Miguel Ribeiro, presidente da Académica/OAF, afirma que o seu objectivo é recuperar o Clube que é a sua paixão. Desde que se conhece, vive a Briosa com intensidade, quer em funções, quer como adepto. A única coisa que garante da sua parte é seriedade, transparência na forma como lida com as pessoas, credibilidade, bem como proporcionar melhores condições à Académica e aos adeptos.
Campeão das Províncias [CP]: Quantas vezes é que já se arrependeu de ter embarcado nesta aventura?
Miguel Ribeiro {MR]: Não estou arrependido. Tem sido um trabalho muito difícil e árduo. Por vezes, frustrante. Mas, enquanto há vida, há esperança e há uma frase de um político e estadista português que já faleceu, que diz: “só é derrotado, só é vencido quem desiste de lutar”. Enquanto estivermos aqui determinados e a fazê-lo, existem riscos, mas vamos trabalhar e dedicar-nos como temos feito até aqui, no sentido de evitar que isso possa acontecer. Vamos para mais uma época, com esperança. Este é o meu último ano de mandato. Espero chegar ao final e concretizar aquilo que idealizei no momento em que me candidatei a presidente da Académica. Ou seja, conseguir o saneamento financeiro da Académica e revitalizá-la, sempre com objectivos altos, mesmo sabendo que o nosso contexto financeiro é extremamente difícil para alcançar esses objectivos. Mas, se não for hoje, se não for durante o meu mandato, pelo menos criar as condições para quem vier a seguir, para poder ter as condições necessárias para prosseguir o mesmo caminho e recolocar a Académica, o mais cedo possível, no patamar que merece, que é a Primeira Liga.
[CP]: Encontrou o Clube assim em tão mau estado?
[MR]: Descemos à 3.ª divisão, perdemos várias receitas e algumas já tinham sido antecipas, obrigando-nos a viver com essa realidade. Não tinha um conhecimento profundo desta situação quando me candidatei, mas pretendíamos realizar uma auditoria, porém não a chegámos a fazer porque ficámos a ter esse conhecimento quando avançámos para a insolvência, nomeadamente através dos planos de recuperação. De início, fomos obrigados a avançar com a declaração de insolvência, o que felizmente correu bem. Agradeço ao Dr. Luís Pirré pelo trabalho incansável e pro bono.
Enfrentamos uma dívida de quase 14 milhões de euros, reduzida para cerca de 3 milhões, a pagar em 12 anos. Isso impediu-nos de avançar para uma sociedade anónima desportiva no primeiro ano de mandato, como foi explicado em várias assembleias gerais.
Depois disso, fomos obrigados, por estado de necessidade, a avançar para a insolvência no organismo autónomo de futebol, dado que as receitas foram penhoradas incluindo as dos concertos dos Colplay. Este processo de insolvência está a demorar devido à litigância de um dos credores, o que causa preocupação e impede-nos de avançar para outros projectos tendentes a revitalizar o clube.
Estamos a aguardar a conclusão do processo de insolvência da Académica, que envolve a avaliação do único imóvel da instituição, sobre o qual há várias hipotecas e penhoras e pende o ónus de só poder ser utilizado para fins desportivos, limitando assim a sua valorização.
[CP]: Acredita que o plano de insolvência será aprovado?
[MR]: É importante lembrar que temos um plano aprovado por uma larga maioria dos credores em Novembro, com mais de 80% de votos favoráveis. No entanto, há um credor em forte litigância, com embargos e requerimentos constantes. Apesar de compreender que está a proteger os seus interesses financeiros, não entendo a intenção de acabar com o Clube e a sua história. Se o Clube puder continuar, há a possibilidade de ressarcir os credores mais tarde. Se acabar, ninguém receberá nada. O património do clube não é suficiente para cobrir tudo e há o risco real de terminar com uma história centenária de futebol. Mas temos esperança, visto que o plano foi aprovado por uma larga maioria de credores.
[CP]: Quando se candidatou, há dois anos, apresentou o objectivo de subir o Clube até à 1.ª liga. Esse feito não se vai concretizar. Isso deve-se a quê?
[MR]: Posso garantir que não foi uma promessa de campanha, foi apenas estabelecer um objectivo elevado para nos motivar a obter os melhores resultados possíveis. A Académica, dada a sua dimensão, tem que entrar sempre para ganhar. Os sócios exigem isso. Sabemos que há equipas com melhores condições remuneratórias, mas a Académica oferece as melhores condições de trabalho. Recuperámos a Academia e o Clube voltou a ter credibilidade no meio desportivo. Não foi uma promessa, mas temos que ter objectivos altos para motivar. Se visamos 10 e atingimos 8, é bom; mas se visamos 8 e atingimos 5, já não é a mesma coisa.
