Helena Teodósio é uma figura distinta tanto na gestão pública como na liderança regional em Cantanhede e na CIM Região de Coimbra. Com uma formação académica sólida que inclui licenciaturas em Economia, Gestão e Administração Pública e História, além de uma pós-graduação em Direito da Banca, Bolsa e Seguros, Helena Teodósio iniciou a sua carreira no Banco de Portugal antes de se dedicar à política autárquica. Desde o mandato iniciado em 2002, foi responsável por diversos pelouros num trajecto que culminou na sua eleição como presidente da autarquia em 2017, cargo que mantém até hoje.
Campeão das Províncias [CP]: Como está Cantanhede?
Helena Teodósio [HT]: Cantanhede está bem, com a apreciável dinâmica empreendedora que caracteriza as forças vivas do concelho. E quanto ao Executivo camarário, às Juntas de Freguesia e à vida associativa, digamos que tem fervilhado e fervilha numa grande actividade. Em 2003, foram 550 as acções e iniciativas promovidas pela Câmara Municipal ou em parceria com outras entidades. É extremamente cansativo, mas muito desafiante, e depois tem benefícios económicos importantes, desde logo a nível do turismo. Só para se ter uma ideia do que isto significa, basta dizer que nesta altura existem no concelho mais de 20 alojamentos locais, para além da oferta hoteleira, o que, correspondendo a um crescimento exponencial em muito pouco tempo, representa uma resposta à procura, que de facto tem aumentado bastante.
[CP]: A área empresarial sempre foi uma prioridade para a Câmara de Cantanhede. Essa lógica mantém-se?
[HT]: Sim, mantém-se e tem sido aliás um dos eixos estruturantes do nosso programa, que nesta vertente está muito orientado para atracção de empresas e para o atendimento personalizado aos empresários, prestando apoio em todas as fases dos investimentos. Entretanto, temos apostado forte na ampliação das zonas industriais, processo que implicou alterações nos instrumentos de ordenamento do território para permitir a constituição de novos lotes, até porque tem havido muita procura por parte de empresas que querem instalar-se no concelho, pois este proporciona vantagens competitivas importantes.
Vamos alargar de novo a Zona Industrial de Cantanhede em 80 hectares, a de Febres, onde fizemos um investimento apreciável e que está agora a ter um incremento significativo, e estamos a tratar dos mecanismos necessários para se proceder à ampliação da de Murtede com mais 15 hectares.
Também temos investido bastante na infraestruturação da Zona Industrial da Tocha, ao abrigo de um protocolo com a Junta de Freguesia, que é proprietária dos terrenos e estamos a preparar a criação da futura Zona Industrial de Ançã, esta igualmente com uma excelente localização, junto ao nó de acesso à A14.
O concelho é atravessado por três autoestradas, a A1, na zona nascente, a A17, a poente, e a A14 a sul, e depois o Porto de Aveiro e o Porto da Figueira da Foz estão a cerca de 40 quilómetros da sede cidade de Cantanhede, o que no contexto da região representa vantagens que de facto os investidores valorizam bastante.
[CP] Cantanhede também sempre teve uma enorme actividade agrícola. Ainda é assim?
[HT]: Essa é uma área que temos procurado dinamizar bastante, para a qual de resto criámos o Gabinete de Apoio ao Agricultor, no sentido de dar suporte à actividade do sector, através de acções de formação técnica em vários domínios, incluindo o esclarecimento de questões relacionadas com o acesso dos produtores a programas de financiamento.
Por outro lado, há a preocupação de orientar tanto quanto possível os novos produtores que vão surgindo, nomeadamente ajudando-os a resolver alguns aspectos relacionados com os processos de instalação das explorações agrícolas e proporcionando-lhes informação actualizada sobre os principais desafios do sector, um dos quais passa pela adopção de boas práticas numa perspectiva empresarial.
Por exemplo, na vitivinicultura, temos a Cooperativa Agrícola de Cantanhede, que é uma empresa de referência e produz excelentes vinhos, mas entretanto há uma nova geração de produtores que estão à procura do seu espaço no mercado com vinhos de grande qualidade.
