Anualmente, 120 pessoas idosas, do distrito de Lisboa, recebem a visita da “Associação Mais Proximidade” (AMP). O projecto pretende combater o isolamento e solidão em que estes vivem e promover a saúde, bem-estar e qualidade de vida no domicílio. A esta missão junta-se ainda a de realizar os sonhos daqueles que, antes de partir, querem apenas concretizar desejos antigos, como visitar o Estádio da Luz, dar um passeio de Tuk Tuk, ou ir ao Santuário de Fátima.
“Nós sabemos que a solidão mata. Atrás da solidão e isolamento vêm os sentimentos de depressão, ansiedade e de falta de auto-estima e valorização pessoal que, depois, agem como se fossem uma bola de neve em relação a todos os outros problemas, nomeadamente, a saúde”, explica a directora técnica da AMP, Maria João Xavier, em declarações ao “Campeão das Províncias”. É nesse sentido que a instituição trabalha: na luta contra esta problemática que afecta centenas de idosos na zona de Lisboa.
Inicialmente, o projecto nasce associado à Igreja de São Nicolau, contudo, após identificarem que “estas pessoas [idosos] moravam na capital, em pleno século XXI, mas não tinham qualquer rede de suporte”, a AMP assume-se como uma associação independente que pretende colmatar a escassez de respostas junto da população mais velha. “As instituições ainda não estão preparadas para combater a solidão e o isolamento como uma problemática principal. Normalmente, combatemos aquilo que chamamos de ‘necessidades básicas’, ou seja, a higiene e a alimentação, mas deixamos para trás a questão da companhia e do sentimento de segurança como se fossem factores secundários”, alerta Maria João Xavier.
Ir ao encontro das pessoas
A AMP distingue-se pelo seu plano de desenvolvimento individualizado, isto é, ao contrário do que acontece num lar, – que obriga à deslocação do idoso -, neste projecto é a equipa técnica que vai ao encontro das pessoas. “Assim que conhecemos alguém, nós precisamos de saber o nome, a morada e o contacto telefónico. A partir daí, começamos a estabelecer a relação com aquela pessoa”, descreve a directora técnica.
A prioridade passa por perceber as necessidades de cada indivíduo, bem como avaliar as suas potencialidades. Uma busca que já deu frutos, permitindo alargar as linhas de intervenção da associação. “À medida que fomos conhecendo as pessoas, fomos percebendo que a área da saúde era determinante. Era também uma vertente muito rejeitada pelos próprios idosos e, por vezes, pelos serviços”, confessa a responsável. Desta forma, e ao encontrar pessoas que não eram acompanhadas por um médico, a AMP decidiu adicionar, ao combate à solidão e isolamento, a linha da saúde e bem-estar. “Se for preciso, acompanhamos ao médico, levamos a fazer exames e análises, vamos à farmácia e organizamos a medicação para que a saúde esteja estável”, revela Maria João Xavier.
Além disso, o projecto intervém ainda na qualidade de vida ao domicílio, fazendo a ponte entre as pessoas e os serviços. “De facto, a nossa sociedade está cheia de serviços para idosos, mas qual é o problema? É a forma como as pessoas não têm como aceder aos mesmos. Percebemos que isso era uma lacuna enorme”, expõe ainda.
Idosos são os mais afectados pelo idadismo
Actualmente, com uma equipa técnica activa, e mais de 46 voluntários, a AMP aposta também na sensibilização junto das gerações mais jovens. O projecto conta, assim, com uma campanha que chama a atenção para o idadismo, ou seja, o preconceito com a idade. “A geração mais afectada com o idadismo é, precisamente, a população idosa”, revela Maria João Xavier.
Nesse sentido, a associação desloca-se até às escolas e faz sessões sobre mitos e verdades em relação ao envelhecimento. Crenças como “burro velho não aprende línguas” ou “os idosos não têm relações sexuais”, que a AMP desmistifica junto dos mais novos. “É dramático ver a quantidade de crianças que continua a achar que, quando envelhecemos, ficamos mais vulneráveis; que os filhos podem tomar conta da pessoa idosa e decidir por ela; que os idosos não têm o direito de se apaixonar (…)”, lamenta.
Preconceitos que, de acordo a responsável, só vêm contribuir para que estas pessoas se sintam mais sós. “Há a vergonha, o medo de errar, a vontade de não se juntarem com os mais novos, porque estes acham que sabem tudo (…) A questão da tecnologia e desta era mais digital criou um fosso muito grande entre as gerações extremas, portanto, entre os mais novos e os mais velhos”, admite, acrescentando que “se, antigamente, uma criança considerava o seu avô um sábio, hoje em dia, acha que o avô não percebe nada, porque não mexe na tecnologia como ela”.
Realizar os últimos sonhos
Dentro das campanhas da AMP, existe uma particularmente especial para os idosos: o “Crowdfunding de sonhos”. Neste espaço, o projecto identifica quais os desejos que os seus beneficiários gostariam de realizar antes de partir para que todos, enquanto sociedade, possam contribuir para que se torne possível. O valor a atingir está descrito ao lado de cada sonho, bem como a fotografia da pessoa que o quer alcançar. O mais pequeno contributo pode ajudar a concretizar ambições tão simples como andar de Tuk Tuk por Lisboa, voltar ao sítio onde cresceram ou visitar o Santuário de Fátima.
A ideia surgiu quando Maria João Xavier ouviu uma senhora, que já acompanhava há oito anos, dizer que não queria morrer sem visitar o Estádio da Luz. A responsável guardou essa informação na sua memória, e na preparação do aniversário da idosa, falou com a Fundação Benfica e encontrou uma forma de patrocinar a tão desejada visita ao estádio. “Aquilo teve um impacto tão grande na vida daquela pessoa que, na altura, pensámos ‘temos de fazer disto um projecto’”, recorda. Assim foi. Desde então, a iniciativa tem vindo a dar cor à vida de centenas de séniores. “É óbvio que as pessoas podem continuar a sonhar aos 80 ou 90 anos”, salienta ainda.
Este é apenas mais um exemplo que comprova a importância que as doações assumem no trabalho da AMP. “Qualquer tipo de ajuda irá sempre contribuir para que estes 120 beneficiários tenham uma melhor qualidade de vida”, refere Maria João Xavier. Algo para o qual a responsável chama a atenção, numa altura em que se ambiciona fazer crescer a esperança média de vida. “Nós queremos aumentar a esperança média de vida, mas não nos podemos esquecer que isso tem de ser feito com qualidade. Não podemos só dar mais anos, temos de dar mais vida aos anos”, conclui.
Cátia Barbosa (Jornalista do “Campeão” no Porto)
Texto publicado na edição em Papel do Campeão das Províncias de 5 de Setembro de 2024