Coimbra  12 de Novembro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Associação Humana destaca “mudança radical” no consumo de roupa usada

2 de Julho 2024 Jornal Campeão: Associação Humana destaca “mudança radical” no consumo de roupa usada

Há cada vez mais portugueses a procurar roupa em segunda mão. O mercado de peças de vestuário usado tem vindo a ganhar cada vez mais força, sendo que os artigos agradecem a oportunidade de ganhar uma nova vida. Em Portugal, a Associação Humana orgulha-se de ser um dos projectos que promove a reutilização de têxtil. Em actividade desde 1998, a iniciativa assume um papel fundamental no que diz respeito à protecção do ambiente, ao impulsionar da economia circular e à melhoria de condições de vida de comunidades desfavorecidas.

“Acho que, em 25 anos, houve mesmo uma mudança bastante radical da percepção cultural do consumo de roupa usada”, destaca a responsável de comunicação da Humana Portugal, Andreia Barbosa, em declarações ao “Campeão das Províncias”. Contudo, nem sempre foi assim. A responsável admite que, numa fase inicial do projecto, as pessoas olhavam para a roupa em segunda mão com um certo preconceito. “Havia um pouco essa estigmatização e a associação a contextos de grande necessidade. As pessoas não queriam estar associadas a isso. Isto foi evoluindo e, hoje em dia, vemos uma atitude inversa”, revela.

Apesar de marcar presença no nosso país há apenas duas décadas e meia, a história da associação é antiga e transporta-nos até aos anos 70. Foi nessa altura, na Dinamarca, que um grupo de professores decidiu reunir esforços para ajudar no desenvolvimento de países mais vulneráveis. “Nasce, assim, a ideia de criar um negócio social à volta da venda de roupa usada. Um recurso que se percebeu que podia ser transformado em dinheiro para investir noutros projectos”, explica Andreia Barbosa.

Recolhidas 3.105 toneladas de artigos

Desde a sua génese, o conceito da Humana mantém-se: um negócio social de recolha, triagem e venda de roupa usada. Em Portugal, a recolha é feita através de uma rede de contentores que estão disponíveis em sítios públicos. No total, são 1.042 espalhados, sobretudo, pela área metropolitana de Lisboa e pelo Porto. Os cidadãos são, assim, convidados a colocarem lá as peças de roupa, calçado e acessórios que querem doar. No ano passado, a organização conseguiu recolher 3.105 toneladas de vestuário e calçado usado.

“Há um sistema de rotas feitas pelos nossos motoristas, com os nossos camiões, que vão regularmente esvaziar os contentores. Posteriormente, levam o material para uma estação de transferência para que, a partir daí, seja expedido para centros de triagem”, esclarece a responsável de comunicação. Esta é uma fase importante do processo, já que é avaliado o potencial de cada uma das peças. Isto é, quais é que estão em bom estado para ser vendidas e, pelo contrário, quais é que devem seguir o caminho da reciclagem.

No caso dos artigos que são para vender, a Humana Portugal tem abertas 21 lojas: 15, em Lisboa, e 6 no Porto. “Através delas, conseguimos escoar mais ou menos 20% daquilo que recolhemos”, adianta. A parte dos materiais que não é reutilizável é vendida a recicladores e, por outro lado, há uma parte “expressiva que vendemos a países africanos, onde esta roupa em segunda mão é um recurso importante, nomeadamente, a nível económico e social”, acrescenta Andreia Barbosa.

Jovens rendidos a lojas vintage

Do total de lojas da Humana Portugal, quatro são especializadas em roupa de décadas passadas. O vintage é, sobretudo, procurado pela população mais jovem “com interesse especial em construir uma imagem única e diferente”. Segundo a responsável, “há ali uma coexistência de estilos que permite encontrar algumas peças únicas e fazer umas combinações mais ousadas”.

Já numa perspectiva geral, os espaços físicos da associação recebem visitantes de todas as idades. Alguns deles, tornam-se, inclusive, clientes habituais. “Há pessoas que, de certa forma, fazem disto um passatempo: passam pelas lojas todos os dias para ver as novidades. Acabam por estabelecer com os colaboradores uma espécie de relação de vizinhança”, expõe.

Tendo em conta a busca crescente por este mercado, Andreia Barbosa não nega a vontade de expandir o projecto a outros pontos do país. “É uma coisa que nos é quase diariamente pedida. Recebemos regularmente mensagens de pessoas em Braga, Aveiro, Coimbra, Algarve…” que pedem a abertura de uma loja Humana na sua região. A responsável garante que estão a ser estudadas possibilidades e que “ainda não está nada fixo, mas creio que, este ano, pelo menos uma loja, já fora destes dois centros urbanos (Lisboa e Porto), vamos conseguir abrir”.

“Prolongar a vida da roupa”

A Associação Humana é pioneira na recolha selectiva e gestão sustentável de têxtil. Uma prática amiga do ambiente e que pode, realmente, fazer a diferença. A este propósito, Andreia Barbosa não tem dúvidas de que, para garantir a sustentabilidade, é cada vez mais importante impulsionar a economia circular.

“A economia circular não é nada mais do que uma transformação do nosso modelo económico, para que os recursos que são escassos do nosso planeta possam servir para satisfazer as necessidades humanas pelo maior tempo possível”, afirma. Alerta ainda para o facto de, actualmente, haver “um fluxo de desperdício enorme”, nomeadamente, na indústria da moda.

Uma das formas de alterar esta realidade passa por “prolongar a vida da roupa”. Deste modo, “é super importante haver canais para que esta roupa mude de mãos e satisfaça as necessidades e gostos de outra pessoa qualquer”. Para além disso, é ainda fulcral apostar na reciclagem. “Aqui há imenso a fazer do ponto de vista técnico e de infra-estruturas para conseguirmos dar respostas mais capazes a estes materiais. Hoje em dia, ainda temos muitas dificuldades neste ponto”, refere Andreia Barbosa.

Numa outra perspectiva, frisa que é preciso produzir peças mais duráveis e de maior qualidade. “Este modelo de fast-fashion é muito bom a fazer peças em quantidade mas, muitas vezes, fracas e com materiais que se degradam facilmente”, ressalva. A reparabilidade é ainda uma preocupação da Humana que está a trabalhar para que seja possível “intervir numa peça e resolver qualquer problema que esta possa ter. Assim, o artigo pode continuar a ser usado”, completa.

Para além de impulsionar a economia circular, a Humana Portugal pretende ainda melhorar as condições de vida de comunidades desfavorecidas, com foco em Moçambique e na Guiné-Bissau. “Anualmente, transferimos fundos provenientes do nosso negócio de roupa usada para estas organizações. É mais ou menos este esquema que vigora para alimentar projectos na área da educação, saúde, desenvolvimento comunitário e agricultura sustentável que são levados a cabo nesses países”.

A organização apela, assim, à colaboração de toda a comunidade, com a certeza de que a união faz a força. Todos os interessados podem ajudar a Humana na sua missão através de doações, compra de peças de vestuário, donativos, voluntariado internacional e parcerias.

Cátia Barbosa

(Jornalista do “Campeão” no Porto)