Coimbra  2 de Dezembro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Hernâni Caniço

A idade e a política

24 de Maio 2024

A ideia de renovação na política tem movido as forças políticas e os cidadãos a ponderar que se traduziria pela melhoria do desempenho político, pela retracção de erros cometidos, pela inovação no campo das ideias e da criatividade, pela substituição de interesses obscuros por causas idílicas.

A velhice não deve ser um “posto” de direitos adquiridos e a título perpétuo, não devem existir “vacas sagradas” em cargos públicos acima de qualquer suspeita, mas também não é um resvalar decrépito para a insanidade nem uma garantia de estar ultrapassado nos princípios e na sua evolução, na desactualização do conhecimento e na inadaptação de comportamento.

A juventude de per si, representa a capacidade de aquisição de novos paradigmas e contestação de dogmas, a força de execução de ideias e práticas com mobilização activa, mas nem sempre faz o aproveitamento da experiência de outros que pode racionalizar atitudes e decisões, e tem a ilusão que deveria passar de canção, mas nem sempre, e pode levar a erro de percepção.

Por outro lado, há velhos que são novos, no entendimento da oportunidade de mudança, na capacidade organizativa e na selecção das ideias sem preconceito, enquanto há novos que são velhos, na concorrência a cargos e funções independentemente do mérito, no establishment instituído, na persistência das acções de propaganda sem aperfeiçoamento ou novidade.

Estamos numa sociedade em que há velhos com rendimentos obscenos e outros com carências sociais extremas, e novos a que nada falta e outros com salário mínimo ou desemprego para as suas qualificações.

Manuel Freire, no seu “Cantar de emigração” intemporal, diz-nos “Ei-los que partem, Novos e velhos, Buscar a sorte, Noutras paragens, Noutras aragens, Entre outros povos”. E conclui que “Virão um dia, Ricos ou não, Contando histórias, De lá de longe, Onde o suor, Se fez em pão, Virão um dia, Ou não”.

A política traz novos e velhos, novas causas e velhos princípios, nova energia e velha sapiência, integridade e coerência, sentido cívico e voluntariado, mas também traz oportunistas e carreiristas, desqualificados e inoperantes, habilidosos e perda de escrúpulos, populismo e perversão.

A renovação em política faz-se com substituição daqueles que sejam menos competentes e mais oportunistas, sejam novos sejam velhos, por agentes políticos de comprovada qualidade, maior competência e grau de conhecimento reconhecido, sejam novos sejam velhos.

Os velhos, que estão a ser marginalizados por alguns jovens, são aqueles que têm a experiência e fizeram a luta antifascista e a Revolução de Abril. Não precisam de provar nada mais a ninguém e, de facto, já merecem descansar, se o quiserem. E ser respeitados.

Os novos, que nem sempre são reconhecidos pelos velhos, têm a força das ideias, o vigor da juventude e a sabedoria de viver em liberdade. Precisam de igualdade de oportunidades, e merecem trabalhar e viver política como acto de cultura. E ser respeitados.

(*) Médico e vereador do PS na CM de Coimbra