A Associação Viver em Alegria nasceu há 26 anos – completos em Janeiro do próximo ano – e a sua ‘filha’ mais conhecida, a Universidade Sénior, há 21. Juntas, estas duas entidades chegam a centenas de famílias, a quem levam, muito mais do que a efémera alegria, esperança, confiança, respeito, solidariedade, companhia, ânimo, força e vontade de viver com os outros, junto dos outros.
Dulce Pedrosa é a actual presidente da Associação Viver em Alegria (AVA) e é a primeira a lembrar que a Instituição de Solidariedade Social, sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública e sediada na Figueira da Foz, nasceu há quase 26 anos pela mão da saudosa Natércia Crisanto, que na época colocou o ênfase na valência do Centro Apoio à Vida (CAV), que ainda resiste e continua a prestar apoio a muitas famílias.
“O CAV continua a correr bem, ou mal, depende do ponto de vista”, explica Dulce Pedrosa. “Bem, porque continua a prestar um bom serviço, de ajuda alimentar e de bens de primeira necessidade, como produtos de puericultura, por exemplo, neste momento a cerca de 120 agregados familiares”, concretiza. “Mal, porque, obviamente, se são cada vez mais os pedidos que recebemos, é porque as pessoas estão mal e precisam destas ajudas”, lamenta.
Do apoio à vida à parentalidade
O Centro de Apoio à Vida Natércia Crisanto (CAV) é um serviço vocacionado para o atendimento e acompanhamento a mulheres grávidas e/ou com filhos recém-nascidos ou até 10 anos, nos casos em que se verifique ser imprescindível este apoio para a manutenção do seu equilíbrio emocional e para preservação da unidade familiar.
Para que tudo corra bem é feito “um trabalho de proximidade, promovendo o equilíbrio emocional, afectivo e social de cada família, com vista à concretização de um projecto de vida que promova a sua autonomia e o desenvolvimento saudável das crianças”.
Não menos exigente é o trabalho desenvolvido pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP da Figueira da Foz), cujas técnicas – assistentes sociais e psicólogas – trabalham todos os dias, excepoto domingos, para apoiar os processos de reunificação de famílias desestruturadas. Esta é uma valência que visa essencialmente intervir no contexto familiar, ajudando as famílias a criar condições e a potencializar os recursos necessários à manutenção das crianças e jovens nos seus agregados de origem, prevenindo assim a sua institucionalização ou possibilitando a sua desinstitucionalização e reintegração familiar.
O CAFAP presta ainda apoio em situações de conflito ou rutura familiar que ponham em causa o bem-estar e o convívio familiar das crianças ou jovens. “Trabalhamos com a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), com os tribunais, que nos mandam processos para tentarmos servir de mediadores, nomeadamente de visitas supervisionadas, para as quais temos espaço próprio, tudo para conseguir o objectivo final, que é a reestruturação da família”, explica ao Campeão das Províncias a dirigente. “Temos conseguido que muitos processos vão fechando, mas é um trabalho muito duro, e que abrange, em termos de área, não apenas a Figueira da Foz mas também Cantanhede, Coimbra e Mira”, explica. “Claro que também é muito gratificante, sobretudo para quem trabalha no terreno directamente com as famílias, quando um processo é encerrado, porque significa que foi bem sucedido”, conclui. O CAFAP promove ainda cursos de apoio à parentalidade, divididos consoante a faixa etária dos filhos, que têm vindo a atrair cada vez mais famílias, em apuros com crianças com birras incontroláveis, adolescentes demasiado rebeldes e os novos dramas que afectam os pais, como as dependências dos telemóveis ou de substâncias.
Apoios da sociedade civil
Para ajudar, a AVA recebe ajudas, não apenas do Estado, enquanto IPSS, e da autarquia, por protocolo, mas também da sociedade civil. É o caso das superfícies comerciais Mercadona e Continente, que contribuem para o Banco Alimentar da instituição, ou dos próprios cidadãos, durante os peditórios anuais. “Para além disto, ainda concorremos a diversos financiamentos para vários projectos, como aconteceu com a Fundação BPI La Caixa”, explica Dulce Pedrosa, para quem “todas as ajudas são importantes”.
Universidade Sénior…cada vez mais jovem
Sabia que para frequentar a Universidade Sénior (US) basta ter 50 anos? “É a regra para as universidades seniores espalhadas por todo o país, está relacionado com o facto de haver pessoas que se reformam mais cedo e também com a presença de um cada vez maior número de estrangeiros”, explica Dulce Pedrosa. Na Figueira da Foz, entre os 250 alunos da US, há-os de França, Itália e Finlândia, entre outras origens. “Dividem o ano entre a Figueira da Foz e o seu país de origem e frequentam a US nos meses em que estão em Portugal”, explica a também docente. Actualmente a funcionar em salas no piso 1 do Mercado Municipal Engenheiro Silva, a US tem alunos entre os 50 e os 83 anos, mas a maioria está mesmo na sétima década de vida. A estes 250 alunos há ainda a acrescentar as quatro dezenas de imigrantes que, não sendo alunos da US, frequentam as suas instalações mediante um protocolo com a autarquia figueirense, em aulas de Português Língua Não Materna.
Dizer não à Solidão
“A sociedade está a mudar, já não há preconceito em frequentar estas universidades, e isso vê-se porque temos cada vez pessoas mais novas a inscreverem-se e com uma diversidade de interesses muito grande, aliás, teríamos mais disciplinas se tivéssemos mais salas”, esclarece a presidente da AVA. Mas quais os objectivos dos alunos? “Inscrevem-se para aprender, sim, mas sobretudo para conviver, estabelecer contactos e combater a solidão”, responde. É que se, até há algum tempo, a solidão parecia ser apanágio da chamada terceira idade, agora, garante Dulce Pedrosa, “constatamos que até nos jovens há solidão”. O mais recente evento da US, o magusto de S. Martinho, reuniu 110 participantes, um número que faz inveja a muitos eventos com divulgação paga e até nomes sonantes, mesmo em cidades maiores. “Foi um sucesso”, confirma Dulce, “convivemos comemos, as pessoas aderem pela animação, porque sentem que estamos também a recuperar tradições”, acrescenta.
Há de tudo, até teatro
Artes Decorativas, Alemão, Alegria e Movimento, Bordados, Bridge, Cavaquinho, Cantares de Alegria, Comunicação, Informática, Costura Decorativa, Danças Latinas, Danças Tradicionais e do Mundo, Defesa Pessoal e Karaté, Espanhol, Esperanto, Edição de Fotografia Digital, Francês, Ginástica, História, Informática, Inglês, Italiano, Literatura Portuguesa, Mandarim, Cultura e Atividades, Mundo Gira, Património (Gratuita), Pintura, Tai chi, Viola, Yoga e Zumba são algumas das disciplinas disponíveis no portfólio da US.
“Algumas das disciplinas, sobretudo nas artes, têm lista de espera, porque não temos mais salas”, explica Dulce. Outras disciplinas, como as de línguas ou da área da informática ou ginástica, estão divididas por níveis, para acomodar os diferentes conhecimentos de base dos alunos. E depois há outra disciplina especial, que tem vindo a alimentar o Grupo de Teatro Associação Viver em Alegria, já com inúmeras apresentações nos seus 23 anos de existência, como aconteceu recentemente com a peça «M», em Brenha, no âmbito do projecto municipal Personagens à Solta. “O nosso grupo de teatro tem ensaios semanais e exige ainda trabalho em casa, porque há textos a memorizar e muitas vezes a memória já não é a mesma”, ri Dulce Pedrosa, ela própria actriz do grupo. “Nunca tinha feito teatro e agora aqui estou, feliz”, comenta. “Há muita alegria, muita festa, muita frustração também, e este ano notámos que tivemos alunos pela primeira vez, ou seja, há pessoas a aderir ao projecto pelo efeito de passa-palavra que, na velha tradição portuguesa, continua a ser a melhor publicidade”, defende a dirigente. Mas nem só de actores e actrizes vive o grupo, cujos elementos fazem “de tudo, electricistas, carregadores de móveis, o que for preciso”.
Sem diploma, mas com muito amor
Sem diploma no fim do curso, porque afinal não tem de ter fim a aprendizagem, os alunos de algumas disciplinas da US são muitas vezes os professores de outras cadeiras. “Quase todos os professores são docentes já aposentados e fazem-no em regime de voluntariado, mas há alguns, sobretudo mais jovens, que têm de ser pagos”, explica a dirigente. Contas feitas, vale a pena continuar este trajecto que começou há mais de duas décadas e que tem assumidamente um objectivo “completamente diferente de uma universidade tradicional”, sublinha Dulce. “Aqui o objectivo é o de desfrutar, não há diploma, não altera a formação académica, pretende-se a partilha de saberes, o crescimento pessoal, a aprendizagem durante toda a vida para tentar contrariar, no envelhecimento, a demência”. A dirigente lembra que Portugal é “dos países com maior nível de depressão” na Europa e garante que “as pessoas muitas vezes chegam aqui com um semblante triste e já vão outras quando saem”, havendo até casais que ‘nasceram’ ali, porque para o amor, como para aprender, não há limite de idade.
Andreia Gouveia
Texto publicado na edição em papel do “Campeão das Províncias” de 21 de Novembro de 2024