Fundada em 2001, a Rede das Aldeias do Xisto integra 27 aldeias situadas no Centro de Portugal, num território de 5.000km2, dividido em quatro unidades territoriais: Serra da Lousã, Serra do Açor, Zêzere e Tejo-Ocreza. Um projecto sedimento no território e que integra diversas entidades públicas e privadas, entre as quais municípios, comunidades intermunicipais e mais de 200 parceiros públicos e privados. 23 anos depois de ter sido criada, fomos saber onde se posiciona hoje a Rede e para onde caminha. Em entrevista ao “Campeão das Províncias”, Bruno Ramos, coordenador da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto fala-nos de um projecto “transformador” e diferenciado.
Campeão das Províncias [CP]: Que balanço faz do impacto económico, social, cultural e turístico da Rede ao longo destes 23 anos?
Bruno Ramos [BR]: A Rede das Aldeias do Xisto foi e continua a ser um projecto transformador do vasto território que cobre. Transformador porque ajudou a criar actividade económica em aldeias, quer do ponto de vista da oferta turística quer da promoção de produtos endógenos ou da agricultura. Um projecto transformador porque desde a primeira hora investiu em várias áreas da cultura – com iniciativas e eventos diferenciados, com a constante promoção de residências artísticas. Exemplo disso é o projeto de ‘Craft+Design’, que envolve ateliers de craft, universidades, equipas de design e especialistas em áreas sociais, que são convidados a imergirem na realidade das aldeias e a inspirarem-se no contexto dos lugares para, a partir daí, criarem objectos significantes da memória e da identidade cultural, dos valores do território e do espírito português. Finalmente, um projecto transformador na oferta turística nacional, porque posicionamos as Aldeias do Xisto como um produto diferenciado para quem procura um destino com propósito e pratica um turismo responsável.
[CP]: Falamos de 27 aldeias. De que forma esta heterogeneidade contribuiu para o sucesso da Rede?
[BR]: Trata-se de um vasto território que tem uma unidade – a Região Centro de Portugal – mas que depois tem identidade própria dos lugares. Essa riqueza arquitectónica, natural, patrimonial é feita através, precisamente da heterogeneidade. Mais do que um projecto massificador, as Aldeias do Xisto sempre tiveram no centro da sua acção uma grande preocupação com a identidade de cada lugar, de cada aldeia. Essa identidade é também o principal activo para a nossa rede de parceiros que são a força motriz das Aldeia do Xisto – associações, poder local, restauração, hotelaria, animação turística, artesãos, pequenos produtores e as pessoas que vivem nessas aldeias são o nosso maior património.
[CP]: Como foi a criação da ligação das populações ao projecto? Que dificuldades houve e como classifica a envolvência das pessoas?
[BR]: O trabalho com a comunidade foi, desde a primeira hora, o tema central do trabalho da ADXTUR, porque nada se faz sem o contributo e a experiência das comunidades. Desde a fase de requalificação urbanística até aos projectos de animação ou eventos culturais, não há nada que seja feito sem ser em consonância com as comunidades. Penso que hoje as pessoas das aldeias identificam-se com o projecto e percebem os benefícios de a sua aldeia integrar esta vasta rede.
[CP]: Qual o impacto, a nível do turismo, nos últimos anos?
[BR]: Ao longo destes anos criámos diversas ferramentas de promoção e de utilidade para quem nos visita. Dou como exemplo o ‘Bookinxisto’, uma plataforma de reservas sem custos para os aderentes, que concentra toda a oferta turística do território das Aldeias do Xisto. Temos também o projecto ‘Cyclin’ Aldeias do Xisto’, que integra percursos marcados para a prática de várias modalidades de ciclismo. Temos posicionado o território como um destino de turismo activo. Todas essas ferramentas permitem-nos medir o crescimento do turismo na região nas suas diversas vertentes, como o número de dormidas e de reservas. Neste momento, trabalhamos com 40 empresas, num total de uma centena de alojamentos, que permitem alojar mais de mil pessoas. De salientar, que esta é a oferta disponível no ‘Bookinxisto’, que representa apenas parte da oferta existente no território. A procura acontece de forma mais ou menos estável ao longo do ano, sofrendo um pico nos meses de Verão, em que as casas com espaços exteriores, churrasqueiras e piscina são, naturalmente, as mais requisitadas.
