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Coimbra projecta desde há 30 anos os Caminhos do Cinema Português

9 de Novembro 2024 Jornal Campeão: Coimbra projecta desde há 30 anos os Caminhos do Cinema Português

João Pais iniciou em 2011 o seu trabalho no festival Caminhos do Cinema Português como assistente de programação, sendo desde 2013 responsável pela coordenação da programação. Nesta conversa conhecemos mais sobre este festival de Coimbra que é referência nacional. Conta com selecções competitivas e não competitivas, desde as 11h00 da manhã até à madrugada, tanto para os mais pequenos como para adultos, abarcando todas as idades. De 16 a 23 de Novembro haverá muito cinema para apreciar, com vários preços que partem de pouco mais de 40 cêntimos por sessão para o passe geral, se for comprado até este dia 9 de Novembro.

 

Campeão das Províncias [CP]: O festival Caminhos do Cinema Português tem daqui a pouco, de 16 a 23 de Novembro, a sua 30.ª edição. Se há 30 anos lhe dissessem vamos fazer um festival de cinema dedicado à produção nacional, alinhava nisso?

João Pais [JP]: Imediatamente. Apesar de não ter nascido em Coimbra, já visitava o festival Caminhos do Cinema Português e lembro que na primeira vez que me sentei numa cadeira do TAGV disse: “um dia venho para aqui”. Aproveitei a oportunidade de estudar Direito em Coimbra e comecei como voluntário neste que é, para mim, o festival de cinema mais importante do país. Se não houvesse Caminhos e se alguém me desafiasse a criar um festival para destacar o cinema português, para mim é claro que diria que sim.

 

[CP]: No princípio devia ser quase impossível… Havia filmes portugueses suficientes para dois ou três dias de evento?

[JP]: É verdade. Mas é muito bonito verificar a boa evolução da produção. As dificuldades continuam a existir, tanto na realização e produção de cinema, como na própria organização de um festival como este. Apesar desses desafios serem gerais, em Portugal, para toda a cultura, verificamos o progresso paulatino e reiterado da produção e coprodução nacionais. O crescimento dos nossos realizadores lá fora atrai reconhecimento externo e há uma maior aposta, contudo, também no cinema, mais estrangeiro do que nacional. Aquilo que começou a ser um festival com 2 ou 3 dias, agora decorre ao longo de 8 dias, apesar da rigorosa selecção. Este ano tivemos cerca de 800 inscrições para apenas 129 filmes em exibição.

 

[CPO]: A que se deve esta afirmação do festival ao longo de três décadas?

[JP]: Apesar de sermos um festival generalista, somos o único festival em Portugal cuja selecção se baseia em cinema português. Como festival implica a atribuição de prémios, procuramos valorizar não apenas o filme, mas toda a gente que o compõe. Somos o único festival nacional a reconhecer o trabalho técnico, aquele que só aparece na ficha técnica, quando as pessoas estão a sair do cinema. Connosco têm a oportunidade de falar e de serem reconhecidas.

 

[CP]: O que podemos esperar da edição deste ano?

[JP]: Esta edição assinala os 30 anos, apesar de existir há mais tempo. O 30, para nós, é especial, está alinhado com a maneira como vamos abrir o festival. Este ano coincide com a atribuição do prémio carreira, que ocorre a cada 5 anos. Será entregue a Luís Miguel Cintra, um dos maiores nomes do cinema português.

 

[CP]: Esta atribuição do Prémio Carreira é muito significativa…

[JP]: Luís Miguel Cintra é uma pessoa fabulosa, com trabalho incrível. Tem uma filmografia tão extensa que disse que apenas diria “uma palavra” sobre cada filme. Há dias ligou-me a dizer que já tinha escrito cerca de 90 páginas, já não se lembrava que tinha uma filmografia tão extensa. A entrega deste prémio não será um momento isolado, haverá ecos numa exposição em torno do seu trabalho, numa performance inicial igualmente dedicada e haverá o ciclo Ethos, na Casa do Cinema de Coimbra e Teatro da Cerca entre o dia 12 e o dia 17 de Novembro, com alguns dos filmes mais marcantes da filmografia do premiado. Esta escolha foi muito difícil, Luís Miguel Cintra é um artista multifacetado.

 

[CP]: Como tem sido a relação deste festival com o público?

[JP]: Há uma base constante de espectadores, os cinéfilos, que se deslocam para vir ao festival. Também há os curiosos abrangidos por comunicações como estas e querem assistir e saber mais. Há um aumento de interesse, em particular do público mais jovem.

 

[CP]: Em que salas decorre o festival?

[JP]: A selecção principal, a Caminhos, no Teatro Académico Gil Vicente. Tem outras selecções paralelas que vão decorrer na Casa do Cinema de Coimbra, Auditório Salgado Zenha, também em Penacova, Mealhada e haverá alguns filmes premiados projectados na Figueira da Foz. Procuramos fazer uma teia na zona Centro para cumprirmos melhor o nosso desígnio, o de divulgar melhor o cinema português.

 

[CP]: Este festival é contexto para ligações e conversas entre pessoas…

[JP]: É isso mesmo que compõe o festival de cinema. Passa-se mais do que a simples exibição de cinema que acontece durante todo o ano, por exemplo, na Casa do Cinema de Coimbra com projecções diárias. O festival serve para aproximar o público do filme de quem o criou. Ali podemos tirar as nossas dúvidas directamente com o realizador, com o montador ou com o protagonista. Aquilo que aparentemente é um pedestal de um criador, materializa-se numa festa em torno da criação, do cinema, pessoalizando-o e aproximando-o das pessoas.

 

[CP]: O festival tem três secções competitivas, comecemos pela Caminhos.

[JP]: Foi com esta selecção que nasceu o festival, daí a escolha do nome. É a clássica, que determinava a dinâmica do evento e é a que tem os prémios técnicos, celebrando o cinema português em todas as suas camadas. Tem as melhores produções e coproduções realizadas por Portugal, no último ano. Este ano temos uma selecção final de 40 filmes. Destacamos Salaviza, Marta Mateus, Miguel Gomes, Ico Costa, Margarida Gil, Diogo Costa Amarante, Margarida Cardoso, como alguns dos nomes que a maioria das pessoas conhecem. A maior parte desta selecção passará no TAGV, com a excepção do último dia em que vamos estar na Casa do Cinema de Coimbra.

 

[CP]: Depois temos a Selecção Ensaios.

[JP]: Apercebemo-nos que muitos dos estudantes de cinema e audiovisual já estavam com produtos finais com qualidade, a par dos profissionais, embora se tratassem de projectos académicos. Esta selecção surge para dar resposta a estes casos. Estamos seguros que muitos destes seleccionados estarão, brevemente, no cinema nacional. Esta selecção está dividida entre escolas nacionais e internacionais. Temos a intenção de expor a qualidade portuguesa, apesar dos pequenos orçamentos. Esta selecção demonstra-nos o que os jovens estão a gritar, neste momento. É possível verificar abordagens a questões sociais, a habitação e até os 50 anos do 25 de Abril. Embora não seja inserido nesta selecção, temos um programa que é o Incentivar para o qual convidamos pessoas que tenham ideias de filmes que possam apresentar num fórum designado Primeiros Passos, junto de produtores e financiadores. Também os jovens que participam na Ensaios podem usufruir deste contexto.

 

[CP]: Por último temos os Outros Olhares

[JP]: Começou a haver uma nova vaga de ensaio visual no cinema português, um pouco mais experimental, tanto do ponto de vista da técnica, como da narrativa ou da sua ausência, e que eram produções fabulosas. Este facto forçou-nos a criar esta selecção. Com o tempo tornou-se um palco para cinema experimental, mas também um cinema que dá palco para outras artes. Teremos um filme muito interessante que é o “Play it Again, Yuki”, sobre uma pianista, o “Cartas Telepáticas” de Edgar Pêra, que é uma relação experimental que simula uma conversa entre H. P. Lovecraft e Fernando Pessoa

 

[CP]: Para além das selecções competitivas há outras?

[JP]: Sim, temos a dedica aos juniores que mobiliza centenas de crianças a irem ao cinema, muitas vezes pela primeira vez. Damos um pequeno cheirinho do cinema de autor mundial com Os Filmes do Mundo. Também há uma selecção que é o Turno da Noite, com sessões depois das 23h59, com contexto artístico e explícito, tanto para o fantástico como para o erótico.

A programação e os preços

[JP]: “Desenhamos o festival para que exista um fio condutor ao longo de todo o evento. Há sessões que podem ter quatro filmes, mas há coerência que leva o espectador a ter uma experiência profunda, estética e criterial. Queremos que se perceba o que é que está a ser dito pelas selecções. São quase 130 filmes, com o cinema a começar às 11h00 para crianças, depois às 14h30 e daí até às 24h00. Qualquer pessoa que queira ir ao cinema terá uma janela de oportunidade incrível. Os preços são muito agradáveis. O preço normal, pontual, é de 6 euros. Estudantes têm o bilhete reduzido para 4,50 euros. Temos ainda um passe para 10 sessões por um preço de 45 euros, ou 35 euros para o reduzido. Também há o passe geral, para todas as actividades, sessões e horários por um custo global de 50 euros, mas se comprar até dia 9 de Novembro fica a 25 euros, pouco mais de 40 cêntimos por sessão”.

 

Entrevista: Luís Santos e António Carraco dos Reis

Publicada na edição impressa do Campeão das Províncias de 7 de Novembro de 2024