Coimbra  13 de Dezembro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Santa Engrácia abençoe Bruxelas e Coimbra

8 de Novembro 2024

Há muito que em Bruxelas se pensa em criar uma ligação mais directa e rápida, através de uma nova linha de metro (linha 3), entre a zona nordeste (Evere) e sul (Forest). Este projecto ambicioso implica, entre muitas outras coisas, a criação de uma nova estação (Toots Thielemans) na zona onde hoje se situa o majestoso – e maltratado – Palais du Midi.

O Palais du Midi é um magnífico edifício de finais do século XIX, que servia então o propósito de constituir um grande mercado coberto. A sua fachada de 165 metros ostenta um estilo arquitectónico ecléctico, recorrendo a elementos clássicos para funções decorativas, o que lhe confere a aura de imponência que domina o espaço. À época, o Palais du Midi correspondeu a um esforço para transformar uma zona até então marcada pelo caminho de ferro numa zona vibrante que trouxesse para o centro da cidade o comércio – o qual, naquela época, estava em pleno crescimento na Bélgica. Quis o tempo que o edifício viesse a conhecer novas afectações bem distintas, sendo o seu interior hoje dominado por pavilhões desportivos e por espaços de ensino, embora mantendo alguns espaços comerciais, como era propósito inicial.

Mais de 100 anos volvidos, o edifício encontra-se no centro de uma polémica desencadeada pela construção da linha 3. Embora a linha tenha sido anunciada em 2010, as obras para a sua realização só viriam a iniciar-se em finais de 2020. Desde então, a zona do Palais du Midi é um enorme estaleiro. O que prometia ser uma obra rápida no centro da cidade tornou-se um pesadelo financeiro, logístico e legal. A construção da nova estação de metro implica a construção de um túnel de cerca de 120 metros, que deveria passar por baixo do edifício, mas os construtores depararam-se logo em 2022 com surpresas (relacionadas com a antiga presença, naquela zona, do leito do rio Senne, entretanto desviado para outras partes de Bruxelas) que implicaram modificações ao projecto inicial. Afinal, o solo por baixo do edifício não permitiria a utilização das técnicas de construção originariamente previstas e avançar como pensado colocaria em risco a estrutura e segurança do edifício. Repensado o projecto, a solução passaria por desmantelar o interior do Palais du Midi, conservando apenas as suas quatro fachadas. Nem todos concordaram: o edifício tem valor arquitectónico que muitos entendem ser de preservar para além das fachadas, pelo que em 2023 foi avançado um pedido de classificação do edifício, o qual, a ser deferido, pode ter impacto sobre as obras projectadas. Em Abril de 2024 a região de Bruxelas foi finalmente chamada a pronunciar-se sobre a classificação do edifício e decidiu não avançar com o processo de classificação. Entretanto, os comerciantes da zona (ironicamente, aqueles que o Palais du Midi visava justamente apoiar quando foi concebido) e os moradores desesperam: as ruas dão para um mar de pó, buracos, escavadoras, tapumes, vedações e limitações de circulação, e ninguém ali vai se a isso não for obrigado.

O túnel do metro 3 deveria estar concluído em 2024. Mas hoje fala-se sobretudo em 2033. Uma desgraça, está visto. Mas aos bruxelenses ainda resta a explicação de ter de se fazer um túnel. E aos conimbricenses, como se explica o estaleiro em que a cidade está transformada em diversos pontos?