Jorge Veloso, presidente da União de Freguesias de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades, no concelho de Coimbra, é conhecido pela forma sentida e apaixonada como desempenha as funções e se liga às causas que abraça, independente de posições partidárias. Concorrendo sempre pelo Partido Socialista, começou em Ribeira de Frades como presidente da Assembleia de Freguesia, em 1985, esteve 20 anos como presidente da Junta na Freguesia de Ribeira de Frades, até 2013, e nesse ano, com a agregação das Freguesias, recandidatou-se e completará 12 anos como presidente desta União de Freguesias em Setembro de 2025. Esta é a conversa com Jorge Veloso, que teve como pretexto a comemoração dos 920 anos da Freguesia de São Martinho do Bispo.
Campeão das Províncias [CP) – Houve uma razão forte para se recandidatar a este último mandato?
Jorge Veloso [JV] – Houve, a de ser presidente do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), em 2020, e de haver muito trabalho para fazer.
[CP] – Mas isso faz com que ande sempre a caminho de Lisboa…
[JV] – As reuniões são em Lisboa, está tudo lá, os Ministérios e a Assembleia da República.
[CP] – Continuamos com o centralismo.
[JV] –Desde que estou na ANAFRE os serviços continuam concentrados em Lisboa e, agora, o Governo, por questão economicista, centralizou os Ministérios no edifício da Caixa Geral de Depósitos. Não vejo grande dinamismo em contrariar isso.
[CP] – E a descentralização?
[JV] – Esta descentralização abrangeu três áreas – Saúde, Educação e Ação Social -, com o Governo a descentralizar competências para as Câmaras Municipais. Tem obrigação de resultar, porque a questão da proximidade é sempre um factor muito importante. Em qualquer destas situações e destas competências que foram transferidas para os Municípios, a descentralização resulta desde que as competências sejam acompanhadas do respectivo pacote financeiro, para o trabalho que as Câmaras passaram a ter, com recursos humanos que tiveram de se apetrechar. E já se foi aperfeiçoando esse pacote financeiro, mas será ainda insuficiente.
[CP] – E quanto às Freguesias?
[JV] – Desde a saída do decreto-lei n.º 57 de 2020, que há a possibilidade de as Freguesias terem competências próprias, que estavam na posse dos Municípios. Neste momento não estamos completamente satisfeitos com as competências que os Municípios já passaram para as Freguesias, mas de algum modo estamos com uma opinião bastante favorável em relação àquilo que as Freguesias neste momento já desenvolvem. Neste momento, temos competências próprias na área da limpeza urbana, vias, passeios, na área de espaços verdes e jardins, manutenção e pequenas reparações nos edifícios escolares e há outras que com o tempo iremos adquirir.
As Freguesias viram melhorado aquilo que recebiam dos Municípios através dos acordos de execução, passaram a receber cerca do dobro, mas ainda não é satisfatório, mas caminhamos para um objectivo que foi traçado em acordo com a Associação de Municípios, da ANAFRE e do Governo, para que a coesão territorial fosse atingida com mais facilidade.
Hoje em dia já temos 1.750 freguesias com competências próprias, com cerca de 160 Municípios a aderirem, dos 308 do país, e que já origina que, mensalmente, a Direcção-Geral das Autarquias Locais pague directamente às Freguesias no dia 15 de cada mês, religiosamente, o montante anual a ascender a 164 milhões de euros. Não é satisfatório, o satisfatório seria chegar aos 200 milhões de euros, atingindo 200 Municípios e 2.000 Freguesias, que é aquilo que está, mais ou menos, no horizonte.
É um processo que não deveria ser tão pouco evolutivo ao longo de tanto tempo. Devia ser mais ágil, mas ainda há, infelizmente, presidentes de Câmaras Municipais que não reconhecem nas Freguesias competência para desenvolver a transferência de competências. Para nós isto é um erro completo, até porque nós já fazíamos isso tudo com os acordos de execução. Depois mudou o nome e passou para o papel.
