O Reitor da Universidade de Coimbra tem planos sólidos e a longo prazo para o ainda recém-nascido Campus da Figueira da Foz, um projecto nascido da visão comprometida de duas entidades e dos homens que as lideram. Dentro de menos de uma década, Amílcar Falcão acredita que o Campus da Figueira da Foz da Universidade de Coimbra estará em “velocidade de cruzeiro”, potenciando “a colaboração da UC com a Comunidade Intermunicipal (CIM – Coimbra), ajudando a fazer o caminho para a criação de uma Região Metropolitana de Coimbra”.
Campeão das Províncias [CP]: “Fixar os jovens da terra, torná-la uma terra de mais saber, mais riqueza, mais produtividade, mais inovação e investigação, mais desenvolvimento e mais competitividade”. Foram estes os objectivos lançados à Universidade de Coimbra para o seu Campus na Figueira da Foz, no dia da sua inauguração. Como diria que, desde então, o processo para a concretização destas metas está a decorrer?
Amílcar Falcão [AF]: Os objectivos da Universidade de Coimbra (UC) no âmbito da criação do seu Campus na Figueira da Foz têm de ser vistos à luz de uma articulação com aquilo que o Município quer e pode fazer, e aquilo que se enquadra na missão e estratégia da UC. Pelo empenho, actividade e diálogo entre a UC e o Município, diria que o caminho está a ser feito de uma forma estruturada e sustentada.
Um projecto desta envergadura nunca seria concretizável de um dia para o outro, nem pode ser comparado, como já tenho lido e ouvido, com projectos anteriores que passaram pela Figueira da Foz. Agora, este é um projecto que irá crescendo ano após ano, havendo a consciência de que é preciso resiliência para começar algo do nada e aguentar o tempo suficiente para que se possa fazer uma balanço realista e sério (e isso, objectivamente, só acontecerá quando os primeiros formando chegarem ao mercado de trabalho).
Relembro que o Campus da UC na Figueira da Foz foi oficialmente inaugurado em 20 de Dezembro de 2022, pelo que, em menos de dois anos, já se conseguiu muito, mas temos de estar conscientes de que muito mais se conseguirá, assim tenhamos todos a lucidez de dar tempo ao tempo.
[CP]: Foi o próprio presidente da autarquia, Pedro Santana Lopes, a afirmar que sem “a visão, a abertura, a ousadia do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Amílcar Falcão, esta nova realidade na Figueira da Foz não teria sido possível”. O que levou a UC, e o seu Reitor em particular, a decidir avançar? Apoiaram-se em alguns estudos de ‘mercado’ ou em exemplos semelhantes bem sucedidos?
[AF]: À UC nunca faltaram convites para ter instalações suas em locais distintos, tanto na região, como no país, e até internacionalmente. Portanto, a escolha pela Figueira da Foz não foi um impulso do Reitor. Eu diria que convergiram no tempo vários factores que não podem ser analisados separadamente.
Sem ir muito ao pormenor, direi que ter um Presidente como o Dr. Pedro Santana Lopes foi absolutamente decisivo. Ele não queria na Figueira da Foz uma Instituição de Ensino Superior. Ele queria a Universidade de Coimbra. E isso fez a diferença, porque o compromisso é coisa a que eu dou muito valor e, até ao momento, o compromisso tem sido cumprido na íntegra por ambas as partes.
Depois, a existência do Campus da UC na Figueira da Foz cria uma linha de comunicação que, usando o próprio Mondego, potencia a colaboração da UC com a Comunidade Intermunicipal (CIM – Coimbra), ajudando a fazer o caminho para a criação de uma Região Metropolitana de Coimbra. Também a existência de um Laboratório da UC na Figueira da Foz há mais de seis anos, o Marefoz, teve um papel importante na tomada de decisão.
O Marefoz (e com ele a presença da UC na Incubadora de Mar e Indústria na Figueira da Foz) tem sido uma experiência bem sucedida e que já contempla uma rede de contactos empresariais relevantes. Acresce a tudo isto o facto de ser até bastante óbvio que a UC não poderia continuar a dar-se ao luxo de não ter uma porta para o mar. A economia azul já é actualmente muito importante, mas irá crescer de forma muito acentuada num futuro a 10, 20 ou 30 anos. E à economia azul juntam-se as alterações climáticas. Portanto, se olharmos de forma global para estes argumentos, seria um erro da minha parte não aproveitar o momento certo para fazer o movimento que foi feito.
A um Reitor não se pede apenas que faça a gestão corrente do presente. Deve exigir-se que tenha a visão para que a instituição tenha cada vez mais força no futuro. No meu caso, essa visão não se esgota na criação do Campus da UC na Figueira da Foz, mas também passa por ele.
Aspirar a atingir 250-300 alunos
[CP]: Desde que abriu portas, há menos de dois anos, o Campus da UC na Figueira da Foz já foi palco de diversos tipos de acções formativas, a nível de oferta pedagógica. A adesão, para este ano lectivo de 24/25 foi a esperada? Quantos alunos pode o Campus atingir quando estiver ‘a todo o vapor’ e quantos tem actualmente?
