José Reis é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), onde se formou e doutorou em Economia, dedicando a sua carreira a temas centrais como o desenvolvimento económico, a organização dos territórios e as instituições que moldam a economia. Investigador reconhecido em Portugal e internacionalmente, desenvolveu estudos inovadores sobre as dinâmicas produtivas, o trabalho e as formas de governação, sempre com um olhar atento à realidade portuguesa e europeia.
Campeão das Províncias [CP]: Foi recentemente jubilado. Como sentiu esse momento?
José Reis [JR]: A Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra é, para mim, muito mais do que um local de trabalho: é um dos grandes sítios da minha vida. Tive uma enorme alegria ao dar a minha última aula, no dia 15 de Novembro, perante um auditório cheio de colegas, amigos e alunos. Foi um momento profundamente emocionante, pelo qual estou imensamente grato.
A minha ligação à Faculdade começou no primeiro dia de aulas, em Outubro de 1973, quando ainda era estudante. Desde então, senti que fazia parte de algo maior. A minha geração teve o privilégio de ajudar a construir esta casa, ao lado de professores e colegas excepcionais. Foi um período marcante, não só pelo contexto histórico – com o 25 de Abril a mudar o país poucos meses depois –, mas também pela forma como a Faculdade foi criada, num espírito de participação e desafio. Reunimos pessoas de origens muito diversas: professores jovens, vindos de outras Faculdades do país, de Lisboa, do Porto, e do estrangeiro. Foi um verdadeiro ponto de encontro, um “melting pot” que, apesar das dificuldades, resultou numa instituição vibrante e capaz de afirmar a economia como uma ciência essencial para compreender e transformar a sociedade.
[CP]: Porque se demorou tanto a abrir uma Faculdade de Economia em Coimbra?
[JR]: Coimbra já tinha um património sólido em finanças públicas, com nomes reconhecidos, e foi nesse contexto que a Faculdade de Economia surgiu, num país onde a economia como ciência ainda dava os primeiros passos. Até aos anos 40, os cursos de economia eram uma mistura de várias disciplinas, como direito, história e matemática, reflectindo uma formação ainda pouco consolidada. Foi com a chegada do pensamento keynesiano, sobretudo em Lisboa, que a economia começou a afirmar-se enquanto área autónoma, mas o número de especialistas e a relevância da disciplina eram ainda limitados.
Quando chegou o 25 de Abril, a necessidade de uma comunidade alargada de economistas tornou-se evidente. A criação da Faculdade de Economia em Coimbra, em 1973, inseriu-se nesse movimento de renovação, respondendo a uma crescente procura por formação específica na área. Foi um projecto que atraiu estudantes de todo o país, formando turmas de carácter verdadeiramente nacional. Recordo que, no meu ano, havia colegas do Minho ao Algarve, passando pelas Beiras e Trás-os-Montes. Este pluralismo geográfico marcou a Faculdade desde o início.
A decisão de estudar em Coimbra foi inesperada para muitos, como no meu caso. Estava preparado para ir para o Porto, mas a criação do curso em Coimbra mudou os meus planos. A Faculdade tornou-se rapidamente num ponto de encontro de jovens com aspirações e um espaço de aprendizagem que reflectia as mudanças e desafios do país.
O contexto da sua fundação foi essencial para o seu sucesso: professores com várias proveniências, uma nova abordagem ao ensino da economia e uma comunidade de estudantes diversificada. Coimbra transformou-se numa referência na área económica, respondendo às necessidades de uma sociedade em mudança.
[CP]: Ainda faz sentido Portugal ser um país pobre?
[JR]: A questão sobre a existência de países pobres remete a um contexto de desigualdade e dependência que, infelizmente, tem raízes históricas profundas e estruturas persistentes. Não é uma inevitabilidade, mas o resultado de relações desequilibradas que precisam de ser contrariadas.
Portugal, por exemplo, viveu sempre uma relação económica de dependência marcada por três pilares: as migrações, o comércio externo e os fluxos financeiros. Historicamente, o país exportou mão-de-obra, tanto para o Brasil no início do século XX como, mais recentemente, para a Europa, especialmente nos anos 60 e na crise pós-2011. Estas saídas não são um sinal de cosmopolitismo, mas de desigualdade e falta de oportunidades internas.
