Jaime Ramos, natural de Miranda do Corvo (1952), é médico especializado em Medicina do Trabalho e Medicina Geral e Familiar, além de ser um destacado empresário e empreendedor social. Fundador e presidente da Fundação ADFP, uma instituição sem fins lucrativos focada na inclusão e desenvolvimento social. Jaime Ramos tem dedicado a sua vida à solidariedade, criando projectos como o Parque Biológico da Serra da Lousã e o Templo Ecuménico Universalista. Com uma sólida trajectória política, foi deputado à Assembleia da República, presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo e governador civil do distrito de Coimbra.
Campeão das Províncias [CP]: O Hospital Compaixão tem encontrado alguns obstáculos por parte de sucessivos Governos?
Jaime Ramos [JR]: O Hospital Compaixão foi criado para suprir as necessidades de cuidados de saúde no Pinhal Interior, uma região carente de hospitais e unidades de cuidados continuados e paliativos entre Coimbra e Castelo Branco. Inicialmente incentivados pelos governos de Passos Coelho e do PS, avançámos com a construção para defender o interesse público e colaborar com o Estado. Contudo, a mudança de ministros da Saúde, no governo de António Costa, trouxe entraves inexplicáveis. Desde então, não nos foi dada a oportunidade de colaborar com o Estado para fornecer os serviços que a população precisa, o que é difícil de entender.
[CP]: Para o ano que vem vão abrir uma Unidade de Cuidados Paliativos. A situação agora já está desbloqueada?
[JR]: O Hospital estava totalmente equipado com camas, ar-condicionado e instalações adequadas, mas, durante a pandemia de covid-19, o Estado optou por criar hospitais de campanha em pavilhões desportivos em Miranda e Lousã, deixando o Compaixão de lado. É sabido que o CHUC gastou consideravelmente mais dinheiro a transferir doentes para Albergaria-a-Velha, em vez de utilizar as nossas instalações.
Ainda assim, temos conseguido avançar, com serviços já em funcionamento, como exames de diagnóstico, cardiologia, gastroenterologia e cuidados continuados. Para 2025, temos a certeza de que abriremos a Unidade de Cuidados Paliativos com 20 camas, uma necessidade urgente na região. No entanto, ainda temos outro objectivo: a formalização de acordos de cooperação com o Governo para realizar cirurgias e consultas especializadas, visto a região ter uma lista de espera enorme.
[CP]: De que forma a criação de um serviço complementar aos centros de saúde pode aliviar a pressão nas urgências hospitalares e melhorar o atendimento à população local?
[JR]: Na região, Miranda, Penela, Lousã, incluindo áreas de Góis, Pampilhosa, Poiares e Condeixa, há muitas situações médicas, simples, mas urgentes, que os centros de saúde não conseguem atender adequadamente. Isto força as pessoas a recorrerem às urgências hospitalares, onde enfrentam longas esperas e maior risco de complicações. Com um acordo com o Estado, poderíamos criar um serviço complementar de atendimento permanente, como já existe em Oliveira do Hospital e Avelar, aliviando as urgências de Coimbra e beneficiando a população. Infelizmente, a falta de diálogo e colaboração impediu essa solução prática e necessária.
O Governo anterior, com o seu fundamentalismo ideológico quase religioso, tratou a situação de forma dogmática, quase como uma bíblia. O que fez, e se olharmos para o que aconteceu no país, foi, de facto, destruir os serviços públicos de saúde, enquanto facilitou a vida aos sectores privados lucrativos, que, na sua maioria, são geridos por capitais estrangeiros.
[CP]: E a relação do Estado com a Fundação como tem sido?
[JR]: Tivemos um relacionamento muito negativo com várias áreas do Governo, incluindo a Saúde, as Finanças, o IFAP e o IEFP, o que resultou em actos que consideramos prejudiciais e abusivos. Estamos a contestar judicialmente essas acções, com processos em Tribunal Administrativo para recuperar os recursos financeiros que entendemos terem sido retirados de forma abusiva. A área da Segurança Social foi excepção, com a qual mantemos uma relação de cooperação muito positiva.
[CP]: A Fundação adquiriu o Hospital de São João na Lousã. Que projecto têm para lá?
