No dia 26 de Setembro comemora-se o Dia de São Cosme e São Damião – padroeiros da profissão farmacêutica – motivo pelo qual a Ordem dos Farmacêuticos assinala nessa data o “Dia Nacional do Farmacêutico”. A pretexto desta comemoração, que decorrerá em Coimbra, o Campeão das Províncias falou com a Dr.ª Anabela Mascarenhas, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Farmacêuticos.
Campeão das Províncias [CP]: Como é que vai decorrer a comemoração do Dia Nacional do Farmacêutico?
Anabela Mascarenhas [CP[: Começando com uma curiosidade, o Dia Nacional do Farmacêutico foi instituído em 1989 sobre o dia de São Cosme e São Damião, os padroeiros da profissão farmacêutica. As comemorações deste dia rodam entre as três Secções Regionais da Ordem dos Farmacêuticos, sendo que este ano cabe à Secção Regional do Centro. A iniciativa acontecerá no dia 26 de Setembro, no Convento de São Francisco, a partir das 16h30. Entre os convidados destacamos o conferencista Richard Zimler, escritor norte-americano, já naturalizado em Portugal. Zimler usará da palavra em torno da história, da repetição dos erros do passado no futuro, mas há margem para boas surpresas, sendo que o tema ficou parcialmente aberto. Além desta conferência, haverá momentos de homenagem para farmacêuticos com 50 anos de exercício, com medalhas de honra e, ainda, a entrega dos Prémios Sociedade Farmacêutica Lusitana aos jovens farmacêuticos que concluíram a sua formação académica com excelência. É uma comemoração inclusiva e uma cerimónia grandiosa.
[CP]: Já pensou na mensagem que vai dirigir nesse dia aos seus colegas farmacêuticos?
[AM]: A mensagem não será muito diferente das anteriores, focará o essencial que é enaltecer o trabalho feito pelos colegas no âmbito da saúde pública, e incentivar a continuidade da dotação de ferramentas aos colegas para que eles continuem neste trabalho difícil, muitas vezes escondido e muito diverso.
[CP]: Quando falamos em farmacêuticos pensamos logo nas farmácias, mas a profissão tem várias especialidades?
[AM]: Se olharmos para os nossos colegas farmacêuticos hospitalares que neste momento estão com uma carreira mais desenvolvida e com esforços notáveis, muitas vezes não conseguimos perceber onde é que eles estão, nem o que fazem. A verdade é que quando vamos parar a um hospital, tudo está preparado, doseado, agendado e ordenado e esse trabalho invisível é feito por um farmacêutico hospitalar que muitas vezes está escondido e sem as condições adequadas. O farmacêutico comunitário tem um maior contacto com o público e é, por isso, mais conhecido e reconhecido pelo seu trabalho. Cerca de 60% dos farmacêuticos estão nas farmácias, logo a seguir, por ordem de grandeza, temos os colegas que estão nos hospitais, outros estão nas indústrias, há-os ainda nas análises clínicas e até em áreas tão diferentes que nem associamos. Estes últimos podem estar, por exemplo, nas análises de águas, no ensino, na bromatologia, entre tantas outras áreas.
[CP]: A Secção Regional do Centro da Ordem dos Farmacêuticos está comprometida com vários projectos e entidades. Um deles é com o envelhecimento activo e saudável.
[AM]: Sim. No âmbito do envelhecimento activo e saudável, os doentes polimedicados são uma preocupação grande e antiga, e há um papel fundamental feito pelos colegas com variadíssimas ferramentas e com o natural apoio da Ordem dos Farmacêuticos. Exemplo disso é o trabalho feito nas consultas de revisão, reconciliação, da medicação e a sua preparação individualizada. Este acompanhamento melhora a adesão à terapêutica dos utentes e diminui os desperdícios. No presente estamos também envolvidos com a vacinação sazonal, uma vez que os farmacêuticos vão estar novamente no programa de vacinação contra a Covid e a gripe. Neste ponto lamentamos que as pessoas de 85 anos estejam obrigadas a serem vacinadas num centro de saúde. Na minha opinião não seria necessário até para evitar grandes deslocações e tempos de espera em áreas geográficas mais pobres e onde só têm uma farmácia perto de si. Temos até recebido testemunhos de utentes compreendidos nesta faixa etária, que no ano passado foram vacinados na farmácia e, que este ano, não querem ser vacinados pelo esforço adicional.
[CP]: As Farmácias, actualmente, não vendem apenas medicamentos, mas toda uma gama de produtos e prestam vários serviços. Como está o panorama das farmácias comunitárias?
