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Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Dias nacionais

26 de Julho 2024

No passado dia 21 de Julho festejou-se na Bélgica o dia nacional. A omnipresença das bandeiras belgas nas ruas das artérias centrais de Bruxelas com largos dias de antecedência já preparava o espírito dos residentes para as comemorações. Este ano, cumprindo a tradição, a família real começou o dia na catedral da cidade, onde foi tocado o Te Deum. Mas as festividades populares começaram antes – na véspera havia concertos e bailes pela cidade. Já no próprio dia 21, houve fogo de artifício, demonstrações desportivas, caças ao tesouro, animações para crianças, ateliers de reparação gratuita de bicicletas (algo que dificilmente ocorreria a quem organizasse em Portugal um 10 de Junho…), praças convertidas em mega-restaurante onde se vendem moules frites (o prato belga por excelência, consistindo em mexilhões com batatas fritas), desfiles de veículos militares, demonstrações de cães da polícia e até a exibição ao público da escada mais alta da Europa, utilizada pelos bombeiros belgas no combate a incêndios. Porque os imprevistos também fazem parte, houve ainda tempo para uma evacuação inusitada de um dos maiores parques da cidade – afinal, desde os atentados terroristas do ano passado que a Bélgica vive em nível de alerta 3, numa escala onde 4 é o alerta máximo, pelo que as autoridades não facilitaram quando houve necessidade de apertar o controlo. As perturbações do tráfego rodoviário e a interrupção de certas linhas de transporte público em nome das festividades foram também bem aceites.

O que celebram os belgas, afinal? 21 de Julho de 1831 foi o dia do juramento do seu primeiro rei: Leopoldo de Saxe-Coburgo-Gota. O país está pois, a 7 anos de festejar dois séculos – nada que impressione uma nação a que pouco falta para chegar aos 900 anos… Enquanto a Bélgica foi forjada na Idade Contemporânea, o nosso velhinho Portugal data da Baixa Idade Média. Quando fizemos 193 anos, estávamos em 1336 (entretidos com mais uma guerra com Castela, como era apanágio da época) e tínhamos já nessa altura as mesmas fronteiras que temos hoje. A nossa consciência colectiva enquanto povo era e continua hoje a ser tão forte que nem dela nos apercebemos devidamente. De facto, os dias nacionais podem ter um papel importante na construção da identidade nacional. O juramento de Leopoldo da Bélgica é um momento fundante para o país, tão mais importante quanto a Bélgica é um país profundamente fracturado. As pulsões separatistas espreitam a todo o instante e mantêm o clima político sob uma tensão permanente. Neste equilíbrio frágil, é bom poder baixar a guarda durante um dia, dando destaque ao facto de os belgas serem, antes de flamengos, valões ou bruxelenses, belgas.

Os portugueses não têm de pensar nisso. O dia 10 de Junho pode passar por isso mais ou menos discreto, entre uma parada militar e um discurso político, entre um bocejo e uma ida à praia, porventura a preparar os santos populares que se aproximam. É maravilhoso ser português e poder usar o 10 de Junho para celebrar a língua portuguesa, a diáspora e a nossa identidade enquanto povo. E sobretudo maravilhoso porque nos outros 364 dias tudo isso está lá, tão vibrante como no dia nacional.