João Miguel Henriques, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, que está a apenas um ano de concluir o último mandato, após 11 anos de liderança, tem motivos para celebrar: a autarquia sairá do processo de assistência financeira em 2025, um feito que descreve como “uma vitória de todos”. Em Janeiro deste ano, o autarca recordou os desafios iniciais do seu mandato em 2013, quando Vila Nova de Poiares era um dos municípios mais endividados do país, o que exigiu um grande esforço de maximização das receitas e impacto no esforço tributário dos poiarenses. Hoje, a Câmara de Vila Nova de Poiares é a única no país que paga a pronto e o concelho apresenta um desenvolvimento notável em várias áreas, desde o turismo e o empreendedorismo até ao sector social.
Campeão das Províncias [CP]: Vila Nova de Poiares apresenta-se muito bem a nível da gastronomia.
João Miguel Henriques [JMH]: Efectivamente, Poiares tem essa particularidade. Nós, além de termos uma gastronomia afamada, assente na marca da Chanfana, mas que não é o único prato característico do nosso concelho, temos a sorte e o privilégio de ter uma restauração que trata muito bem aqueles que nos visitam e que continua a ser muito procurada, não apenas pelos que estão mais perto, mas também dos concelhos vizinhos. Estamos situados à beira da Estrada da Beira, que durante muitos anos foi estratégica para a ligação ao interior e, nomeadamente, a Espanha, através da fronteira de Vilar Formoso. Era uma estrada com muito mais trânsito do que tem hoje, pois não havia IP3, A25, IP5, nem outras alternativas. Com o tempo, estas novas vias foram surgindo, e a Estrada da Beira deixou de ser tão utilizada, mas manteve a sua marca.
[CP]: No próximo fim-de-semana vão realizar a I Feira de Caprinicultura?
[JMH]: Há algum tempo que tentamos desenvolver a marca Capri Land, inspirada na tradicional chanfana. Respondendo a um desafio do Ministério da Agricultura, estabelecemos em Vila Nova de Poiares o Centro de Competências da Caprinicultura, com actividade nacional e do qual resultou a realização desta Feira. O segundo Congresso Nacional de Caprinicultura, inserido na Feira, será o primeiro em formato presencial. Já realizamos um primeiro, mas foi online porque calhou na altura da pandemia. Esta Feira vai decorrer desta sexta a domingo e esperamos a participação de profissionais e do público em geral, com várias animações e produtos disponíveis, incluindo queijo de cabra e outros. (Ver página 15)
[CP]: A Câmara apostou também num projecto de promoção turística, que está a ter bastante sucesso, “Um dia com o Pastor”.
[JMH]: É um projecto turístico que está a ser muito bem recebido e com grande procura, tanto por pessoas individuais como por grupos, que vêm essencialmente de meios mais citadinos e que gostam de passar um dia ou um fim-de-semana no campo. Em contacto com a natureza, podem fazer caminhadas, ver o pôr-do-sol, apreciar as paisagens e conviver com os animais, nomeadamente com as cabras e os cabritos, que são animais muito pacíficos e que gostam de brincar e de interagir com as pessoas. É uma forma diferente de fazer turismo, tendo contacto com a natureza e, neste caso, com os animais, e está a ser um sucesso.
[CP] Mas há outros projectos turísticos que estão a ser desenvolvidos?
[JMH]: Sim, estamos a ganhar notoriedade a nível turístico, por exemplo, desde o início, integramos a Rota da EN2, um produto turístico com grande impacto no território que tem alcance nacional. Este projecto, apoiado pelo nosso município e pela Associação Rota da Nacional 2, tem dinamizado Poiares, especialmente no Verão, com muitas pessoas a percorrerem a estrada e a pararem na nossa vila. O turismo de natureza tem sido potenciado, aproveitando as características únicas da nossa região, como os vales verdejantes e os rios propícios a desportos como escalada, parapente, percursos pedestres e BTT. Com mais de 200 km de pistas de BTT certificadas, percursos pedestres, parapente, escalada, canoagem, entre outras, temos promovido estas actividades e recentemente lançámos a marca Capri Nature, um produto que engloba todas essas ofertas.
[CP]: Há um outro Centro que também está bastante activo, o Centro de Competências de Envelhecimento Activo?
[JMH]: O Centro de Competências do Envelhecimento Activo não tem a sua sede em Vila Nova de Poiares, mas sim uma delegação regional. A intenção do Centro é estabelecer uma delegação em cada distrito do país, não necessariamente nas capitais de distrito, mas em outros concelhos, descentralizando assim as suas actividades.
Possui duas técnicas a trabalhar a tempo inteiro, com a finalidade de acompanhar e capacitar o trabalho das várias entidades locais ao nível do envelhecimento activo. Isto é uma mais-valia para nós, pois conseguimos apoiar as instituições locais que já desenvolvem muitos projectos nesta área, oferecendo-lhes apoio, formação e estabelecendo contactos com outras entidades nacionais para o desenvolvimento dessas actividades.
