Jorge Alves, presidente da Direcção da Associação Integrar, é um nome central no trabalho de inclusão social em Portugal. Com uma trajectória marcada pelo envolvimento como professor, ex-vereador e dirigente associativo, tem dedicado a sua vida a causas que promovem a reintegração de populações vulneráveis, como jovens em risco e ex-reclusos. A liderança de Jorge Alves reflecte um compromisso contínuo com os princípios que nortearam a criação da Associação Integrar em 1994: solidariedade, justiça e apoio comunitário.
Este ano, a Associação celebra 30 anos de história, consolidando-se como referência na promoção de inclusão social e apoio a grupos desfavorecidos. Oficialmente registada como IPSS em 1997, a instituição tem expandido as suas acções nas áreas de formação, cultura, desporto e apoio social, sempre fiel à sua missão.
Campeão das Províncias [CP]: A Associação Integrar celebra 30 anos. Como estão a assinalar este aniversário?
Jorge Alves [JA]: Há 30 anos que integramos e crescemos, e este ano celebramos o nosso 30.º aniversário com um enfoque distinto. Em vez de um programa festivo que, por vezes, se limita a celebrações pouco significativas, optámos por continuar a trabalhar. Em Maio, assinalámos a criação da instituição, e agora, em Novembro, na sessão comemorativa, aproveitámos para apresentar alguns dos projectos desenvolvidos ao longo deste percurso. Além disso, lançámos novas iniciativas, que estamos a implementar no terreno, apesar das dificuldades. São respostas diferenciadas, inovadoras e adaptadas às necessidades actuais.
[CP]: Como é que surgiu a Integrar?
[JA]: A associação é uma IPSS, registada na Segurança Social e no Ministério da Solidariedade, fundada há 30 anos por 16 pessoas ligadas à reinserção social. Estas fundadoras, muitas já falecidas, destacaram-se pela sensibilidade social, identificando áreas negligenciadas onde nenhuma outra instituição intervinha.
Desde o início, a associação evitou duplicar o trabalho de outras entidades, focando-se em responder a necessidades ignoradas. Um dos primeiros projectos abordou crianças que mendigavam na Baixa de Coimbra, muitas da comunidade cigana. Este problema exigia uma solução mais estruturada, levando à criação de um programa para oferecer alternativas a estas crianças.
Na altura, muitos viviam em condições extremamente precárias, em barracas no Laranjal, onde hoje está o Parque Verde. O projecto, ao longo de quatro anos, conseguiu integrar muitos destes jovens no sistema educativo, transformando vidas que antes estavam à margem da sociedade.
[CP]: Onde foi buscar a sensibilidade para estas causas?
[JA]: As histórias de vida e os percursos pessoais têm muito a ver com as nossas aprendizagens. Nascido na Covilhã, mudei-me cedo para Coimbra, onde estudei e cresci ciente das desigualdades, algo que me marcou ao conviver com colegas em situações mais difíceis. Estudei Serviço Social, fiz uma pós-graduação na área e comecei no antigo Instituto de Acção Social, sempre envolvido em associações e voluntariado desde os 16 anos.
Foquei-me na justiça juvenil, trabalhando com jovens delinquentes e compreendendo como a falta de apoio influencia os seus percursos. Há 30 anos, integrei um projecto social que, com o tempo, cresceu muito além do que imaginávamos. A nossa intervenção combina responsabilização e empenho, com regras claras para técnicos e utentes, assegurando que o processo é eficaz e orientado para mudanças reais.
[CP]: A Integrar é constituída por quem?
[JA]: A equipa da Integrar é composta por profissionais e voluntários dedicados. A maioria das pessoas que trabalham connosco tem uma forte vocação para o apoio social, sendo motivadas pela missão da Instituição. Através de um espírito de solidariedade, conseguimos reunir uma equipa que não só realiza tarefas operacionais, mas também estabelece laços com empresas e outras organizações para maximizar os recursos disponíveis. A nossa equipa é essencial na manutenção das operações diárias e na coordenação de várias campanhas de angariação de alimentos e apoio logístico. Fazem parte da Integrar cerca de 27 colaboradores, em diversas áreas, desde assistentes sociais a animadores e cerca de 50 voluntários, uns que colaboram de forma mais permanente e outros de forma mais pontual nos diversos projectos e valências.
[CP]: O que é que faz a Integrar e a quem se dirige?
