parte, do Governo da Aliança Democrática (AD), e que começa em Março deste ano.

“Orçamentos fictícios que não são cumpridos”

Eugénio Rosa afirma que a simples comparação dos últimos orçamentos iniciais do SNS, aprovados pelos sucessivos Governos, “com o que depois é executado mostra, com clareza, que os documentos aprovados são fictícios pois não atendem as necessidades que o SNS tem para poder funcionar com um mínimo de qualidade” (Quadro 1).

“A primeira conclusão que se tira do Quadro 1 é que, em relação a 2023 e a 2024, as despesas realizadas (execução) foram superiores às previstas nos orçamentos aprovados no início do ano pelo Governo”, realça Eugénio Rosa. Em 2023, as despesas realizadas foram superiores às previstas no início, mais 118 milhões de euros e, em 2024, em mais 654 milhões de euros.

As diferenças maiores verificaram-se nas ‘Despesas com Pessoal’. Em 2023, estas (5701 milhões) foram superiores às previstas no início do ano (5451 milhões de euros) em mais 250 milhões. “Em 2024, em mais de 498 milhões. “No Quadro 1 todos os valores revelam que o que se gastou foi superior ao que se previa gastar no início ano. Estes orçamentos desresponsabilizam os gestores porque sabem que não são para serem cumpridos”, critica o economista. E vai mais longe, apontando que o orçamento de 2023 “tinha à partida um saldo negativo de -497 milhões e terminou com -614 milhões de euros. No de 2024 o saldo inicial é zero, mas deve terminar com negativo -665 milhões. O de 2025 o saldo inicial é negativo de -217 milhões. Isto é para levar a sério?”, questiona.

Segundo o Conselho de Finanças Públicas (CFP), o SNS tem apresentado todos os anos saldos negativos elevados, sustenta Eugénio Rosa (Quadro 2). Segundo o CFP, de 2014 a 2023, o SNS registou em todos os anos saldos negativos que somam 5666 milhões de euros. “Segundo Luís Montenegro, em 2024, o saldo negativo do SNS será de -645 milhões e, em 2025, começa o ano com a previsão de um saldo negativo de -217 milhões, que terminará com um saldo 2 ou 3 vezes superior”, adianta Eugénio Rosa, para quem não há dúvidas de que o actual primeiro-ministro “segue as pisadas” do seu antecessor, António Costa, “com orçamentos do SNS sempre inferiores às necessidades”. “O SNS só consegue funcionar, com grandes dificuldades, à custa de enorme endividamento aos fornecedores, pagando tudo mais caro (Quadro 3 com dados do Portal de transparência do SNS).

 Falta de profissionais e ineficiências

De acordo com o estudo, o SNS está a sofrer uma forte pressão devido ao envelhecimento da população e ao aumento exponencial dos imigrantes (entre 2011 e 2023, aumentaram de 388 mil para 1,044 milhão). Segundo Eugénio Rosa, é importante lembrar que “estas pessoas têm também direito ao SNS” ainda que “ninguém fale do assunto, apenas só se fala dos ‘lucros’ que os imigrantes dão à Segurança Social, como se esta não tivesse de pagar depois pensões”. Tudo isto, vinca, “exige mais profissionais e reforço do orçamento do SNS”. “Apesar de terem esse direito, essa realidade é esquecida nos orçamentos do SNS (cada utente custa, em média, 1600 euros/ano, e isto já para não falar do ‘turismo de saúde’, suportado pelo SNS, em que o caso das gémeas brasileiras é a apenas a ponta do iceberg, pois há centenas para não dizer milhares de mulheres da Ásia, África e Brasil que chegam a Portugal nas últimas semanas de gravidez para fazer o parto, porque é seguro e gratuito e recebem subsídio”, nota, situação que tem sido abordada por vários órgãos de comunicação social nas últimas semanas. Neste último exemplo, realça Eugénio Rosa, os serviços Ginecologia-Obstetrícia dos hospitais “não estão preparados para responder a este afluxo, a juntar a 329.837 não residentes que o SNS teve de tratar só de 2021 a Setembro de 2024, segundo a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). E para agravar a situação, acrescenta, “os sucessivos Governos não fazem nada para controlar a situação, nem reforçam o SNS com mais médicos e enfermeiros, nem o dotam de um orçamento suficiente”. Na sua opinião, procuram antes “reduzir custos, diminuindo o poder de compra dos profissionais de saúde”, como mostra o Gráfico 1 em relação aos médicos.

Diminuição do poder de compra

Continuando a analisar os dados, em 2025, refere o economista, o actual Governo “aprovou um aumento de apenas 2,15% com um mínimo de 56,68 euros para a Função Pública (para os privados promoveu uma subida 4,7% no acordo assinado na Concertação Social)”. Adicionando esse aumento de 2,15% à remuneração base média mensal ilíquida dos médicos que, em 2024, segundo a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), era 3376 euros e, depois, deduzindo a inflação verificada entre 2011 e 2025 (INE), obtém-se 2585 euros, que é a remuneração base dos médicos de 2025 a preços de 2011. “Comparando este valor com o de 2011, antes dos cortes de José Sócrates – 2772 euros -, conclui-se que “o poder de compra de 2025 é inferior ao de 2011 em -6,7%”. Para Eugénio Rosa, estes números não deixam margem para dúvida: “assim não se consegue nem atrair nem manter bons profissionais no SNS. O que os sucessivos Governos têm feito é obrigar os médicos a trabalharem mais horas para além do horário normal de trabalho, para compensarem as baixíssimas remunerações com a realização de muitas horas extraordinárias (entre 2011 e 2024, a diferença entre o ganho médio mensal dos médicos, que inclui as horas extraordinárias, e a remuneração base média, que não inclui, aumentou de 871 para 1436 euros, e desta forma aumenta-se o horário de trabalho), ou então trabalhar também nos grandes grupos privados, promovendo o negócio privado da saúde à custa da vida familiar, e muitos com um cansaço excessivo, o que aumenta o risco para os doentes”.

Investimento insuficiente agrava condições de trabalho

“Remunerações indignas” aos profissionais de saúde e falta de investimentos no SNS “criam uma situação grave que afecta profundamente, pela negativa, as condições de trabalho dos profissionais de saúde e a qualidade dos serviços prestados à população”, alerta Eugénio Rosa. Por esta razão, cita o próprio Conselho de Finanças Públicas, no seu relatório de Junho deste ano, sobre a ‘Evolução do desempenho do SNS em 2023’, que dá conta de que as despesas com investimento “representaram apenas 2,6% da despesa total do SNS em 2023, um valor que reflecte a baixa prioridade dada ao investimento no SNS nos últimos anos (em média, o investimento representou apenas 1,7% da despesa total do SNS no período 2014-2023)”.

O economista considera que “o que tem acontecido é que os sucessivos Governos inscrevem nos orçamentos do SNS elevados montantes para investimento que depois não realizam”. No documento de 2024, para investimentos estão inscritos 774,2 milhões, mas até Setembro deste ano só tinham sido pagos 197 milhões (25,4%). Em 2022 foi utilizado 56,4% (287 milhões) do orçamentado e, em 2023, só 45,4% (342 milhões). No orçamento do SNS de 2025, o Governo de Luís Montenegro “reduziu drasticamente a previsão de investimento para 332 milhões e, mesmo este, é duvidoso”, conclui Eugénio Rosa.

Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)

Texto publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 12 de Dezembro de 2024