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Grupo de psicólogos já apoiou centenas de ucranianos em Portugal

10 de Agosto 2024 Jornal Campeão: Grupo de psicólogos já apoiou centenas de ucranianos em Portugal

Os primeiros socorros psicológicos são técnicas de intervenção no âmbito da psicologia de emergência, que têm como objectivo minimizar o impacto de situações de crise nas populações. É também a este método que recorre o “Capacetes Laranja”, um projecto que tem vindo a apoiar a comunidade ucraniana em Portugal. Nos últimos dois anos, a iniciativa deu resposta a centenas de pessoas que viram o seu país em guerra. Uma realidade que pode ter consequências devastadoras no que diz respeito à saúde mental.

“Muito sofrimento. O nosso país é a nossa casa, a nossa cultura. Muitas pessoas sentem-se impedidas de voltar, porque ainda sentem que há perigo” – explica a coordenadora do “Capacetes Laranja”, Ana Carina Valente, em declarações ao Campeão das Províncias. Palavras que transmitem o que a psicóloga sentiu quando se apercebeu daquilo que estava a acontecer na Ucrânia. Um ano antes, – e por conta da pandemia por covid-19 -, já tinha lançado uma iniciativa para auxiliar os profissionais de saúde. Em 2022, aquando o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, percebeu que tinha de a alargar também à população ucraniana. É dessa ambição que nascem os “Capacetes Laranja”.

“Demos apoio à comunidade ucraniana que já vivia em Portugal, mas não só. Dado que somos um país de acolhimento, também apoiámos as pessoas que, depois de se iniciar a guerra no seu país, vieram para Portugal. Além disso, também tivemos pedidos por parte de ucranianos para ajudarmos as suas famílias que ainda se encontravam no seu país de origem”, recorda Ana Carina Valente.

Resposta chegou ao estrangeiro

Com o número de pedidos de ajuda a aumentar, também a equipa do projecto foi crescendo. Actualmente, são vinte os psicólogos que integram os “Capacetes Laranja”. E se, numa fase inicial, a ideia era intervir em situações de crise, com o passar do tempo, a iniciativa foi-se apercebendo de que havia casos que necessitavam de um acompanhamento regular. Alguns, inclusive, tiveram de ser devidamente encaminhados para hospitais ou psiquiatria.

“Lembro-me sempre do caso de uma senhora com quem falei, logo nos primeiros dias, que tinha visto na televisão o prédio onde vivia a sua família completamente destruído. Estava desesperada, porque não conseguiu ter notícias dos seus familiares durante alguns dias. Estas são situações que causam, de facto, muita angústia”, lembra a responsável. Por esse motivo, muitas vezes, uma ou duas sessões não são suficientes, havendo até quem precise de ser acompanhado durante meses.

Cerca de dois anos após o início do projecto, os pedidos continuam a chegar, mesmo que em menor número. De acordo com a coordenadora, a forte procura deve-se ainda ao facto de, na equipa, existir uma psicóloga que fala russo; e outra, que fala ucraniano, o que faz com que o “Capacetes Laranja” ofereça, desde a sua génese, respostas que não existem noutros locais. “Tivemos pedidos a nível individual, mas também de muitas instituições de norte a sul do país, que estavam a receber famílias ucranianas e que não lhes conseguiam dar resposta porque não falavam a língua”, conta. Esta possibilidade diferenciadora, – aliada ao facto de o acompanhamento ser feito por videochamada -, fez com que a iniciativa chegasse além-fronteiras. “Nós acompanhámos uma senhora, que era amiga de uma família que veio para Portugal, mas que tinha ido para outro país. Lá, ela não tinha o apoio de que precisava e fomos nós, em Portugal, que lhe demos essa resposta”, adianta ainda.

Acolher para minimizar a dor

Ao todo, desde a sua criação, o “Capacetes Laranja” já ajudou a melhorar a vida de centenas de ucranianos. Agora, o que acontece é que “algumas pessoas que foram acompanhadas por nós no início do projecto, se necessitam, voltam a procurar a psicóloga que as auxiliou naquela fase inicial”, revela Ana Carina Valente. Afinal, assistir ao prolongar de uma guerra no país onde nasceram, pode acentuar problemas psicológicos que já poderiam existir.

“Se eu já tenho uma condição ou uma psicopatologia, de uma forma geral, o viver esse sofrimento, essa mudança de vida e essa perda de referências, acaba por ser um factor de risco e, muitas vezes, agravar algumas situações”, explica a psicóloga. No entanto, e por outro lado, o tempo também pode ajudar a criar uma reorganização da vida. “Temos pessoas que estão em Portugal há dois anos e que já conseguiram trabalho; os filhos já estão na escola; e, não sendo o objectivo cá ficar, já têm a vida organizada, o que também as organiza do ponto de vista da sua saúde psicológica”, acrescenta.

A este propósito, a coordenadora do “Capacetes Laranja” não tem dúvidas: saber acolher é fundamental para minimizar o sofrimento de um refugiado de guerra. “Temos de dar resposta a estas pessoas, no sentido de uma quase reprogramação de vida. Elas deixaram tudo e vieram para o nosso país”, alerta.

“Muito fizemos e tentámos fazer bem”

A experiência a liderar o projecto diz a Ana Carina Valente que Portugal é um país que se esforça por acolher quem vem de fora. “Os dispositivos, as autarquias e o próprio Estado procuram, cada vez mais, acolher”, afirma. Contudo, a psicóloga admite que esse acolhimento “não é igual para as pessoas vindas de todos os países”. Isto porque, “nós, enquanto população, também temos alguns preconceitos, o que nem sempre ajuda à integração das pessoas”, expõe. No que à comunidade ucraniana diz respeito, de um modo geral, a responsável acredita que “muito fizemos [o país] e tentámos fazer bem”.

Iniciativas como o “Capacetes Laranja” podem assumir um papel importante no cultivar desse “saber acolher” junto da sociedade. “Este tipo de acções ajuda a promover este acolhimento e este bem receber dentro daquilo que nós também podemos fazer”, salienta. A verdade é que o feedback por parte daqueles que usufruíram do projecto espelha os resultados obtidos. “As pessoas são, de facto, muito agradecidas. Sobretudo, quando estamos numa situação de grande sofrimento, este tipo de apoio é fundamental”, conclui.

Cátia Barbosa (*) Jornalista do “Campeão” no Porto

Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 8 de Agosto de 2024