[JA]: A Integrar tem como missão ajudar aqueles que mais necessitam, fornecendo refeições diárias a pessoas em situação de vulnerabilidade. Diariamente, entregamos cerca de 40 refeições, com aumento para 70 a 100 aos fins-de-semana, quando outras instituições estão fechadas. Trabalhamos todos os dias do ano, porque entendemos que a fome não descansa e por isso não tem fins-de-semana, nem feriados. Além disso, a nossa equipa organiza campanhas de recolha de alimentos e estabelece parcerias com empresas, como a Sabgal, que nos forneceu refeições ultracongeladas. A nossa actuação é marcada pela acção directa, pelo apoio constante da sociedade e pela responsabilidade social, atendendo tanto a pessoas sem-abrigo quanto a famílias em situação de carência. A nossa cozinha solidária funciona durante a tarde, aos dias de semana, e durante a manhã, aos fins-de-semana e feriados. Quem nos bate à porta nunca fica de mãos a abanar.
[CP]: O vosso trabalho depende muito da colaboração das pessoas. A sociedade tem respondido bem às vossas campanhas?
[JA]: As campanhas realizadas em superfícies comerciais têm corrido muito bem, ajudando a reabastecer a despensa. Estamos a planear uma nova campanha para o início de Dezembro, perto do dia 8, para preparar o apoio alimentar do Natal e Ano Novo, períodos de maior procura.
Em 2022, fornecemos cerca de 8.000 refeições; em 2023, 10.300; e, este ano, até Outubro, já chegámos a 9.500, prevendo ultrapassar o número do ano passado. Estes dados reflectem um aumento das necessidades, mas persistem preconceitos de que quem precisa de apoio é preguiçoso ou mal-intencionado. Para mudar essa visão, desafio os críticos a tornarem-se voluntários e conhecerem a realidade destas pessoas.
Entre os beneficiários estão, por exemplo, estudantes universitários que enfrentam dificuldades financeiras devido aos elevados custos de alojamento em Coimbra, muitos dos quais recorrem à nossa cozinha solidária para obter apoio.
[CP]: A Integrar não fornece apenas refeições. Que valências oferecem aos sem-abrigo?
[JA]: O projecto de alojamento para pessoas sem-abrigo, que retirava indivíduos da rua para quartos fiscalizados, terminou em Março devido a más decisões políticas, exigindo apenas T0 ou T1 como opção, falta de financiamento adequado e escassez de habitações em Coimbra. Apesar disso, várias instituições, incluindo a nossa, continuam a oferecer soluções, desde respostas imediatas até apoio estruturado para quem está em reintegração social e profissional.
Garantir recursos adequados é essencial, mas os custos não cobertos dificultam a sustentabilidade do trabalho. Ainda assim, permanecemos empenhados e vamos lançar em breve o projecto “Alojamento para Todos”, que continuará a apoiar centenas de pessoas em situações diversas, reafirmando o nosso compromisso com a mudança e a resiliência.
[CP]: O que é que vos move para fazer este trabalho?
[JA]: A consciência de que, enquanto cidadãos, conseguimos fazer a diferença na vida de outras pessoas. Este sentido de realização, de impacto, é algo que transcende qualquer recompensa material. É um despertar para a responsabilidade social, para o papel que todos podemos ter em construir uma sociedade mais justa e humana.
Além disso, esta experiência ensina-nos a olhar para a vida com outra perspectiva. Tal como mencionado, é algo que nos liga às pessoas que mais precisam – sejam elas desconhecidos ou alguém que já cruzou o nosso caminho em algum momento. Há uma troca de respeito e humanidade que, no final, nos transforma a nós próprios.
[CP]: Como pode a sociedade colaborar agora, nesta fase do Natal?
[JA]: Existem formas simples, mas muito impactantes, de ajudar. Desde a doação de alimentos, como bacalhau para a ceia, até ao voluntariado para apoiar iniciativas de distribuição de refeições solidárias, cada gesto faz a diferença. Por exemplo, na preparação de uma ceia de Natal para quem mais precisa, a entrega de ingredientes ou até mesmo a sua participação na confecção e distribuição das refeições seria um grande contributo. Se não pode estar presente fisicamente, pode oferecer alimentos ou mesmo inscrever-se para ajudar em dias específicos, como o Dia de Ano-Novo, quando as equipas de voluntários são mais limitadas.