[AM]: As farmácias vendem uma grande gama de produtos, naturalmente, mas prestam serviços à comunidade. Actualmente há uma grande preocupação dos farmacêuticos comunitários para a prevenção, uma vez que apesar do aumento da esperança média de vida, a qualidade de vida dos mais velhos não a está a acompanhar. Não é isso que se pretende. Tentamos antecipar alguns problemas, nomeadamente relacionados com a hipertensão, diabetes, riscos cardiovasculares. Este trabalho desempenhado diariamente por farmacêuticos está a melhorar a qualidade de vida destes idosos.
[CP]: Os medicamentos estão muito caros?
[AM]: Não, francamente acredito que os medicamentos estão baratos. Isto é, graças às comparticipações de medicamentos mais clássicos e básicos alguns até ficam gratuitos para os utentes. No fim das contas não são baratos, mas tornam-se aparentemente baratos, uma vez que o Estado suporta uma parte muito significativa dos custos. Isto é o mesmo que dizer que todos nós suportamos esses custos através dos nossos impostos. Alguns medicamentos mais inovadores são mais caros, o que é natural, mas felizmente não são muitos os utentes que estão a consumir esta medicação e os que têm grandes têm grandes carências económicas podem contar com apoio de estruturas de base. Exemplo destas entidades é a Abem.
[CP]: A Farmácia é um sector que tem recebido bastante investimento na modernização e inovação.
[AM]: Sim. Essa modernização começou na distribuição e temos em Coimbra o exemplo da Plural que há imenso tempo está robotizada. Há também farmácias que investiram em robôs. São uma grande ajuda e, ao contrário da crença popular, não tem contribuído para a diminuição de oportunidade de trabalho para mão-de-obra. Neste momento o mercado está carente de profissionais, tanto nas farmácias comunitárias, como na investigação, indústria e até nos hospitais, apesar de não se abrirem candidaturas sempre que é necessário. A formação é pesada, os investimentos pessoais dos profissionais são custosos e no fim do dia é triste ver colegas de valor a saírem do país porque o que lhes é pago em Portugal é pouco quando comparado ao que merecem e vão ganhar lá fora. Isto aplica-se à Saúde no geral, há muito investimento e pouca valorização.
[CP]: Como é a relação da Secção Regional com a Faculdade de Farmácia de Coimbra, que forma os futuros profissionais?
[AM]: A Secção Regional do Centro tem uma óptima relação com a Faculdade de Farmácia de Coimbra e não só, também a tem com a Faculdade de Farmácia da Covilhã. Para já são as duas que temos na zona Centro, não sabemos se aparecerá mais alguma. Temos desenvolvido várias iniciativas em comum. Por exemplo, em Outubro, na Covilhã, com a Universidade da Beira Interior, vamos ter um evento relacionado com a saúde mental. Este evento não é motivado apenas pelas preocupação com os mais idosos, mas também com os estudantes que têm apresentado ainda algumas sequelas relacionadas com a pandemia e à dependência do digital, que tem prejudicado as vivências mais tradicionais e de contacto pessoal.
[CP]: O curso de Ciências Farmacêuticas é exigente?
[AM]: É preciso gostar. Para quem gosta de química, de física, de biologia, algo de matemática, vai para o curso certo. Como vimos, é uma carreira com muitas oportunidades. Aproveito para fazer aqui uma chamada de atenção. Temos alguns recém-licenciados que procuram a Ordem, mas só poderão fazer parte dela depois do Mestrado em Ciências Farmacêuticas, porque a Ordem abrange todas as áreas e não só farmácia. Assim sendo, a Licenciatura em Farmácia ou Análises Clínicas carece deste upgrade do mestrado para entrar na Ordem. Tal como os médicos, por exemplo, não basta fazer o percurso académico para ser considerado farmacêutico e exercer cargos específicos, é necessária a inscrição na Ordem.
[CP]: Quais são os desafios futuros para os farmacêuticos?
[AM]: Este mundo está em constante transformação. O utente deve encarar o farmacêutico como o gestor da sua medicação. Estes profissionais acompanham-nos ao longo das diferentes fases da vida, proporcionando um papel fundamental no nosso processo de amadurecimento e envelhecimento, especialmente diante dos desafios de saúde que enfrentamos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) está particularmente preocupada com o fato de cerca de 50% dos doentes crônicos não aderirem adequadamente à medicação prescrita. É essencial que os farmacêuticos estejam profundamente envolvidos na gestão da medicação, promovendo o uso correto e eficaz dos tratamentos.
Luís Santos
Entrevista publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 20 de Setembro de 2024