Coimbra  23 de Março de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Zona 10 km/h

25 de Outubro 2024

A circulação rodoviária nos centros urbanos é um desafio. Os automóveis são, queira-se ou não, incontornáveis. Por densa e funcional que seja uma rede de transportes públicos, haverá sempre situações em que a deslocação em automóvel é uma necessidade, quanto mais não seja porque não é possível contar com transportes públicos que nos levem a todo o lado a toda a hora a preço acessível. Assim, piorar a circulação rodoviária pode funcionar como incentivo ao abandono da viatura própria. No centro de Bruxelas a escolha das autoridades é clara: o automóvel é, hoje em dia, um vilão a tratar como tal. Proíbe-se a circulação, impõem-se limites de velocidade, suprimem-se faixas de rodagem, extinguem-se lugares de estacionamento, programam-se os semáforos de maneira incompreensível, condicionam-se os sentidos de circulação, afunila-se o trânsito numa meia dúzia de ruas que entopem a qualquer hora do dia, todos os dias – sábados e domingos incluídos. A isto acrescem as obras que esburacam a cidade numa série de pontos nevrálgicos, tornando o exercício de circular de carro penoso para lá do aceitável numa capital europeia. Sussurram os residentes entre si que este modelo faz parte da estratégia de desincentivar o uso das viaturas particulares. De facto, os mais incautos sofrem logo o castigo do seu crime, podendo levar mais de 1h para fazer 10 km. Ir a pé não seria muito diferente. Com este estado de coisas e o caos instalado, as limitações de velocidade são praticamente irrelevantes: é o próprio desenho dos trajectos que transforma numa odisseia um percurso que se diria curto. Isto é facilmente confirmado nas aplicações de navegação, onde se pode constatar que, no centro de Bruxelas, trajectos que a pé se fazem em 3 ou 5 minutos podem levar 10 minutos a fazer de carro (sem trânsito!).

De facto, o ideal belga não passa por viver em Bruxelas, antes consistindo em viver nos arredores e vir até Bruxelas, local de trabalho por excelência, em movimentos pendulares diários. Assim se entopem, diariamente, as principais artérias de circulação, fruto deste estilo de vida que dá aos belgas o primeiro lugar no pódio europeu de tempo passado em deslocações casa-trabalho. Face a este estilo de vida, não surpreende a sanha persecutória ao automóvel por parte do executivo bruxelense. Os automobilistas por necessidade, onde me incluo, são assim torturados por uma  cidade esventrada por obras e pululante de condutores que estão longe de ser os mais expeditos. O trânsito enrola-se, os cruzamentos ficam bloqueados, o semáforo que acaba de mudar para verde leva longos segundos  a ser interpretado pelo condutor que está em primeiro lugar, nada se desembaraça e os carros, camiões, eléctricos e autocarros formam um novelo gigante que faz desesperar o mais paciente dos condutores.

Há dias vi levantar a hipótese de ser imposto um limite geral de velocidade em Coimbra na ordem dos 30 km/h, dando alguém o exemplo de Bruxelas como cidade onde esse limite já foi imposto sem problemas. De facto: numa cidade onde se fazem 10 km numa hora, nenhum limite de velocidade muda nada. Agora que se aproxima o Dia das Bruxas e as coisas assustadoras estão na ordem do dia, é pegar num carro e conduzir em Bruxelas. É um pavor garantido.