[AF]: É preciso ter presente que no ano lectivo anterior (2023/24), por manifesta falta de tempo para implementar cursos conferentes de grau (levam cerca de dois anos a ser criados de raiz), apenas funcionaram na Figueira da Foz várias tipologias de cursos não conferentes de grau (pós-graduações, cursos intensivos de especialização técnica, cursos para professores do Ensino Secundário, etc.) envolvendo um total de cerca de 150 estudantes. No presente ano lectivo (2024/25) lançámos os primeiros cursos conferentes de grau (uma licenciatura e dois mestrados), pelo que deveremos atingir os 200 estudantes. No próximo ano lectivo (2025/26), iremos abrir mais um novo curso conferente de grau (mestrado), pelo que aspiramos a atingir os 250-300 estudantes, dos quais a grande maioria estará em permanência na cidade da Figueira da Foz, o que também é muito interessante para a dinâmica regional e do próprio Município.
Independentemente dos números apresentados, deve ser percepcionado por todos que o pilar do Ensino é apenas um dos pilares que pretendemos implementar no Campus da UC na Figueira da Foz. O sucesso do Campus da UC na Figueira da Foz nunca poderá ser medido isoladamente pelo sucesso dos seus diferentes pilares. E os seus pilares são os pilares da UC em geral (Ensino, Investigação, e Desafios Societais). Se assim não fosse, o que criámos na Figueira da Foz não teria recebido a designação de Campus (poderia eventualmente ser um gabinete, ou, no limite, um píolo).
[CP]: Acredita que a oferta em licenciaturas e mestrados venha a crescer nos próximos anos neste Campus e, se sim, será necessariamente em áreas ligadas ao mar, economia azul, turismo, economia circular e ao ambiente, ou o próprio tecido empresarial e industrial local pode ter uma palavra a dizer na definição desta oferta?
[AF]: A oferta pedagógica no Campus da UC na Figueira da Foz não pode nunca estar desligada do seu contexto. Temos actualmente uma Licenciatura na área das Ciências (Biologia Marinha) e iremos ter outra na área das Engenharias (em preparação). Estas duas Licenciaturas são fundamentais para a criação de massa crítica que sustente a seguir a investigação e a inovação que pretendemos venham a ser desenvolvidas na Figueira da Foz. E essa investigação e inovação terão de estar associadas ao tecido social, empresarial e industrial do concelho.
Claro que iremos acompanhar a sociedade civil na criação de ofertas pedagógicas específicas, mas nesses casos dificilmente estaremos a falar de Licenciaturas. Esses patamares serão mais exigentes e, no caso de formações conferentes de grau, apenas cursos de mestrado e doutoramento poderão corresponder a esse tipo de requisitos. É expectável, por exemplo, que vá abrir um novo curso de Mestrado no Campus da Figueira da Foz em Setembro de 2025 e mais dois em Setembro de 2026, envolvendo áreas de saber muito diversas, mas com primazia na área do mar e da economia azul.
[CP]: Em que ponto está o projecto do Centro de Investigação de Alterações Climáticas? Poderá ser um novo laboratório com a força e credibilidade de um Marefoz, na sua área?
[AF]: Temos vindo a trabalhar nesse vector e esperamos ter novidades para breve. Agora, e para que fique claro, sem qualquer menosprezo pelo Marefoz, a escala do que está a ser planificado não permite sequer qualquer tipo de comparação. O que o Marefoz tem feito tem sido excelente, mas não estamos a falar de umas salas, meia dúzia de equipamentos e pouco mais de uma dezena de pessoas. Estamos a falar de um edifício dedicado e equipado para corresponder às necessidades de vários centros de investigação e muitas dezenas de pessoas, a maioria delas doutoradas ou em doutoramento. Demorará alguns anos a concretizar na sua plenitude, mas esse é o caminho. Para fazer alguma coisa que se aproxime do Marefoz, não teríamos de fazer nada, porque para isso já temos o Marefoz (não foi nem será extinto, apenas irá ser integrado numa estrutura muito maior e multidisciplinar).
[CP]: De que forma é que a Universidade de Coimbra e o tecido empresarial e industrial local estão a interagir para potenciar o crescimento mútuo e, consequentemente, da economia do Concelho?
[AF]: Tem havido muita prospecção de mercado e estamos atentos a tudo o que vai acontecendo no concelho. O Município tem feito muito bem o seu papel e, devido ao excelente relacionamento com a UC, temos vindo a posicionar-nos sempre que necessário/possível. Claro que para que a nossa actividade possa ser mais efectiva, temos de criar as instalações adequadas e recrutar gente para lhe dar corpo. E isso é um trabalho moroso que demora o seu tempo a dar resultados palpáveis. No entanto, quando avançámos para este desafio já sabíamos ao que íamos, e também não enganámos ninguém. Criar raízes em três anos (o meu mandato), consolidar em cinco, e entrar em velocidade cruzeiro em dez. É esta a cronologia, o nosso tempo para a implementação de projectos desta dimensão, e é por isso que a UC irá celebrar em 2025 os seus 735 anos de sucesso.
Entrevista: Andreia Gouveia
Publicada no caderno 250 Maiores Empresas da Figueira da Foz da edição impressa do Campeão das Províncias de 31 de Outubro de 2024