Recentemente, tivemos na Praia da Tocha uma mostra de produtos locais que, segundo especialistas, são de grande qualidade, além de que são produzidos com métodos alinhados com os objectivos da sustentabilidade.
É também neste aspecto que o apoio do Município é importante, um apoio técnico especializado, o que aliás justificou a criação do Gabinete de Apoio ao Agricultor.
A Câmara Municipal tem tido a preocupação de dar respostas qualificadas aos produtores, razão pela qual conta actualmente nos seus quadros de pessoal com engenheiros florestais e agrários, tal como acontece em outras áreas específicas da actividade camarária.
[CP]: Há habitação disponível em Cantanhede?
[HT]: Há, mas estamos a rever alguma da regulamentação que precisa de ajustes, de modo a estimular o arrendamento. A aquisição de habitação própria não é viável para muita gente, no passado era uma prática generalizada e ainda acontece bastante, mas agora nota-se que não existem casas para arrendar em número suficiente face ao aumento da procura que tem vindo a registar-se nesse segmento específico do mercado habitacional.
Estamos a implementar medidas para que a oferta venha a aumentar a esse nível, o que passa por estimular a construção imobiliária, e nesse sentido temos vindo a introduzir ajustes no plano urbanístico de Cantanhede, nomeadamente através do aumento das áreas construtivas e dos limites máximos das cérceas, em função da localização dos imóveis, para atrair mais investidores. Em vez de regras restritivas, estamos a procurar flexibilizar as condições para incentivar mais construções.
Isso não só beneficia a economia local como também tende a resolver a escassez de casas para arrendamento, problema que antes não tinha grande expressão em Cantanhede. Agora, até mesmo quem vem trabalhar para o concelho, e muito particularmente para a cidade, enfrenta dificuldades a esse nível. Digamos que, reconhecendo as necessidades dos empresários do sector, estamos a criar um ambiente mais favorável ao investimento imobiliário.
Cantanhede tem dado e está a dar passos importantes para alargar e diversificar cada vez mais o leque de oportunidades e soluções para o futuro da juventude. Queremos proporcionar aos jovens a possibilidade de se realizarem aqui e não tenham necessidade de emigrar em busca de uma vida melhor. Estamos a criar condições para que possam construir cá as suas vidas, seja a nível das oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, seja na aquisição de bens fundamentais para isso, a começar pela habitação.
E depois estamos a actuar também no campo das respostas socialmente orientadas para sectores da população com dificuldades a esse nível. Fizemos um acordo de colaboração com o IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, no qual estão identificadas as soluções habitacionais que o Município se propõe promover, a programação da execução e a estimativa dos correspondentes montantes globais de investimento e de financiamento ao abrigo do 1.º Direito – programa de apoio público à promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas.
Nesse âmbito, a Câmara Municipal de Cantanhede apresentou cinco candidaturas para obtenção de financiamento através do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência.
As intervenções propostas preveem a criação de 17 fogos, para dar resposta a famílias em condições habitacionais indignas identificadas na Estratégia Local de Habitação (ELH) de Cantanhede.
[CP]: Cantanhede tem aproveitado bem os fundos comunitários?
[HT]: Temos feito tudo o que está ao nosso alcance para tirar o melhor proveito possível dos programas de financiamento comunitário e, como é óbvio, o nosso objectivo é sempre ir mais além nesse campo. Em 2020, reforçámos a equipa para lidar com estudos, projectos e elaboração de candidaturas, uma equipa que conta com funcionários muito capacitados e dedicados. Já temos várias obras em curso ao nível do PRR, principalmente na área da educação, e estamos a avançar com os investimentos na qualificação das instalações e equipamentos dos serviços de saúde.
Sempre apostámos muito na obtenção de fundos comunitários, até porque não há outra forma de financiarmos os investimentos em infraestruturas e equipamentos colectivos, e agora ainda mais, devido aos grandes encargos das intervenções a realizar em função das necessidades resultantes das novas competências atribuídas aos municípios. As autarquias enfrentam nesta altura o grande desafio de concretizarem os investimentos previstos no âmbito desse processo e eu espero que o Governo proceda à mudança da Lei das Finanças Locais aumentando a percentagem destinada às autarquias, como acontece noutros países europeus.
Entretanto, estou um pouco desencantada com o acesso ao financiamento para qualificação das escolas secundárias e EB 2 3, projectos que, apesar de classificados como prioritários e urgentes, mas a verba do programa de financiamento para esse fim está praticamente esgotada. Temos cerca de 30 milhões de euros de investimento para quatro escolas e já estamos a financiar a obra da Secundária de Cantanhede com fundos próprios, num custo de 12 milhões de euros, porque nos foi criada a expectativa de que o financiamento do PRR seria resolvido, mas até agora isso ainda não aconteceu, o que naturalmente levanta dificuldades inesperadas.
Precisamos de concluir tudo até 2026 e acho injusto que não se dê prioridade a projectos já em execução. Continuarei a lutar por mudanças neste sistema. É essencial que fundos de áreas com pouca execução sejam redireccionados para projectos maduros.
Também já submetemos projectos para o Centro de Saúde, com dois já aprovados e outros estão em fase de aprovação.
Mas a descentralização, com a passagem de novas competências da Administração Central para as autarquias, trouxe também muito mais encargos ao nível da despesa corrente e embora haja algum financiamento, ele não está a ser suficiente para avançarmos com os investimentos em certas áreas ao ritmo que gostaríamos.
[CP]: A Alta-Velocidade vai causar problemas a Cantanhede?
[HT]: Espero que a decisão ainda não esteja fechada. Nós demos a nossa opinião, o executivo camarário aprovou uma deliberação no sentido de recomendar a adopção do Eixo 5 para a Linha Ferroviária de Alta Velocidade, no troço Soure/Aveiro, que não passa pelo nosso território, e esta é a posição que mantemos.
A proposta do Eixo 4, variante a Anadia/Oliveira do Bairro, levanta alguns problemas no atravessamento da zona nascente do concelho de Cantanhede, nomeadamente num núcleo urbano que será bastante afectado, além de afectar a paisagem vitivinícola e deixar antever um impacto negativo no Sistema Aquífero Cársico da Bairrada.
Em todo o caso, o nosso foco está agora centrado no trajeto do Metro Mondego com ligação a Cantanhede, projecto que conseguimos incluir no Plano Nacional de Mobilidade e Transporte e que esperamos venha a ser concretizado o mais rapidamente possível pois tem um grande potencial para reforçar o sistema de mobilidade do nosso território em articulação com outros concelhos. O traçado que preconizamos é o que sai de Coimbra com passagem pela Geria, São Facundo, São João do Campo e Ançã, em direcção ao centro de Cantanhede, e que prossegue pela antiga linha ferroviária da Pampilhosa, até à zona industrial de Murtede e à Mealhada.
Temos de encontrar soluções para resolver a quase inexistente ligação de transportes públicos a Coimbra e melhorar significativamente o sistema de mobilidade na região. Repeti isto inúmeras vezes em diversos fóruns e como o projecto do Metro Mondego já está no Plano Nacional de Mobilidade e Transporte, vou agarrar-me a isso com unhas e dentes e lutar para que se concretize.
[CP]: As coisas na saúde correram-lhe bem?
[HT]: É verdade, mas queremos que venham a correr ainda melhor. Têm de correr, porque queremos uma urgência básica em Cantanhede. Queremos aproveitar a janela de oportunidade decorrente da intenção do Governo em avançar com a criação de Centros de Atendimento Clínico para Situações Agudas de Menor Complexidade, que é uma solução relativamente próxima da de uma urgência básica, para que seja aberto um desses centros no Hospital Arcebispo João Crisóstomo.
Já dei conta desta posição à Senhora Ministra da Saúde e há razões para que este processo tenha um desfecho favorável, a começar pelo facto de o hospital ter condições para nele ser instalado tal serviço, e também porque na prática é nele que está instalada a sede da Comunidade Local de Saúde de Cantanhede, Mealhada, Mira, Mortágua e Penacova, no âmbito da ULS de Coimbra, cuja área de abrangência pode ser coincidente com a do novo Centro de Atendimento Clínico.
No campo da saúde, nós não temos feito apenas a simples assunção das competências em termos de funcionários e instalações. Além disso, conseguimos que fossem previstos investimentos no Hospital Rovisco Pais e no Hospital Arcebispo João Crisóstomo, incluindo mais consultas e o internamento em medicina interna.
[CP]: Se terminasse agora a sua missão como presidente da Câmara de Cantanhede, saía com a noção de dever cumprido?
[HT]: Tem sido uma experiência extraordinária! Eu gosto mesmo muito de ser autarca! A minha mãe lembrava-me frequentemente que a minha carreira no Banco de Portugal não me dava uma pequena parte das preocupações que tenho na actividade camarária, e em certo sentido é verdade, mas hoje congratulo-me por ter aceitado o desafio.
Não podemos estar na política só por estar, na vida autárquica não se pode fingir, tem de se gostar mesmo. E eu gosto! Gosto de trabalhar na definição de projectos e soluções que deem respostas efetivas às necessidades das pessoas.
É uma função muito exigente, temos de saber estabelecer um rumo para o futuro e definir prioridades, procurando promover o desenvolvimento numa base sustentável com políticas consistentes ao nível da dinamização da base económica e criação de emprego, do reforço da coesão social, da qualificação dos serviços de saúde, na proteção ambiental e valorização dos recursos patrimoniais, na actividade cultural e desportiva, enfim em todas as áreas que influenciam a qualidade de vida das pessoas e das comunidades locais.
É o que temos feito à luz do Plano Estratégico de Desenvolvimento Económico e Social, com resultados bastante estimulantes. Entretanto, está já em curso a elaboração de uma nova versão desse documento de planeamento estratégico fundamental, no âmbito do qual estamos a enunciar novos objetivos e respostas aos grandes desafios que se perspetivam para um horizonte temporal de 20 anos.
VAMOS TER UMA EXPOFACIC MELHORADA
[CP]: Começa mais uma edição da Expofacic e este ano fizeram algumas alterações. Em que consistem?
[HT]: É verdade. Além das novidades que mais uma vez introduzimos no programa e que são bastante aliciantes, procedemos a algumas alterações em algumas áreas, sobretudo para valorizar as condições de acesso e de circulação das pessoas e proporcionar-lhes maior comodidade nas diferentes experiências que vêm vivenciar na Expofacic.
Uma alteração significativa é a que realizámos na parte das tasquinhas, onde antes havia duas zonas e que este ano tem uma grande praça única, com as mesmas condições para todas as entidades que as dinamizam. Em Cantanhede, há uma forte cultura de participação voluntária, com cerca de 200 associações e 25 IPSS envolvidas. As Juntas de Freguesia é que escolhem as associações participantes. A Feira continua a manter a sua estrutura base, mas sofre ajustamentos necessários, mais ao nível da segurança e também do conforto de quem lá trabalha, mas também de quem nos visita. Tenho a certeza que vai ser uma grande edição. A região pode ficar tranquila, pois teremos uma Expofacic melhorada com benefícios para todos.
[CP]: A escolha do cartaz tem sido consensual?
[HT]: A questão do cartaz é sempre complicada. Não posso esperar que os jovens de 15 anos tenham o mesmo gosto musical que eu. Às vezes, fico junto de um dos sete palcos para ouvir uma filarmónica, algo que me dá muito prazer, em vez de ir ouvir o cantor que está no palco principal. O evento é pensado para satisfazer todos os públicos, todas as gerações, essa é uma das suas grandes mais-valias.
A equipa da Comissão Executiva termina uma edição, mas imediatamente começa a analisar como está o mercado dos artistas não só a nível nacional, mas também internacional. E depois procuramos também ouvir sugestões e avaliar o grau de satisfação do público, que tem sido sempre muito bom.
Entrevista publicada no 3.º caderno da edição em papel do Campeão das Províncias de 25 de Julho de 2024