Esperamos que até final deste mandato possamos chegar já às 2.000 Freguesias e a 180 a 200 Municípios. Temos que reconhecer que há Freguesias, como algumas do interior, que infelizmente ainda não têm essa capacidade de receber mais competências.
[CP] – E como está a transferência de competência em relação à União de Freguesias de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades?
[JV] – Já solicitámos em várias reuniões com a Câmara Municipal de Coimbra que fosse possível transferir mais algumas competências nas áreas onde somos capaz de executar. Há algumas que conseguimos fazer – ninguém é obrigado porque é uma negociação entre a Câmara e a Freguesia – e pensamos que no próximo ano, a partir de Janeiro, haverá mais algumas competências, não só para a União de Freguesias de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades, mas também para as outras do concelho.
[CP] – A junção entre S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades trouxe benefício para este espaço populacional?
[JV] – Há várias opiniões, que vamos respeitando. Ainda agora, numa das reuniões em que estive, abordámos essa questão, porque está em cima da mesa, apesar do processo ter parado com a queda do Governo. O que temos em causa são 184 projectos-de-lei que deram entrada na Assembleia da República dentro do prazo de 21 de Dezembro de 2022. Destes 184 há 24 que estão já em condições de irem para plenário, serem votados e as freguesias retomarem a sua actividade separadamente no próximo acto eleitoral, havendo ainda mais uns oito ou nove com pequenas limitações, mas com condições para entrar. Os 184 projectos equivalem a cerca de 360 freguesias, pelo que se olharmos para trás e virmos que em 2013 desapareceram 1.251 freguesias…
Em relação a S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades uma das condições que colocámos quando fomos candidatos à União de Freguesias foi que iriamos manter tudo aquilo que funcionava bem em 2012. Não iria haver alteração nenhuma em termos de funcionamento e de apoio aos cidadãos, que nós queríamos que continuasse a ser exactamente o mesmo. Ribeira de Frades tinha um posto de CTT e continuou a ter, a Junta estava aberta o dia todo e continuou igual, com duas funcionárias, sem problema nenhum. S. Martinho do Bispo tinha quatro funcionárias, é uma Junta maior, entretanto abrimos o espaço do cidadão e continuou a fazer o seu trabalho. Funciona a agregação. De vez em quando ouve-se uma “boca”: agora só queres S. Martinho; ou outros que dizem que sou da Ribeira e só puxo para lá – mas há sempre isto e é normal acontecer. Mas, no geral, na apreciação global, entendemos que nem foi positiva nem negativa a agregação, porque mantivémos o mesmo nível de apoio colectivo.
Há no país, efectivamente, situações em que a agregação foi mal feita, a régua e esquadro, foi política. O que o Governo na altura propôs foi assim: quem quiser agregar dando o seu aval, tudo bem; quem não quiser é como está no mapa. Isto caiu um bocado mal porque foi quase feito unilateralmente e, agora, o que acontece é que aquelas freguesias que na altura não disseram que estavam de acordo estão agora a colocar os projectos-lei. Costumo dar este exemplo: Alcácer do Sal tinha quatro freguesias e juntaram-nas, criaram uma área territorial maior que a ilha da Madeira. Com o encerramento das sedes das Juntas, em três dessas freguesias, algumas pessoas para obterem um documento têm de se deslocar entre 20 a 30 quilómetros, ou mais, para ir à Junta de Freguesia fazer isso, sem transportes públicos.
Há situações em que houve agravamento para as populações e são esses casos que estão agora em discussão na Assembleia da República e com todos os partidos que tenho falado não há nenhum que diga que não está de acordo com a pretensão de desagregação. Para que este processo tenha alguma honestidade em ser apreciado deve estar resolvido até Março de 2025, de modo a que possa entrar no mapa autárquico desse ano. Acho que as pessoas que estão na Comissão do Poder Local, no grupo de trabalho, vão levar isto a bom termo.
[CP] – O percurso de Jorge Veloso à frente da União de Freguesias de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades corresponde às ambições, ou ficou longe?