No comércio, o défice estrutural nas trocas de bens reflecte uma economia que consome mais do que produz, enquanto no campo financeiro, a entrada de fundos externos nunca se traduziu numa redução efectiva da dependência. Assim, falar de pobreza ou periferia é descrever um padrão de relações desiguais entre países que não é geográfico, mas estrutural. Alterá-lo exige mudanças profundas e estratégicas no modo como um país se posiciona no mundo.
[CP]: Isto deve-se a quê? Às pessoas?
[JR]: Portugal tem cerca de 5 milhões de trabalhadores, um número que representa o nosso limite histórico. Destes, 75% estão em sectores cuja produtividade é inferior à média nacional, que, por sua vez, já é baixa face à europeia. Este panorama reflecte um problema estrutural na forma como criamos riqueza.
A produtividade não é apenas um esforço individual; depende, acima de tudo, da organização: empresários, trabalhadores e a interacção entre ambos. Se 3/4 da força de trabalho operam abaixo da média, esta própria média tende a baixar, deixando apenas 1/4 dos trabalhadores a puxar o indicador para cima.
Além disso, o desafio de produtividade liga-se directamente a outra dimensão essencial da economia: a relação com o capital. O funcionamento e o investimento do capital desempenham um papel determinante na criação de condições que permitam melhorar a organização e, consequentemente, a produtividade.
[CP]: Portugal tem solução?
[JR]: Portugal é pobre por circunstâncias históricas que mudaram ao longo do tempo, mas isso não precisa ser inevitável. Para superar essa pobreza, há três questões centrais. A primeira é a criação de um sistema de emprego robusto, algo que o 25 de Abril promoveu ao gerar trabalho e fixar pessoas no país, em vez de fomentar a emigração. Um sistema de emprego eficaz precisa de escolhas claras sobre as actividades produtivas e relações de trabalho estruturadas.
A segunda questão é a reindustrialização. Nos últimos 30 anos, a indústria pesada diminuiu consideravelmente na economia portuguesa, prejudicando a capacidade de produzir bens. Para equilibrar a economia, é crucial que Portugal volte a produzir mais bens e não dependa tanto de importações.
Por fim, é fundamental investir no território e nas cidades, criando condições de vida e emprego, além de garantir o acesso a serviços e bens essenciais. A falta de inclusão e a exclusão de muitas pessoas comprometem a democracia, sendo o trabalho o principal mecanismo de inclusão social.
[CP]: Mas então o que nos falta?
[JR]: Portugal enfrenta dois desafios principais: a falta de deliberação e a submissão em relação à Europa. Internamente, a governação apresenta défices ao não criar condições sólidas para fortalecer a democracia e a economia. Externamente, Portugal muitas vezes actua como um seguidor submisso das políticas europeias, sem voz activa. Apesar de termos representantes em posições de destaque na União Europeia, muitas vezes repetimos discursos já estabelecidos, tanto dentro quanto fora do país.
Desde o período pós-austeridade, a despesa pública tem diminuído, alinhando-se à visão dominante das “contas certas”. Embora a estabilidade orçamental seja importante, essa abordagem muitas vezes limita o papel do Estado como motor de desenvolvimento e gerador de riqueza. Portugal não precisa abandonar a Europa, mas sim estabelecer uma relação mais equilibrada e assertiva, capaz de promover políticas que fortaleçam a economia nacional sem comprometer a coesão social.
[CP]: Se o país tivesse optado pela regionalização estaria melhor?
[JR]: O crescimento de Lisboa é na sua própria periferia, um “inchaço” que reflecte a acumulação de recursos sem um planeamento estratégico nacional. Apesar de ser a região com maior produtividade e salários médios do país, Lisboa enfrenta uma tendência de declínio nesses indicadores, com o salário médio a aproximar-se do salário mínimo, enquanto noutras regiões se verifica o contrário. Este centralismo reflecte-se no uso excessivo de recursos públicos. Lisboa trata o governo nacional como a sua “Junta de Freguesia”.
A regionalização é essencial, sobretudo para reorganizar o Estado, e não apenas para responder a impulsos. A regionalização permitiria descentralizar competências e recursos, promovendo uma gestão pública mais próxima das necessidades de cada território. É, acima de tudo, uma questão de estratégia nacional e não de mera satisfação de identidades.
Lino Vinhal/Joana Alvim