A Rua Léopold fica situada no centro de Bruxelas, junto à extensa zona pedonal que faz do centro da cidade a maior zona urbana sem carros do mundo. A rua é discreta, dir-se-á mesmo menor, ladeada por alguns edifícios pouco apelativos e, até há bem pouco tempo, sem nada que chamasse particularmente a atenção. Porém, desde Junho deste ano que há boas razões para prestar mais atenção às paredes desta rua. Mesmo em frente ao n.º 25, um rosto feminino olha-nos, com um ar calmo mas interpelante, gravado na própria parede, numa extensão que nos prolonga o olhar até por volta dos 10 metros de altura. O estuque do muro, cuidadosamente desbravado, releva-nos assim o que não podíamos imaginar que lá estava. Um escultor faz aparecer a obra tirando a pedra que está a mais, na certeza de que, removendo o excesso, a obra por ele imaginada se há-de revelar a todos. Na Rua Léopold, a arte fez surgir um rosto onde os transeuntes antes apenas podiam ver uma parede. Encostadas ao lado direito, a um pouco menos de meia altura, cinco letras dão nome ao artista: Vhils. A capital belga junta-se assim à já extensa lista de cidades do mundo (onde se incluem Los Angeles, Moscovo, São Paulo, Hong Kong e, inevitavelmente, Lisboa) que beneficiam do trabalho deste extraordinário artista, que com uma técnica apurada e muita criatividade gerou um trabalho inconfundível, com uma marca fortíssima pelo mundo.
Não muito longe dali, a uns 20 minutos a pé, junto ao canal, o museu Mima (‘Millennium Iconoclast Museum of Art’) apresenta a exposição “Multitude”, dedicada à obra de Vhils. Além dos inevitáveis murais, a exposição mostra diversas outras facetas de Alexandre Farto, o artista português crescido no Seixal e mais conhecido por Vhils. A escolha de rostos para esculpir não é um acaso. “O trabalho nasce mesmo como uma crítica à desumanização da urbe”, dizia Vhils não há muito tempo em entrevista à RTP, “e é nesse escavar, de ir à entranha da cidade, que eu tento procurar a humanidade que se perdeu”. O uso das paredes e do espaço público como base de trabalho é, com Vihls, transformado numa elevada forma de arte. As paredes do espaço público são de cimento, tijolo, estuque, mas também de papel de anúncios publicitários, de cartazes de prostesto, de propaganda política, de grafitti, de novas camadas de estuque. Em vez de acrescentar, Vhils decidiu começar a tirar e a relevar o que estava por baixo, escondido. Com cinzel, martelos, escopos e nalguns casos até explosivos, Vhils descasca as paredes, revela camadas sobre camadas e por baixo delas e entre elas nasce a obra.
Coimbra já contou com exposições que integram obras do artista, a mais recente em 2023, no âmbito da exposição “POSE”. Não incidia especificamente sobre a obra do artista, porém. A “Multitude”, aberta desde 28 de Junho de 2024 e em exibição até 5 de Janeiro de 2025, é um magnífico convite à reflexão sobre o espaço urbano e sobre a pessoa no mundo anónimo da cidade. Vhils é uma referência mundial da arte urbana. Será que podemos aspirar a que Vhils ajude a descobrir um rosto algures numa parede de Coimbra?