[JV] – Um autarca apresenta um programa e raramente consegue executar tudo. Tenho duas situações atravessadas. Avançámos com um parque de lazer, parques infantis, passeios, pavimentações, requalificada da Feira dos 7 e dos 23, mas temos procurado virarmo-nos um pouco para as pessoas.
Gostamos muito do trabalho que fazemos na ação social, apesar de não termos uma competência própria. Quero também relevar o apoio que a Câmara dá, há uns anos a esta parte, com a possibilidade de termos a nossa Comissão Social de Freguesia e esta tem desempenhando um papel que considero muito importante no apoio às famílias mais carenciadas. Apoiamos a Conferência de São Vicente de Paulo, que distribui alimentos todos os meses e participamos sempre nessa distribuição, além de outras solicitações, e temos iniciativas como os cabazes de Natal, entre outras. Na Comissão Social da Freguesia conseguimos responder na hora, o que outras entidades, com a Segurança Social e a própria Câmara não conseguem fazer
Ligado à Educação são poucas as freguesias, como a nossa, que neste momento atribui 20 bolsas de estudo mensais a estudantes do ensino superior, além dos prémios de mérito que entregamos aos alunos do 1.º, 2.º, 3 .º ciclo e até ao 12.º ano.
Acabei com uma prática que gostaria de ter continuado, o Orçamento Participativo, mas verifiquei que foi mal entendido por muita gente. Em vez de haver uma concentração de esforços para projetos de qualidade, começou a entrar-se por caminhos de alguma rivalidade. Optei por acrescentar mais nas bolsas de estudo.
Não há nenhum autarca que esteja satisfeito e ainda não perdi a esperança neste processo importante de as freguesias terem possibilidade de apresentar candidaturas ao PT 2030. Dentro destas possibilidades tenho dois objectivos que entendo que a freguesia de S. Martinho do Bispo necessita. Um é ter uma biblioteca anexa municipal e já temos terreno para ela, que é junto da Igreja. Apresentámos à Câmara a hipótese de nas suas candidaturas incluir isso, assim como também a criação de um parque urbano num terreno que a Junta tem junto ao Campo do Esperança, contemplando uma piscina descoberta, instalações de apoio, zonas de lazer. É um terreno com 6 a 7 mil metros quadrados e está desaproveitado, mas também é preciso dinheiro para o fazer. Se as candidaturas que as freguesias estão ainda à espera de poder efectuar foram efectivamente aprovadas pelo Ministério da Coesão Territorial são estes os dois projectos que pretendemos apresentar.
[CP] – Tem uma mágoa em relação ao Hospital dos Covões?
[JV] – Essa é outra situação que eu não consigo compreender. Eu falo por experiência própria porque até ando a ser tratado no Hospital dos Covões. Vejo qualidades humanas excepcionais, uma equipa médica impressionante, assim como os enfermeiros e auxiliares, toda a gente, que dão o máximo por aquele Hospital, por vezes sem condições físicas. Quando alguém vem para os jornais dizer que encerram as Urgências das 20h00 às 8h00 e com isso obteve resultados satisfatórios, digo a essa gente que estão a colocar inverdades. Os HUC, em dias normais, são um caos nas Urgências e tenho-me dirigido lá algumas vezes, ultimamente. Continuamos a tratar a saúde principalmente olhando aos números e não às pessoas. É um factor economicista que a mim me desagrada completamente.
S. MARTINHO E RIBEIRA DE FRADES VÃO SOFRER
COM ALTA VELOCIDADE E NOVA LINHA DO NORTE
[CP] – Quanto à Alta Velocidade e à Linha do Norte, S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades vão ser muito afectadas?