Estamos naturalmente satisfeitos por termos conseguido estabelecer esta delegação no nosso concelho e pelo impacto positivo que tem tido, como se pode ver pelos vários encontros de seniores que têm tido lugar em Poiares, desenvolvidos por vários parceiros locais.
[CP]: A Câmara também é uma autarquia solidária. Por exemplo, atribuiu um apoio extraordinário à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de quase 100 mil euros.
[JMH]: As câmaras municipais têm o dever de apoiar aqueles que são fundamentais para a nossa população. Vivemos numa organização social onde os bombeiros desempenham um papel crucial no apoio às comunidades, seja no socorro, no transporte de doentes ou em outras acções de protecção civil e saúde. As associações de bombeiros, sendo humanitárias e sem fins lucrativos, dependem muito do voluntariado e de donativos de empresas, indivíduos e instituições públicas, incluindo as câmaras municipais.
[CP]: E como está o tecido empresarial de Vila Nova de Poiares?
[JMH]: As empresas têm vindo a crescer e o Parque Empresarial aumentou substancialmente devido ao investimento realizado no último quadro comunitário, com a construção do Pólo 2. Actualmente, estão a instalar-se novas empresas nesse Pólo, o que evidencia o crescimento contínuo da área empresarial, que é uma referência a nível distrital. O nosso concelho está entre os que apresentam maior volume de negócios, apenas superado por Coimbra, Figueira da Foz e Cantanhede. Contudo, a questão das acessibilidades demora mais tempo a ser resolvida. Com a mudança de governo, aguardamos o seu posicionamento para resolver a ligação ao IP3 e à alternativa à Nacional 17, cujos projectos já estão em andamento. Existe uma resolução do Conselho de Ministros que já aprovou uma dotação de 20 milhões de euros para esta obra, embora insuficiente para a mesma. O anterior Ministério das Infraestruturas indicou que a obra seria faseada, começando pela ligação entre Poiares e o IP3, para a qual o financiamento já está garantido. Este investimento é fundamental, não apenas para Vila Nova de Poiares, mas para todos os concelhos a sul do Mondego, como Lousã, Góis, Miranda do Corvo e Pampilhosa da Serra. A ligação ao IP3 é estratégica para a mobilidade e acessibilidade da região.
[CP]: A Câmara prevê sair do endividamento já em 2025, mas paga a pronto. Como é que conseguem fazer isso?
[JMH]: Não esperávamos ser o município que pagava mais rapidamente em todo o país, mas fiquei muito contente com a notícia, especialmente considerando a nossa situação de endividamento. Em 2013, enfrentámos uma dívida elevada, com muitas situações financeiras e judiciais não registadas e sem provisão orçamental. Parecia que tudo estava à espera da nossa chegada para cair sobre nós.
Tínhamos uma dívida consolidada quatro vezes superior à nossa receita corrente anual. Perante esta situação, recorremos ao Fundo de Apoio Municipal (FAM) criado pelo Governo, contraindo um empréstimo de 14 milhões de euros. A dívida total era superior a 20 milhões de euros, mas conseguimos reestruturar alguns empréstimos bancários em condições mais vantajosas.
A reestruturação da dívida a 25 anos deu-nos alguma margem de manobra. No entanto, mais de um milhão de euros do nosso orçamento anual destina-se ao serviço da dívida, limitando a nossa capacidade de investimento. Assim, focámo-nos na utilização eficaz dos apoios financeiros, especialmente dos fundos comunitários, que exigem uma comparticipação nacional.
Implementámos uma gestão rigorosa das despesas, exigindo o cabimento contabilístico antes de qualquer gasto. Digitalizámos e desmaterializámos todos os processos da Câmara, o que melhorou a eficiência e rapidez nos pagamentos.
[CP]: Falta um ano para terminar o mandato. Qual é a sensação?
[JMH]: Sinto já alguma saudade e nostalgia, pois foram 12 anos muito intensos. Desde a situação financeira encontrada no Município em 2013, passando pelos incêndios de 2017 que devastaram o concelho, a pandemia, até à necessidade constante de encontrar soluções para as dificuldades das pessoas, foi um período de enorme exigência e proximidade com a comunidade.
Estamos a preparar grandes investimentos para o concelho, aproveitando o PRR e o PT 2030, em áreas como educação, saúde e habitação social. Embora estes projectos estratégicos sejam definidos por nós, serão executados por quem nos suceder, o que é inevitável para garantir a continuação do desenvolvimento do concelho.
Entrevista: Luís Santos/ Joana Alvim
Publicada na edição do “Campeão” em papel de quinta-feira, dia 30 de Maio de 2024