Tanto na Bélgica como em Portugal há a tradição de as cidades terem padroeiros. A ideia de que um santo intercede junto dos Céus pela cidade não é exclusiva da religião católica. O desejo de criar um laço especial entre um local e algo de divino encontrava-se presente já na Grécia Antiga, onde as cidades tinham deuses a que eram especialmente devotas. No tempo presente, o costume de ter um padroeiro encontra-se particularmente enraizado nos países de fundo religioso católico.
Bruxelas é, pois, uma cidade sob alçada de São Miguel. São muitas as referências bíblicas ao arcanjo, quer no Antigo quer no Novo Testamento. No Livro do Apocalipse, descreve-se uma guerra no Céu, travada entre o Dragão, que é Satanás, e São Miguel, tendo este último vencido, e expulsado Satanás juntamente com os seus anjos caídos. Em Coimbra, São Miguel é o santo escolhido para dar nome à belíssima Capela da Universidade, mas de resto não tem especial presença na cidade. Já em Bruxelas, o anjo é figura omnipresente. Em especial, é uma estatueta algo estilizada de São Miguel que encima o edifício da câmara da cidade, assim rematando no céu o ponto mais alto da mais bela praça da cidade, a Grand Place/Grote Markt. A catedral da cidade leva também o nome do santo, acompanhado do nome de uma outra santa: Cathédrale des Saints Michel et Gudule/Sint-Michiels- en Sint-Goedelekathedraal. Mas a presença de São Miguel não se limita a pontos nobres da cidade. Por toda a parte na rua, no cimo de candeeiros ou nas grades que delimitam os passeios, nas tampas das caixas de electricidade pelo chão, a representação do anjo é uma constante. Não surpreende, se pensarmos que a figura de São Miguel é o motivo central do símbolo da cidade. O estandarte (cuja combinação de cores faz lembrar a bandeira portuguesa), com o fundo metade em verde e metade em vermelho, tem no meio o recorte de São Miguel com o Dragão a seus pés, preenchido a amarelo vivo.
O estandarte de Coimbra conta com a figura da Rainha Santa, mas menos preponderante do que a do anjo no de Bruxelas, porque a composição coimbrã tem vários outros elementos e Isabel de Aragão não marca presença no quotidiano dos coimbrões como o anjo marca no dos bruxelenses. Porém, a Igreja da Rainha Santa impõe-se na paisagem, e se não ganha em volume à catedral da cidade de Bruxelas, ganha-lhe em antiguidade e história. Acresce que as Festas da Rainha Santa têm maior importância na cultura de Coimbra do que tem o dia 29 de Setembro, que é por tradição Dia de São Miguel, na cidade de Bruxelas – é assinalado sobretudo com celebrações eucarísticas evocando São Miguel, mas não há uma verdadeira tradição popular associada a essa data. Por outro lado, a nossa Rainha Santa é uma figura da História de Portugal, canonizada em 1625, e embora seja padroeira também fora de Portugal (no Brasil, em Espanha e nas Filipinas), não se pode comparar à universalidade de São Miguel. Na verdade, embora tenha a designação de “santo”, um anjo não pode servir de modelo a um ser humano, porque é, na sua essência, apenas espírito. Afinal, nenhum ser humano seria capaz de comandar um exército de anjos e com ele derrotar Satanás. Já a Rainha Santa, na sua inspiradora humanidade, é um modelo, seja de abnegação, de generosidade, de caridade ou de humildade. Celebremos tudo isso nestas Festas da Cidade, agora que decorrem 688 anos sobre a sua morte.