[JV] – São situações muito graves para algumas famílias e que de algum modo são incompreensíveis. Fizemos o nosso trabalho, participámos nas reuniões, elaborámos a nossa proposta/reclamação, mas verificámos que, infelizmente, a Câmara de Coimbra só está interessada numa coisa: que haja a requalificação da Estação de Coimbra B. Concordo que tenha de ser requalificada, porque aquilo como está não é nada, mas não pode ser à custa de cerca de 70 habitações que vão ser demolidas. Digo isto porque não vi da parte da Câmara Municipal trabalho que pudesse mudar a minha opinião. Houve situações que nós apontámos, como por exemplo o que se passa na zona de Bencanta, onde querem antecipar o apeadeiro cerca de 100 metros, para o lado de Bencanta, e equivale a dizer que com esse afastamento, que não serve o TGV, mas os comboios normais, implicará que há cinco a seis vivendas que ficam com um muro de betão de cinco metros encostado às janelas e ficam sem os seus quintais, sem os acessos às garagens, sem zonas de lazer, sem a piscina.
Ainda há situações mais graves na zona de Casais do Campo, onde é quase tudo a eito. Além de casas que ficarão desabitadas, cerca de 63, o projecto em si não indica como vão resolver problemas de acessos a vias que são cortadas, na zona dos Casais, na zona da Ribeira, Casas Novas, Espadaneira e Bencanta. Além de outras situações existentes, que já foram alvo de obras aquando a construção de passagens superiores, que agora vão ser destruídas para se construir não se sabe bem o quê.
O mais grave de tudo é a passagem do TGV principal que vem da zona de Reveles, onde foi possível desviar a linha e há outras situações que podem ser contempladas. Quem conhece Ribeira de Frades sabe que está cortada de norte a sul pela auto-estrada, de este para oeste pela Linha do Norte e paralelamente à linha ainda está cortada com a via-rápida para Taveiro. Agora, o ramal principal do TGV faz uma diagonal por cima do nó da A1. No papel vê-se mal, não sei como será feito, mas por cima do nó da auto-estrada há um tabuleiro para passar o TGV com 37 metros de altura! Estamos a falar de um prédio de 10 andares e de um viaduto de 7 quilómetros.
É uma obra gigantesca e que desfigurará a freguesia de Ribeira de Frades. Para a freguesia que é mais afectada, Ribeira de Frades, qual a utilidade que tem do TGV? Zero.
Havia um projecto, há 10 anos, em que a maioria do trajecto era enterrado e afectaria poucas habitações. Inexplicavelmente esse projecto foi abandonado. O que agora se apresenta custa 10 mil milhões de euros, na altura custava 4,5 mil milhões de euros.
[CP] – Está também por resolver aquela confusão da Rotunda do Almegue.
[JV] – As obras em Portugal ou são mal pensadas, ou são mal feitas. Na altura dessa construção previa-se um atravessamento num cantinho no Choupal, mas não se pôde fazer, porque os ambientalistas não deixaram. O que se vai fazer com o TGV é mais graves e o que ouço é muito pouco. A União de Freguesias tem um protocolo com o GEOTA, que se movimenta bem na área ambiental, mas… Enquanto eu tiver força e saúde não calarão a nossa voz.
[CP] – Uma grande realização anual são as Tasquinhas de S. Martinho.
[JV] – Desde há 3 anos, depois das obras de requalificação da Feira dos 7 e dos 23, que as Tasquinhas de S. Martinho ali se realizam. Em 2022 verificámos que foram um êxito, a iniciativa cresceu em 2023 e este ano tiveram ainda mais êxito. O espaço da Feira tem condições que poucos mercados a céu aberto possuem. Construímos barraquinhas de apoio para produtos agrícolas e, perdoem-me a imodéstia, mas pede meças a qualquer feira na região, tirando a Expofacic. Apostámos forte num investimento para o futuro e as Tasquinhas de S. Martinho (Semana Cultural) cresceram muito na qualidade dos espectáculos, na gastronomia, nos artesãos presentes. Durante todo o ano o espaço da Feira está sempre aberto a iniciativas que ali se queiram realizar e, a 11 de Novembro, a União de Freguesias vai ali promover a Feira de S. Martinho.
ENTREVISTA: Lino Vinhal / Luís Santos
Publicada da edição em papel do Campeão das Províncias de 25 de Julho de 2024