Os economistas Ricardo Ferraz e Pedro Brinca
A menos de um mês da entrega do Orçamento do Estado para 2025 (OE/2025) na Assembleia da República (AR), estão em curso reuniões entre o Governo da AD e os partidos da Oposição. O que podemos esperar, no actual contexto político, das negociações e do ponto de vista económico, quais os pontos mais delicados?
O “Campeão das Províncias” ouviu dois economistas que nos antecipam um possível cenário económico-financeiro e analisam os prós e contras que estão em cima da mesa, caso o documento não seja aprovado.
O economista e professor universitário, Ricardo Ferraz, começa por dizer que embora lhe pareça “improvável” um acordo entre PSD/CDS e o PS, “o cenário mais provável é o da aprovação do OE 2025 com os votos favoráveis do PSD e do CDS e a abstenção do PS”. Ao que tudo indica, a proposta de Orçamento “trará medidas positivas para um conjunto alargado de beneficiários, daí que o Governo esteja a ser acusado de ‘eleitoralismo’ pela Oposição, logo parece-me improvável que um partido moderado, como o PS, vote contra essa proposta provocando o seu chumbo. O eleitorado não iria compreender”.
Quanto aos desafios e prioridades, o também investigador no ISEG e docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)/Universidade de Lisboa lembra que a proposta de lei do OE/2025 será entregue daqui a cerca de um mês (10 de Outubro) no Parlamento. “Só nessa altura o conheceremos. Confesso que gostaria de ver um documento que estivesse, em grande medida, focado na redução dos impostos do trabalho e na melhoria da qualidade dos serviços públicos, principalmente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É o que tenho defendido ao longo dos anos”, salienta.
Ricardo Ferraz realça que, apesar de o Governo não ter apoio maioritário na AR, “ainda assim tem a ‘faca e o queijo na mão’. A política orçamental é expansionista, o que beneficia quem está no poder. Por outro lado, à esquerda não existe maioria. Se eventualmente o OE/2025 fosse chumbado, e tal conduzisse a novas legislativas, é bastante provável que o PSD e o CDS aumentassem a sua representação parlamentar. Não obstante esta realidade, parece-me óbvio que o Governo não poderá cair no erro de adoptar uma postura arrogante. É dele que tem de partir, com toda a humildade, a procura por consensos com os vários partidos”.
O economista não acredita num cenário de chumbo do OE. Contudo, admite que “há riscos”, mas que “estão relacionados com a discussão na Especialidade, e penso que o Governo tem noção disso”. “Após a aprovação na Generalidade, podem surgir maiorias improváveis que aprovem propostas de alteração de elevado impacto orçamental que coloquem a sustentabilidade das contas públicas em causa”, adianta.
Ricardo Ferraz diz que, na primeira metade deste ano, a economia portuguesa cresceu 1,5%, mais do dobro da média da Zona Euro. “Não obstante a elevada incerteza que existe, é praticamente certo que o ano de 2024 será sinónimo de convergência económica para Portugal, o que é positivo. Agora temos de ter noção que a média da Zona Euro é baixa e que quando os grandes motores da economia europeia voltarem a arrancar há o risco de ficarmos para trás. E só se o Governo for efectivamente reformista, procurando alterar sob o ponto de vista estrutural a nossa economia, é
que evitaremos o pior”. E isso, na opinião do professor universitário, significa uma “preocupação elevada com temas como a produtividade e a competitividade, que são incontornáveis para o nosso desenvolvimento económico”.
Pontos decisivos nas negociações
Pedro Brinca, professor de Economia da Nova SBE, com raízes em Coimbra, considera ao “Campeão”, que há dois pilares de discórdia entre as propostas do Governo (AD) e do PS: o IRC e o IRS Jovem. “Na questão do IRS não me parece que haja grandes diferenças, a proposta do PS tem um alívio maior para os escalões mais baixos e um alívio marginal para os mais elevados. Já o Governo tinha um alívio mais proporcional ao longo dos escalões de rendimento”, explica. Onde a divergência “é dramática é no IRS Jovem e no IRC”, duas áreas, lembra, em que o PS e o BE “são visceralmente contra”.
