A construção da Barragem de Girabolhos estava integrada no Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, de José Sócrates em 2007, e foi cancelada pelo Governo socialista de António Costa em 2016, devido a critérios jurídicos, financeiros, expectativas dos municípios abrangidos, metas das energias renováveis e descarbonização da economia portuguesa.
Este Governo conservador, apressadamente, quer retomar a construção da Barragem de Girabolhos, através do plano Água que Une, a apresentar até ao final do ano, e que o presidente da Câmara de Coimbra reiteradamente tem reivindicado, de forma superficial, não se lhe conhecendo competências técnicas nessa área, nem as fontes de informação recolhidas.
Presume-se que graças a esta construção, Coimbra e a futura estação ferroviária de alta velocidade ficariam mais protegidas, mas a associação ambientalista Zero pede mais estudos para perceber se a construção de novas barragens é mesmo a melhor solução para ajudar a evitar as consequências dos fenómenos extremos.
Francisco Ferreira, da Associação Zero, reputado especialista, está preocupado com a rapidez com que se está a desenhar o plano, alertando que é perigoso o Governo tomar decisões destas sem avaliar primeiro todas as opções. Afirma que, no seu entender, “é uma decisão precipitada”, sem ter “os dados do ponto de vista técnico-científico-económico para decidir”, parecendo-lhe “um pouco excessivo”.
A Zero pede mais estudos económicos e de custo-benefício, para saber se a construção de novas barragens é a melhor solução, em termos de diferentes medidas e ideias para reter a água em caso de precipitação excessiva, porque “em muitos casos não são as barragens ou não são apenas as barragens que resolvem estes tipos de consequências de eventos meteorológicos extremos”.
O especialista Rui Cortes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, denuncia que o Plano “Água que Une” (que está feito apenas virado para questões agrícolas, regadio e a seca), é feito à medida do agronegócio, e que “em circunstância alguma” a existência de barragens de retenção de cheia evitaria o que ocorreu na região espanhola de Valência, ao contrário do que diz o Governo conservador, que estes projectos são necessários para garantir capacidade de encaixe das albufeiras para evitar situações de cheia. E Rui Cortes conclui que “o que o Governo pretende é satisfazer os grandes interesses de uma agricultura baseada no recurso água”.
Como prevenir as inundações?
Então como prevenir as inundações e suas consequências? Não há nada mais a fazer? Há, sim.
Os especialistas citam, além dos quebra-mares, barreiras, paredes ou sistemas de drenagem e irrigação, o diálogo sobre soluções como a dessalinização (que se vai iniciar no Algarve), os transvases (com resistências locais diversas) e o uso responsável de águas subterrâneas, para uma gestão mais equilibrada e sustentável dos recursos hídricos.
E também para impedir o aquecimento global por meio de medidas ecológicas, o incremento da agrofloresta, a não construção em leito de cheia, a boa permeabilidade do solo, os planos de emergência, os sistemas de alerta antecipado e o treino da população.
João Pardal, doutorando de Geografia Física, da FLUC, em artigo publicado no jornal As Beiras, em 19.11.24, quanto à Barragem de Girabolhos, refere que teria “de ser interpretado enquanto componente de um sistema em cascata do rio Mondego” (Asse-Dasse, Girabolhos e Midões), “e o aproveitamento existente da Aguieira”.
Diz ainda: “Contudo, considera-se necessária e elaboração de um estudo de conjunto, para um complexo de fins múltiplos, produção eléctrica, controlo de cheias e reserva estratégica e fornecimento de água, para as populações e agricultura, que inclua um transvase para a Barragem de Fagilde, na bacia do Rio Dão”.
E, dentro da sua competência, indica “um conjunto de medidas que possam mitigar os efeitos destrutivos das cheias do Mondego, nomeadamente: uma gestão adaptativa do sistema Aguieira-Raiva-Fronhas, para eventos extremos que inclua a variável das alterações climáticas; a melhoria do escoamento da rede hidrográfica secundária e aplicação de técnicas de naturalização; a recuperação do coberto vegetal das cabeceiras da bacia hidrográfica; a melhoria do sistema de monitorização da bacia; o reforço das estruturas dos diques no leito central do rio Mondego; a articulação dos Instrumentos de Gestão de Território com o Plano de Gestão dos Riscos de Inundações; a revisão dos Planos Municipais de Riscos de Cheias, nomeadamente as cartografias de inundação nos seus elementos de perigosidade, elementos expostos e vulnerabilidade”.
Acrescenta ainda que, “as obras de desassoreamento da albufeira em frente a Coimbra, realizadas entre 2017 e 2019” (da responsabilidade do executivo socialista de Coimbra, diga-se), “e nas quais foram retirados e devolvidos ao trânsito sedimentar a jusante do açude cerca de 700.000 m3 de sedimentos, constituem uma importante medida de mitigação das inundações no Parque Verde e envolvente”. E “permitiram, igualmente, corrigir o perfil do rio a montante e a jusante do Açude-Ponte de Coimbra, com a reabilitação das quedas, com a correcção das suas soleiras, e preenchimento dos fundões”.
Como se vê, há muito a fazer, inclusive pela Câmara Municipal de Coimbra, e a eventual construção da Barragem de Girabolhos, isoladamente, não é um milagre da Rainha Santa. Demos aqui a palavra aos especialistas, não enfeudados a conflito de interesses.
(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra