Jorge Gouveia Monteiro é o coordenador da Direcção do Movimento Cidadãos por Coimbra (CpC), uma iniciativa que visa promover a participação cidadã e a construção de uma cidade mais inclusiva e participativa. Paralelamente, é sócio-gerente do bar e espaço cultural Liquidâmbar, um ponto de encontro que fomenta a cultura e o convívio social em Coimbra. Entre 1997 e 2009, foi vereador da Câmara Municipal de Coimbra, contribuindo activamente para a formulação de políticas públicas que visavam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Campeão das Províncias [CP]: O que é que anda a fazer o Movimento Cidadãos por Coimbra?
Jorge Gouveia Monteiro [JGM]: Está a cumprir a sua missão. Procuramos elencar assuntos onde a intervenção dos cidadãos é particularmente importante. E, ao olharmos para estes últimos três anos, vemos que realizámos nove debates públicos. Isso é um património que, por vezes, nem todos vêem, porque não estamos na disputa pela fotografia do dia-a-dia. Fizemos dois debates de grande importância sobre a nova estação ferroviária e sobre protecção das margens do rio, outros sobre as florestas, a mobilidade, a cultura, a via estruturante Sta Clara S.Martinho. Além disso, temos também participado com centenas de intervenções na Assembleia Municipal. Hoje, por exemplo, iremos apresentar as nossas propostas para o plano e orçamento do ano que vem.
[CP]: Qual o balanço que faz destes três anos de mandato da Câmara, liderada por José Manuel Silva?
[JGM]: Estes três anos de mandato têm sido decepcionantes. Recordo-me de uma intervenção no primeiro plenário dos cidadãos por Coimbra, logo após as eleições, em que acreditei que haveria uma mudança com novas ideias e propostas. Contudo, rapidamente, as coisas começaram a tomar um rumo que conheço bem do passado. A Câmara rapidamente se fechou. A maioria que se formou tem agido de maneira auto-suficiente, com situações graves, como o abate dos plátanos e a cedência da Casa da Escrita em pagamento de favores. A Câmara tem funcionado de forma enquistada, limitando-se a formalidades, como a entrega de propostas para o orçamento do próximo ano. O presidente da Câmara, na sua tomada de posse, expressou o desejo de ter a presidência da Assembleia Municipal, mas não o conseguiu e reagiu de forma estranha ao funcionamento democrático, desconsiderando os presidentes de Junta ao afirmar que a lei era injusta.
O segundo traço negativo que identifico é o da fuga às responsabilidades: quando as coisas correm bem, todos se mostram, mas quando não correm, a culpa recai em outros. Um exemplo disso é a questão do uso de herbicidas, onde a Câmara não pode eximir-se de tomar decisões. Além disso, não é correcto responsabilizar as Juntas de Freguesia por falhas na limpeza.
O terceiro ponto que me preocupa é a cruel decisão de alterar a estratégia municipal de habitação, criando um enorme bairro social em Taveiro, sem equipamentos de apoio, escolas ou infra-estruturas necessárias para acomodar entre 850 a 1.000 pessoas. O projecto foi concebido sem a perspectiva social adequada, e a Câmara não está a negociar correctamente terrenos para habitação no centro da cidade.
A situação é crítica, e parece que estamos a varrer os problemas sociais para longe do centro, uma abordagem que já vinha sendo observada, quando a Câmara quis que associações de apoio aos sem-abrigos saíssem da área central. Este é um panorama muito preocupante e que precisa de ser abordado com urgência, pois é uma crueldade social.
[CP]: Mas vê coisas positivas neste mandato? Por exemplo a transmissão das reuniões de Câmara não demonstra maior abertura?
[JGM]: Sim, a transmissão em directo é positiva. Hoje, irei apresentar, pela quarta vez, várias propostas que são bastante simples para o orçamento de 2025. Temos muitas propostas, mas até agora nenhuma foi acolhida. O que vamos pôr em destaque é a questão do equipamento social, educativo, desportivo e cultural para Taveiro, porque nos preocupa muito que as casas sejam entregues em 2026, apressadas para o financiamento do PRR, sem que haja uma infra-estrutura adequada.
Temos feito propostas importantes ao longo do ano, mas não temos recebido qualquer eco por parte do presidente. É frustrante passar um ano inteiro sem que haja uma iniciativa da Câmara para discutir os nossos assuntos. Um exemplo claro é o terreno junto à escola Alice Gouveia, que está a ser usado como depósito de carros, o que é uma situação que se arrasta há anos. Propusemos que a Câmara desse um novo destino a esse terreno, que actualmente se encontra em condições lamentáveis.
Recentemente, a Câmara fez algo positivo ao publicar o cadastro dos terrenos que lhe pertencem. Contudo, verificámos que um dos terrenos está cedido ao Tribunal, quando poderia ser utilizado para uma função muito mais útil, dado que a área da Casa Branca está carente de equipamentos. Poderíamos ter um equipamento comunitário, que permitisse o desenvolvimento de actividades para os residentes, as escolas, as colectividades.
Adicionalmente, estamos a entrar no período frio, e vamos começar a ver colunas de fumo em toda a parte. Muitos agricultores e proprietários de quintas acumulam resíduos durante o Verão e Outono, e precisamos de uma solução para a gestão desses restos. A Comunidade Intermunicipal vai instalar contentores no distrito de Coimbra, mas para um pequeno agricultor ou uma pessoa com um quintal, deslocar-se 20 ou 30 km para despejar resíduos num contentor não é prático.
Estamos a pressionar a Câmara para implementar experiências piloto (as trituradoras) em algumas freguesias onde o problema é mais grave, como nas Torres do Mondego, onde houve inícios de fogo com alguma gravidade. É importante reconhecer que a maioria dos fogos não resulta de actos maliciosos, mas sim de situações como a que mencionei, onde resíduos inadequadamente queimados podem contribuir para a poluição e agravar o efeito de estufa.
Assim, é crucial que tomemos decisões informadas e que a Câmara actue de forma responsável na gestão dos resíduos e na protecção do nosso ambiente.
[CP]: Ser oposição apenas na Assembleia Municipal tem sido curto?
[JGM]: As opiniões e a boa divulgação não dependem apenas de nós. O que se passa na Assembleia Municipal, para além da transmissão em directo, é que não podemos determinar se um determinado assunto é relevante ou não. Não vamos fazer espalhafatos só para gerar notícia, nem recorrer a estímulos insultuosos ou a comportamentos que não se justifiquem.
Os nossos deputados municipais João Malva e Graça Simões têm um perfil que considero muito interessante. Normalmente, tento acompanhar as intervenções online e noto que, quando falam, ouvem-nos com atenção. Sabem que das suas bocas sairão coisas que valem a pena ouvir. Portanto, não temos intenção de alterar este registo para gritos ou confrontos do outro tipo.
As intervenções que temos feito são um património de ideias sobre muitas questões, como os transportes, os equipamentos de saúde e outros assuntos que têm impacto na vida das pessoas. Essas questões estão registadas nas actas e representam um conjunto de ideias que poderiam ser mais valorizadas e aproveitadas de forma mais eficaz.
[CP]: Como perspectiva o CpC as próximas eleições autárquicas?
[JGM]: O CpC está aberto a todos que nele queiram participar e estará certamente presente nas eleições. O nosso foco é Coimbra, Coimbra no seu todo, na sua pluralidade e nas suas povoações. Portanto, estaremos seguramente presentes e daremos, sem dúvida, um contributo para que o entendimento entre as forças à esquerda aumente e se intensifique. Achamos que isso é positivo.
Esses traços negativos que apontei em relação à coligação actual desaconselham a sua repetição. É melhor não repetirmos um segundo mandato com as mesmas características e os mesmos protagonistas. Seria bom que houvesse um entendimento à esquerda, mas isso não depende apenas de nós. Já houve algumas conversas com os socialistas nesse sentido. Depois do almoço do 25 de Abril, temo-nos encontrado com alguma frequência. Aquela iniciativa do Bruno Paixão de ressuscitar a velha “questão coimbrã” é positiva e temos participado nesta perspectiva. Do nosso lado, daremos um contributo, seguramente, para que se houver entendimento entre as forças à esquerda os cidadãos possam estar presentes.
Luís Santos/Joana Alvim