[CP]: A Rede das Aldeias do Xisto tem contribuído de que forma para o potencial económico, social e territorial da Região Centro?
[BR]: Todos os projectos em rede, como as Aldeias do Xisto, têm permitido posicionar a Região Centro como um destino com uma oferta diferenciada e múltiplas “portas de entrada” e experiências neste território. Penso que as Aldeias do Xisto são um activo importante para o Turismo da Região Centro pelo que representam, mas sobretudo pelo que têm de original e genuíno. As Aldeias do Xisto afirmam-se como promotoras de um turismo sustentável, que crie valor económico, mas também social e que contribua de forma activa e decisiva para o desenvolvimento territorial. Procuramos desenvolver estratégias que beneficiem as comunidades e que, ao mesmo tempo, atraiam novos públicos, capazes de promover novos modos de pensar, viver e estar no nosso território.
Marca “tem contribuído” para fixar habitantes
[CP]: Dentro da Rede há vários activos. Como têm eles sido importantes no fortalecimento da marca?
[BR]: Se olharmos para as Aldeias do Xisto sob o prisma de um destino turístico, penso que temos uma variedade de valências que são um activo per si. Mas as Aldeias do Xisto são mais do que um mero destino turístico, elas acrescentam outras coisas que as tornam únicas. São lugares para visitar e desfrutar da sua serenidade e paz, mas também para viver e encontrar um novo sentido da vida, e para investir – no sonho e na vontade de fazer a diferença. Depois temos a beleza natural – das praias fluviais à floresta, dos trajetos de BTT ou de caminhadas, passando por uma gastronomia com forte cunho identitário. Temos também património arquitectónico, história, cultura e até temos um céu sem poluição luminosa onde se podem ver as estrelas e o cosmos. Foi por isso que criámos, em conjunto com o município da Pampilhosa da Serra, o Geoscope – Observatório Astronómico do Fajão – um lugar de conhecimento e fruição do céu que dá consistência à nossa aposta no astroturismo.
[CP]: Tem havido pessoas a instalarem-se? Quais as motivações?
[BR]: A marca ‘Aldeias do Xisto’ tem contribuído, em primeiro lugar, para fixar habitantes, graças às actividades económicas conexas ao turismo, mas também tem promovido o território como um lugar para viver. A capacidade de um território atrair novas pessoas tem muito a haver com a “história que tem para contar”, ou seja, daquilo que oferece como horizonte para mudar de vida. São, sobretudo, histórias de pessoas que querem mudar de estilo de vida – para um mais puro, perto da natureza, com um outro ritmo- que temos construído aqui. Portugueses, estrangeiros, pessoas de todas as idades e com diferentes projectos de vida vão chegando e aderindo aos ideais e valores que as Aldeias do Xisto têm vindo a perseguir.
[CP]: Esta fixação de pessoas traz desafios mas ainda há muitos constrangimentos ao nível da Interioridade. Como olha para esta realidade?
[BR]: O contexto é obviamente importante. E o contexto da Interioridade é o que sabemos em relação aos temas que refere. A actratividade destes territórios precisa de respostas de proximidade, mas também é importante ter em conta que muitas pessoas procuram outras coisas num lugar para viver, coisas mais simples, e isso as Aldeias do Xisto já têm.
[CP]: Que desafios tem a Rede pela frente?
[BR]: Os desafios mudam em função das dinâmicas sociais, económicas e culturais e a nossa responsabilidade é estar atento a essas dinâmicas e dar respostas no âmbito das nossas competências. Queremos continuar a ser um agente transformador do território, contribuindo em conjunto com os nossos parceiros para que as Aldeias do Xisto sejam um destino de eleição para um turismo com propósito e responsável. Para o sermos, temos de saber preservar a identidade, mas acrescentar contemporaneidade em todos os domínios. Não queremos que as Aldeias do Xisto sejam “disneyficadas”, queremos crescer com autenticidade e originalidade. Antes disso tudo, precisamos que as Aldeias do Xisto sejam bons lugares para viver, porque é na vida comunitária e na partilha que se baseia toda a filosofia das Aldeias do Xisto.
ANA CLARA (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Entrevista publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 28 de Novembro de 2024
Foto: Miguel Proença