Alexandre Lourenço é presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Coimbra. As apostas são na prevenção, na descentralização de cuidados, no acompanhamento contínuo dos doentes e no investimento em conhecimento e infra-estrutura. Tudo isto por mais saúde e hospitais mais libertos para respostas complexas.
Campeão das Províncias [CP]: Coimbra é referência na história dos administradores hospitalares?
Alexandre Lourenço [AL]: Eu creio que a história de Coimbra está marcada por grandes diretores e presidentes de conselhos de administração sejam eles administradores ou médicos. Não podemos ver estas organizações como sendo de um só homem. Muitas pessoas levam a saúde a bom porto. Neste momento temos mais de 10.000 profissionais e um orçamento de cerca de 1.000 milhões de euros. É uma organização muito grande, numerosa e não apenas um presidente.
[CP]: Qual o peso histórico da Medicina em Coimbra?
[AL]: A história da Medicina em Portugal é marcada por Coimbra e não estamos a falar apenas dos últimos 100 anos, vai além disso. Hoje oferecemos cuidados que mais ninguém no país consegue oferecer, a nossa área de influência compreende os 10 milhões de habitantes em Portugal. Também prestamos cuidados para os PALOP, exemplo disso é a delegação de 9 profissionais que esteve em Moçambique há duas semanas. A compreensibilidade também é um ponto nosso, temos uma Unidade Local de Saúde (ULS) que abrange todos os cuidados, desde os cuidados de saúde primários, prevenção, cuidados hospitalares muito diversificados, reabilitação (com o Centro Rovisco Pais), e cuidados no domicílio, incluindo paliativos. E estamos a alargar muito a nossa oferta. Tudo isto cria mais valor. O nosso desafio para estes próximos anos é a procura pela equidade na distribuição de acesso aos cuidados de saúde. Hoje o sucesso está na prevenção da doença. Compreendo que a percepção geral da população é de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode estar pior, mas nunca prestámos tantos cuidados nem tivemos tantos profissionais de saúde. Os dois grandes desafios do presente são o envelhecimento da população e a utilização da tecnologia que já temos e nos oferece mais, tanto na área do medicamento como em outras áreas, como na cirurgia. A expectativa dos utentes sobre o SNS também aumentou, a digitalização trouxe uma maior agilidade de utilização da tecnologia no quotidiano mas, curiosamente, a mesma fluência não se verifica na utilização dos mesmos meios para contactar o hospital ou o centro de saúde. Ao contrário de outros setores, temos uma grande dificuldade em oferecer serviços de saúde e em manter o relacionamento com o utente através do seu telemóvel, e estamos a trabalhar para melhorar a forma como as pessoas utilizam o sistema de saúde. Há muito a melhorar. Darmos respostas adequadas às carências da população é essencial, apesar do desfasamento entre as necessidades e as expectativas dos utentes sobre o que oferecemos. O caminho para o futuro é o estreitamento desta distância.
[CP]: Como surge este modelo de ULS?
[AL]: Tenho mais de 10 anos como consultor da Organização Mundial de Saúde e vejo que este modelo é o que tem sido preconizado, um pouco por toda a Europa. A ineficiência do sistema fragmentado entre centros de saúde e hospitais dificulta e atrasa o atendimento dos utentes, tornando a experiência do utente confusa e o sistema ineficiente. Esta nova organização procura encontrar soluções para um percurso linear e contínuo de cuidados para o doente.
[CP]: O que trouxe esta mudança?
