A publicidade inunda as auto-estradas. Há uma floresta de painéis publicitários a rodear as vias de circulação. Distraem os automobilistas e provocam, em geral, insegurança no tráfego. As pessoas perturbam-se e escapam-lhes sinais de trânsito que limitam os valores normais de circulação ou previnem determinados eventos, como o provável atravessamento de animais.
A publicidade já esteve, a justo título, proibida.
Mal se percebem as razões que terão levado ao levantamento da proibição.
De todos os quadrantes nos chegam ecos desta enorme incomodidade.
Diremos, como o fizemos oportunamente:
Mas que ‘enormidade’ ‘reflorestar’ as auto-estradas com painéis de publicidade a partir de descasos e de outros nadas”…
Com efeito, o DL 195/98, de 24 de Abril, desenhava, no seu preâmbulo, para a proibição da publicidade, um sem-número de considerações, a saber:
“A proliferação descontrolada por todo o País dos mais diversos meios da chamada publicidade exterior, nomeadamente quadros, painéis, tabuletas, anúncios, ecrãs, focos luminosos, cartazes ou inscrições, tem produzido uma gravíssima degradação da paisagem em Portugal, sobretudo na proximidade das estradas fora dos aglomerados urbanos.
Essa degradação atinge, de forma manifesta e intolerável, um importante valor ambiental que ao Estado incumbe proteger. Além do mais, a proliferação dos enunciados meios constitui factor de distracção e insegurança para os automobilistas que importa a todo o transe acautelar: fenómeno a que acresce a diluição dos sinais de trânsito que passam despercebidos em meio à floresta de quadros, painéis, tabuletas, anúncios, ecrãs, focos luminosos, cartazes ou inscrições que pululam nos espaços circundantes.
Havia excepções às disposições aplicáveis:
Os meios de publicidade que se destinem a identificar edifícios ou estabelecimentos, públicos ou particulares, desde que tal publicidade seja afixada ou inscrita nesses mesmos edifícios ou estabelecimentos;
Os anúncios temporários de venda ou arrendamento de imóveis, desde que neles localizados (?) (a que grupos de pressão se deve obediência para uma tal excepção? Onde o interesse geral?);
Os meios de publicidade de interesse cultural;
Os meios de publicidade de interesse turístico (com reconhecimento legal).
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades: “alguém” com interesse na exploração de tais actividades terá aproveitado o ensejo da redefinição do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, que a lume veio a 27 de Abril de 2015, e a proibição foi ao ar…
A Lei 34/2015, sob a epígrafe “publicidade visível das estradas”, estatuiu no seu artigo 59:
“1 – A afixação de publicidade visível das estradas fica sujeita a obtenção de uma licença, a emitir pelo município territorialmente competente.
…
4 – As regras aplicáveis à afixação de publicidade visível das estradas …, designadamente quanto às matérias com potencial impacto para a segurança rodoviária, como a localização permitida, o conteúdo da mensagem, a luminosidade, os critérios para a implementação, manutenção e conservação dos respectivos suportes publicitários, … são estabelecidas em portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas aéreas das finanças, das infra-estruturas rodoviárias, das autarquias locais, da segurança rodoviária e da área com competências genéricas no domínio da publicidade.
…”
O facto é que jamais se editou, ao que se julga, a portaria e, no dia imediato ao da publicação da lei, começaram a surgir nas auto-estradas os escaparates que a lei de 98 proibira.
Os valores ambientais foram escamoteados e os da segurança rodoviária mandados às urtigas: eis o ‘estado da questão’.
E não se perfila no horizonte quem reponha a coisa no são e bula com os interesses instalados, adversos à sã natureza das coisas.
Cremos saber que se esboça, entretanto, um movimento que pretende levar a que se reverta a situação.
Urge, pois, repristinar a lei de 1998. Fazê-lo é curar da paisagem! É curar da atenção, é zelar pelas pessoas, pelos automobilistas…
A ânsia de facturar nem tudo pode perdoar!
(*) Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal