Como já afirmei em diversas ocasiões, ao longo da minha vida profissional tive a oportunidade de trabalhar com excelentes profissionais, onde incluo as pessoas que, durante um determinado período das suas vidas, exerceram cargos políticos. Da esquerda à direita há, como sempre houve, personalidades de elevada capacidade técnica, política, estratégica e humana, que fizeram e fazem a diferença na vida das pessoas e dos territórios. Com decisões difíceis, corajosas e de alcance multifatorial que impactam a economia, a sociedade, a saúde e a educação dos seus eleitores e de outros territórios conexos. Tenho autoridade moral para falar sem receios de amarras partidárias ou de ideologia política, porque trabalhei muito com todos eles e a todos dei o melhor de mim e às equipas que dirigi.
A propósito desta minha experiência, lembro-me de uma situação em que vários membros do Executivo e as Chefias discutiam sobre algumas particularidades do dia-a-dia da instituição, quando a mesma ficou “bloqueada” durante um longo período para se discutir se os croquetes do catering nas recepções deviam ser pequenos ou grandes. Perante a minha estupefação, durante este largo período esgrimiam-se argumentos a favor de uma e outra solução. Acabei por pedir licença, levantar-me e confessar a minha incredulidade pela situação de estarmos tanto tempo e tantas pessoas a discutir o tamanho, o preço e as vantagens do croquete grande versus o pequeno. Disse que face a tanto tempo e com tanta gente a desperdiçar talento, que o valor equivalente dos salários ali despendidos dava para uma quantidade enorme de croquetes, sejam de que tamanho e preço fossem. Passados meia dúzia de meses, não havia sequer dinheiro para croquetes, quanto mais escolher o tamanho ou outra característica.
Olhar as flores
Outra história que uma senhora, com uma idade respeitável e muito divertida me contou um dia destes, tem a ver com um político que estava num espaço público onde tinham sido plantadas umas espécies de flores que chamavam à atenção dos transeuntes. Durante algum tempo, enquanto estava no cabeleireiro, observou que esse político, fotografava com muito detalhe e frequência as ditas plantas. Sem que ninguém ousasse parar perto dele até à sua passagem, esta, no seu caminho, dirigiu-se a ele, elogiando a beleza das flores. Com toda a sofreguidão, ele lá lhe disse que eram muito bonitas e que tinha sido ele a mandar plantá-las. Com a sabedoria da experiência de vida, ela lá lhe deu os parabéns, mas que ele podia pedir a alguém para reparar a calçada que estava toda arrancada debaixo dos seus pés e que mandasse limpar a papeleira que já estava cheia há pelo menos 3 dias. Apressou-se a dizer que não era da sua responsabilidade, a condenar “os malandros dos funcionários”, mas que a flores eram bonitas. Ela encolheu os ombros, sorriu e seguiu em frente. Era apenas mais um que em vez de se preocupar com o problema que é de todos, com o bem comum, enchia o seu ego e talvez o de alguns amigos de circunstância, com umas fotografias repenicadas. Não tem mal nenhum a plantação das flores, antes pelo contrário, é mesmo muito saudável, o que está mesmo errado é a desresponsabilização da causa pública e da preservação do bem maior.
Gerir pessoas e territórios
Veem estas histórias a propósito da altura que vamos atravessar e que tem a ver com as escolhas dos melhores para gerir pessoas e territórios. Com todas as competências que os municípios aceitaram gerir, por transferência de competências da Administração Central (Educação, Acção Social, Cultura, Saúde, Desporto, Ordenamento do Território, etc), é necessário ter muito cuidado com o perfil daqueles que vamos escolher para gerirem o quotidiano do nosso território e da região, por inerência. Olhar para políticos e políticas de croquete é o pior que podemos fazer numa altura tão decisiva como esta. Início de quadro comunitário, execução de PRR, fundos estruturais europeus, habitação a custos controlados e acessíveis e tantos outros desafios, exigem de todos o máximo das suas capacidades, sem olhar a egos nem a caciquismos. A tarefa é árdua e quem tiver os melhores vai seguramente construir um território mais prestigiado e prestigiante, com mais e melhores oportunidades para os seus cidadãos e tornar o espaço numa boa oportunidade para todos.
Sou dos que pensam que tudo é passível de discussão, os argumentos políticos e outros devem ser esgrimidos até à exaustão, mas, por favor, deixem as pessoas e os territórios de fora das vossas diferenças. Todos amam a vossa terra e as pessoas que dela fazem parte, por isso não faz qualquer sentido denegrirem a imagem do território e das pessoas para atingirem os propósitos eleitorais. Negar o que é evidente à luz de todos só introduz desconfiança e reconhecer o que está bem feito enobrece e acrescenta valor ao talento.
Todos podem discutir tudo. É isso que diz o patriarca da liberdade, mas também todos têm a responsabilidade de preservar os direitos, a liberdade e a garantia dos seus concidadãos.
(*) Doutorando e investigador