Coimbra  18 de Janeiro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Adelino Gonçalves

A Alta Velocidade da confusão

13 de Dezembro 2024

Nos últimos dias, a Câmara Municipal de Coimbra anunciou com entusiasmo o evento “O comboio de Alta Velocidade chega a Coimbra”, que é uma exposição dedicada à futura estação intermodal da cidade e foi inaugurada no dia 11 [ontem].

Na divulgação oficial feita no site da Câmara e nas suas redes sociais, é dito, por um lado, que a exposição incluirá “.os projectos, as plantas e a maquete da futura estação intermodal” (sic) e, por outro, que “… o projecto da futura estação intermodal de Coimbra é da autoria do arquitecto catalão Joan Busquets” (sic).

O tom dado é entusiasmante: trata-se de um investimento de grande impacto urbano e territorial, que promete transformar Coimbra e a região Centro em novas centralidades. Mas será que este entusiasmo resiste a uma análise mais atenta? Infelizmente, as incongruências tornam-se evidentes. A confusão na comunicação, além de levantar suspeitas sobre eventuais interesses eleitorais, expõe o processo ao risco de percepções de conflito de interesses, e estas dinâmicas interligadas podem transformar um projecto de impacto nacional num palco para agendas pessoais ou políticas, minando a confiança pública e o rigor que devia revestir todo este processo.

Para compreender o problema, é preciso ter em conta que o concurso público para o 2.º troço da linha de alta velocidade Porto-Lisboa, entre Oiã e Soure – que inclui o projecto da estação intermodal – foi lançado a 26 de Julho deste ano, e que as propostas podem ser entregues até ao dia 6 de Janeiro de 2025.

Isto significa, desde logo, que o autor do projecto da futura estação intermodal de Coimbra ainda não é conhecido – não é Joan Busquets – porque o projecto vencedor simplesmente ainda não foi seleccionado.

 

Caderno de encargos

 

O que se sabe é que o arquitecto Joan Busquets foi contratado pela Infraestruturas de Portugal para preparar um caderno de encargos relativo à estação intermoda que integra o concurso para o 2.º troço da linha de alta velocidade. Contudo, este caderno de encargos vai além de uma simples descrição programática; ele inclui desenhos e maquetes que ilustram e definem directrizes formais e funcionais que os concorrentes devem respeitar nos seus projectos.

É legítimo que estas peças sejam divulgadas para ilustrar as características que a futura estação poderá vir a ter. Porém, o problema reside na forma como esta comunicação está a ser conduzida. Ao dizer que Joan Busquets é o autor do projecto da futura estação intermodal, sem qualquer clarificação adicional, o Executivo cria a percepção de que o projecto já está definido, o que é manifestamente falso e contradiz os princípios que regem os concursos públicos.

Mas a confusão criada por esta comunicação não é apenas infeliz; é perigosa. A proximidade das eleições autárquicas de 2025 torna inevitável a suspeita de que a exposição possa estar a ser usada como uma ferramenta de propaganda eleitoral. Neste contexto, o apoio explícito da Infraestruturas de Portugal (I.P.) apenas reforça estas dúvidas, trazendo para o debate a necessidade de uma comunicação institucional mais isenta.

Palco político

De facto, a visibilidade da futura estação intermodal e a promessa de transformação urbana da área em que será construída podem servir como um palco político conveniente para quem deseja projectar uma imagem de acção e progresso, tendo as urnas no horizonte não muito distante. Mas, uma vez que o projecto da estação ainda não está definido, o que garantirá que os interesses políticos não se sobreponham ao rigor técnico e à transparência do processo?

Se Joan Busquets, ou alguém que lhe seja próximo participarem no concurso, a percepção de conflito de interesses será inevitável. Mesmo que a participação seja legítima, o resultado poderá ser facilmente contestado, minando a confiança no processo e na decisão final.

A transparência e o rigor técnico são cruciais para garantir que este projecto de impacto nacional não se transforme num palco para interesses pessoais ou políticos. O desafio é claro: respeitar a inteligência e a confiança dos cidadãos, assegurando que as instituições públicas ajam com a seriedade que lhes é exigida. Em última análise, os cidadãos merecem mais do que promessas vagas ou iniciativas que confundam, em vez de esclarecer. É essencial que projectos desta escala sejam conduzidos com total rigor, transparência e respeito pelo interesse público, garantindo que cada decisão reflecte o compromisso com a qualidade e a confiança nas instituições.

(*) Arquitecto e Professor Associado da Universidade de Coimbra