Este ano, não subimos. O que falhou? Na minha opinião, durante grande parte da época, a Académica jogou o melhor futebol. Terminámos a primeira fase em primeiro lugar e qualificámo-nos para a fase de promoção. O ano anterior foi de transição o que levou a uma dificuldade inicial de preparação da época, mas ainda fomos a tempo de corrigir, durante a época, algumas decisões erradas, isto porque entrámos num contexto novo, com uma direcção nova, o que trouxe alguma precipitação na constituição do plantel. Na época de 2023 /2024 já trabalhámos com mais experiência e competência e por pouco falhámos a subida de divisão, com um orçamento muito inferior a muitos clubes que disputaram a fase de promoção. Nesta fase merecíamos ganhar vários jogos, mas tivemos algum azar e contextos difíceis, como a saída inesperada de Ávila, o qual era muito importante na organização da equipa a defesa. Mesmo assim, lutámos até à penúltima jornada. Houve também lesões e outras infelicidades.
[CP]: Acredita que a Académica pode subir à 1.ª divisão sem ser em SAD?
[MR]: É uma questão complexa. Verificamos que muitos clubes estão a transformar-se em SAD por várias razões, mas isso não depende só da constituição do Clube. Depende das direcções, dos sócios e do projecto apresentado. A questão da maioria do clube pode ser um obstáculo, mas não é impossível. Uma SAD precisa ser bem estruturada e gerida, tanto financeiramente como desportivamente. Há exemplos de SAD bem-sucedidas e outras que falharam, como o Aves que ganhou uma Taça de Portugal e depois se extinguiu.
A Académica precisa manter a sua história e identidade, que são o seu grande valor. O Clube é muito apreciado pela população devido à sua história. Temos de evoluir dentro do regime das sociedades desportivas permitido pela lei, mas apenas uma SAD bem gerida pode ser uma solução viável. A gestão competente é essencial, independentemente do regime.
[CP]: Mas admite avançar para a constituição de uma SAD?
[MR]: Admito, logo que nos sejas possível com a conclusão do processo de insolvência. Por enquanto, estamos a fazer o nosso trabalho de casa. Surgiram estas circunstâncias e constrangimentos, e tivemos que avançar. Estamos a falar com as pessoas, têm sido feitos contactos, mas é difícil investir num clube em risco. Não é por falta de esforço de quem está à frente, que tenta criar as melhores condições para o futuro do Clube. Esta foi uma das medidas para o saneamento financeiro futuro. Estamos a falar de uma redução para aproximadamente 5 milhões de euros a pagar ao longo de 12 anos. Actualmente é uma prestação alta para o clube mas à medida que o clube for subindo de divisão, com potenciação das respectivas receitas, tornar-se-á residual. Temos 12 anos para pagar. Não podemos endividar-nos mais, o que é crucial dado o contexto em que trabalhamos. Cheguei aqui com uma visão clara, mas enfrentamos desafios financeiros. Nós mantemos os salários em dia e temos boas condições de trabalho. A Académica voltou a ser credível e tem condições de trabalho melhoradas.
[CP]: O projecto do Futebol Feminino é para avançar esta época?
[MR]: Sim. Avança por duas razões. Em primeiro lugar, da mesma forma que a Académica evoluiu, é inegável a evolução do futebol feminino. Os melhores clubes têm futebol feminino e no futuro, o futebol feminino em Portugal está a desenvolver-se de tal maneira que, dentro de 5 anos, projecta-se que o país pode ser campeão do mundo de futebol feminino. Actualmente, o futebol feminino pode ainda não ser muito rentável, mas temos que começar. Neste momento temos a Sandra Marques como directora geral para o futebol feminino. O projecto tem que ser praticamente auto-sustentado, para não endividar a Académica. Temos conseguido 4 estrelas na formação, mas o objectivo é alcançar as 5 estrelas, que é o máximo. Para isso, é necessário ter uma equipa feminina. Vamos começar apenas com a equipa sénior, eventualmente abrindo escalões mais jovens, como as idades dos traquinas (futebol de 7), e se o projecto evoluir como pretendemos, para a próxima época poderemos já ter uma equipa de sub-19 em futebol feminino. A ideia é fazer o futebol feminino crescer.
[CP]: Que razões o podem levar a não se recandidatar?
[MR]: Sinceramente, não estou a pensar nisso. Estou focado no dia-a-dia da Académica. O que me preocupa neste momento é a questão do estádio e o processo de insolvência. Durante o meu mandato, conseguimos superar uma fase complicada com sucesso. Acho que após a conclusão dos respectivos dossiês, a nosso favor, estarão criadas todas as condições para a Académica se relançar, seja comigo ou com outra pessoa.
A única coisa que peço é que, se não for eu a candidatar-me, quem o fizer pense sem obsessões de subida, mantendo o Clube estável financeiramente, pois só assim será possível subir até à primeira liga de forma sustentada. Neste momento, o contrato do estádio depende da Câmara e o processo de insolvência depende do tribunal. Não está nas nossas mãos.
Depois, teremos de fazer uma auto-avaliação para decidir o que fazer. Desejo que quem assumir a liderança da Académica pense no futuro a longo prazo, mesmo que isso implique esperar um ou dois anos. O objectivo é que os nossos filhos e netos possam voltar a ver um clube glorioso, a disputar competições ao mais alto nível em Portugal e na Europa. Temos de nos sacrificar agora para garantir um futuro melhor para a Académica e é isso que eu e os meus colegas de direcção estamos s a fazer.
Entrevista: Luís Carlos Melo/Joana Alvim
Publicada na edição do “Campeão” em papel de quinta-feira, dia 4 de Julho de 2024