[JR]: Estamos a trabalhar na sua reabilitação, em parceria com a Misericórdia da Lousã, para criar uma Unidade com 100 camas, uma parte destinada a cuidados continuados e a outra a Lar de Idosos. Este investimento visa responder a uma necessidade real. Nos 19 concelhos da região, só Lousã e Góis não possuem cuidados continuados. Estamos a contar com o apoio da Autarquia e esperamos que o Estado também reconheça este esforço.
[CP]: A Fundação tem apostado em áreas muito diversas de actuação, como por exemplo a St. Paul’sSchool?
[JR]: Actualmente temos 330 alunos. Queremos ampliar o edifício com nova creche e pré-escola, com o objectivo de atingir 500 a 600 alunos. O colégio, bilíngue português-inglês, segue uma abordagem conservadora, mas inovadora e cosmopolita. Embora tenha sido arriscado lançá-lo numa cidade sem oferta similar, começa a mostrar um crescimento sustentável.
A Fundação ADFP, uma IPSS, complementa o Estado em áreas não cobertas pelos serviços públicos, de forma eficaz.
Reinveste todos os excedentes financeiros criando novos serviços na comunidade, sem fins lucrativos. Este modelo de cidadania activa enfrenta resistências tanto de sectores liberais como de correntes centralizadoras, mas acreditamos que é o caminho certo. Hoje, somos a terceira maior Fundação do país em número de trabalhadores.
[CP]: Para além da educação, saúde e acção social agora a Fundação também produz vinho!
[JR]: A nossa visão é desenvolver actividades autónomas, sem dependência do Estado, gerando receitas próprias para garantir sustentabilidade financeira. A agricultura é uma possibilidade além de ser uma actividade que facilita a inclusão e integração de pessoas com deficiência ou com doença mental.
Criámos o Parque Biológico da Serra da Lousã e o Templo Ecuménico e apostámos na produção de vinho com o objectivo de promover a inclusão sem dependência do Estado.
Na região de Sicó identificámos potencial para vinhos de qualidade, mas com falta de estruturas capazes .Por isso, estabelecemos uma adega moderna, com o apoio do enólogo Gonçalo Costa, para colocar os vinhos da região num nível de reconhecimento nacional que promove os nossos mas também os vinhos dos outros produtores.
[CP]: A Fundação tem também um projecto pensado para o Ingote. Em que ponto está?
[JR]: O Centro Cívico do Planalto do Ingote é um projecto de enorme relevância para Coimbra, tanto pela sua vertente social e inclusiva como pelo impacto positivo na valorização estética da cidade. Trata-se de uma iniciativa em parceria com a Câmara Municipal de Coimbra, que conta com o envolvimento do arquitecto Carrilho da Graça, e que tem o potencial de transformar o Planalto do Ingote, uma área actualmente desvalorizada, numa referência arquitectónica e social. Este Centro não só reforçará a inclusão social e criará oportunidades de emprego, como também se destacará como um marco na linha do horizonte da cidade, dando-lhe um toque de modernidade e inovação. No entanto, o projecto encontra-se há demasiado tempo parado. Aproveito para apelar ao senhor presidente da Câmara que agilize a sua concretização. Apesar de o investimento ser, em grande parte, assegurado por nós, é fundamental que a Câmara desbloqueie este processo.
[CP]: Apresentam-se como a Instituição mais ecléctica e inclusiva do país. Porquê?
[JR]: Uma parte significativa dos nossos colaboradores são pessoas com deficiência ou doença mental, mas não somos uma instituição tradicional de assistência. O nosso objectivo é integrar estas pessoas como participantes activos no processo de criação de valor, focando nos seus talentos e não nas limitações. Assim, garantimos-lhes a dignidade de trabalho e salario. Já descobrimos verdadeiros talentos, com resultados muito positivos. A nossa abordagem integradora abrange todas as idades e condições sociais. Desde crianças a idosos e pessoas vulneráveis, promovemos convivência e respeito mútuo. Em Coimbra, destacamos o trabalho com os sem-abrigo, oferecendo refeições quentes com dignidade e um abrigo de emergência nocturno para 30 a 40 pessoas, beneficiando os indivíduos e a imagem de segurança da cidade. Além disso, a nossa intervenção abrange diferentes classes sociais, desde iniciativas para famílias de classe média-alta até projectos para pessoas em pobreza extrema. O Templo Ecuménico Universalista mostra o nosso compromisso com a tolerância, o respeito com os outros, diferentes.