No que respeita ao IRS Jovem, “a questão do PS é meramente matemática, chamando a atenção para o facto de os jovens já pagarem pouco IRS, porque a maioria tem salários próximos do ordenado mínimo”. Na sua opinião, os socialistas “vão incidir sobre o ponto dos jovens que ganham salários muito elevados. E, como sabemos, o PS tem alguns problemas ideológicos com vencimentos altos”.
No IRC “há um choque de paradigmas”, salienta, recordando que “o PS tem uma visão mais dirigista e estatista da economia” e que o partido de Pedro Nuno Santos defende que “devemos manter as taxas estatutárias de IRC e IVA bastante elevadas e depois o alívio é dado através de deduções e benefícios fiscais”. Pedro Brinca lembra que Portugal é dos países do mundo que tem uma maior diferença entre a taxa estatutária (que vai até aos 31,5%) e a taxa efectiva, que é realmente cobrada. “Temos um código de IRC extremamente complexo, repleto de excepções e em que as empresas gastam muito mais dinheiro a navegar em todo esse complexo jurídico e a adaptar as suas decisões de gestão a esses benefícios, do que propriamente estarem concentradas em desenvolver a sua actividade”, lamenta o economista.
O professor da Nova SBE considera, por outro lado, que “a visão do PSD é diferente, quer baixar as taxas estatutárias e aumentar a base, que basicamente passa por eliminar uma boa parte dos benefícios e deduções. Isto é a intenção”. Uma opção que, reconhece, “tem implicações orçamentais”, sendo que “não é sério falar de cortes de impostos se não falarmos de como é que são financiados e é óbvio que um corte das taxas de IRC vai levar a uma perda de receita fiscal”. Sublinha que, neste caso, “a economia teria de dar uma resposta muito forte para que essa perda de receita fosse relativamente pequena. Nas minhas previsões, se essa queda de IRC fosse feita toda (até aos 15%), estávamos a falar de uma perda de receita anual, de longo prazo, de cerca de 1000 milhões/ano. E é preciso ir buscar este valor a algum lado”. É por tudo isto, sustenta, que este “é um tema fracturante um momento negocial porque reflecte duas visões políticas completamente diferentes”.
Pedro Brinca assegura que o maior impacto da descida do IRC “não é o da mera descida das taxas” sendo que importa “que não voltem a subir. E este é o grande problema, porque o enquadramento político que este Parlamento tem não permite credibilidade para quaisquer medidas, ou seja, a capacidade destas medidas serem mantidas no tempo”. E dá um exemplo: “quem quer investir em Portugal, quer fazê-lo a longo prazo e se achar que este Governo é débil e corre o risco de cair, não investe. Na minha opinião, e dado o Parlamento que estas legislativas produziram, eu teria preferido uma descida do IRC mais modesta, com mais garantias de que pudesse ser prolongada no tempo. Caso contrário, o efeito que a descida do IRC vai ter é meramente contabilístico”.
Nesta perspectiva, Pedro Brinca não tem dúvidas de que há três áreas onde seria essencial haver convergência: Justiça, Habitação e a Fiscalidade. E apesar de todas as diferenças que existem entre o Governo e o PS, Pedro Brinca considera que “existe uma probabilidade de o Executivo conseguir fazer aprovar o documento”.
“Faltam mudanças profundas”
Portugal deverá registar um crescimento de 1,7% em 2024 e de 1,9% em 2025. As estimativas são da Comissão Europeia, divulgadas em Maio passado.
Segundo as previsões de Bruxelas, “o crescimento económico em Portugal deverá registar uma nova moderação em 2024, antes de voltar a aumentar em 2025, impulsionado pelo consumo privado e pelo investimento”. A Comissão estima também que a inflação prossiga a sua trajectória descendente e que as taxas de emprego e desemprego se mantenham relativamente estáveis.
O economista Pedro Brinca corrobora que as previsões do crescimento económico “têm sido feitas em altas”, com um crescimento quer em 2024 quer em 2025 numa média de 2% ao ano. Se olharmos para os países europeus que estão no nosso escalão de rendimento, Portugal está destacado em último”. Neste sentido, considera que “faltam mudanças profundas para colocar Portugal a crescer ao ritmo de outros países do seu nível de rendimento e que estão a crescer no espaço europeu”.
Ana Clara (jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Notícia publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 12 de Setembro 2024