[AL]: Não é em 11 meses que conseguimos sentir uma grande diferença. Os cuidados de saúde de Coimbra são únicos no país, não pode existir qualquer dúvida sobre isso, e continuam a liderar a Saúde em Portugal. É evidente que existem algumas deficiências. O objectivo do Serviço Nacional de Saúde é garantir cuidados universais e equitativos no país. O nosso papel é garantir que em Coimbra todas as pessoas têm acesso, com equidade, a serviços de saúde. Coimbra não tem razão para falhar porque tem o intelecto, o equipamento e as pessoas. Os maiores limitadores deste modelo são a vontade ou a fragmentação das organizações. A nossa organização abrange uma grande diversidade de áreas necessárias para o nosso trabalho, sendo que a única componente que carece de maior desenvolvimento é a integração entre a saúde e a componente social, em particular a acção social. Um exemplo duma área em que estamos a trabalhar é o percurso clínico integrado para os doentes com diabetes. Já temos 4 unidades de saúde familiar (USF), em piloto, a acompanhar diabéticos com maior parceria com o hospital, o que permite fazer um contínuo, com maior acompanhamento do médico de família e do médico hospitalar. Estamos também a montar um centro de monitorização remota que permite seguir o doente à distância, sustentado por algoritmos. Esta modalidade já serve perto de 300 utentes. Alguns dos contactos telefónicos são garantidos por um robô e a reação das pessoas está a ser positiva, sentem a atenção e algumas nem se apercebem que não é uma pessoa real que está do lado de cá, agradecendo a simpatia. Em caso de apresentação de algum dado clínico anómalo, é ativado um profissional de saúde que contactará o doente proactivamente para prosseguir os cuidados. O nosso objectivo é chegar a 37.000 diabéticos.
[CP]: Esta organização veio para ficar?
[AL]: As orientações nacionais são para estabilizar este modelo. No contexto nacional vamos avançar a várias velocidades, mas o grande foco está em evitar a doença. No caso de Coimbra, este modelo dá-nos liberdade para implementar um conjunto de acções muito específicas de acordo com as necessidades das populações. Estamos a implementar unidades de oftalmologia em proximidade para retinografia, essenciais para despistes de cegueira. Também temos o alargamento e difusão do programa de feridas complexas, a partir de um modelo desenvolvido no Hospital de Cantanhede. O objectivo é distribuir pontos de cuidados e serviços próximos da população. De Mira ou da Pampilhosa da Serra a Coimbra, um doente demora mais de uma hora em transporte individual e muito mais de transportes públicos: isto sustenta a necessidade de descentralizar serviços para bem das comunidades. A dinâmica hospitalar também sai a ganhar, evitando que se compliquem os estados de saúde e a necessidade de cuidados hospitalares. Queremos reduzir em 50% o número de idas às urgências e internamentos de doentes com diabetes. O foco está em manter as pessoas mais saudáveis para os recursos hospitalares estarem disponíveis para a actividade mais diferenciada e para os casos mais complexos.
[CP]: Como está a ser a aceitação local?
[AL]: Há sempre desafios. Percebemos que, pela primeira vez, os presidentes de Câmara começaram a sentir-se envolvidos. Felizmente conseguimos contratar 17 médicos de família em Setembro. Esta medida resolveu cerca de metade dos casos de utentes sem médico, mas ainda são cerca de vinte mil. Queremos, em dois anos, ter uma cobertura total. Para a contratação destes profissionais tivemos a ajuda dos autarcas, na sensibilização, organização de recursos e identificação de pessoas. As comunidades são diferentes e com muitas especificidades. Vamos criar um conselho intermunicipal, para aconselhamento do Conselho de Administração. É um alinhamento de todas as forças para a população ter melhor saúde.
[CP]: O SNS tem enfrentado dificuldades com vários constrangimentos no funcionamento de serviços. Coimbra tem conseguido ser a excepção?
[AL]: Coimbra também passou por muitas dificuldades, mas temos clínicos muito dedicados e qualificados. Cerca de 7% dos nossos médicos são doutorados e há um comprometimento dos nossos profissionais que resulta neste bom nível de resposta. A relação com a Universidade é muito importante. Temos cerca de 1.200 estudantes de medicina diariamente connosco, 837 médicos internos e somos a entidade que mais forma médicos especialistas para o SNS. Articulamos com a Academia além da saúde. Estamos a alargar a colaboração com ciências de dados, robótica e engenharia industrial, para o desenvolvimento dos serviços no futuro. O investimento é fundamental. O edifício do Hospital Geral, nos Covões, entristece-nos pelo seu estado e preparámos um grande investimento que trará a gastroenterologia de ambulatório e a construção de clínicas para a área da diabetes, insuficiência cardíaca, doenças crónicas respiratórias, uma unidade da área de envelhecimento activo e saudável com respostas como ortogeriatria com internamento e cirurgia robótica. A maternidade representa um investimento de 50 milhões de euros e queremos lançar o concurso de empreitada em Fevereiro de 2025 com o intuito de iniciar a obra antes do final do ano.
Lino Vinhal/António Carraco dos Reis