Um amontoado de ferro velho, constituído por parafusos, velas, correntes de bicicletas ou extintores, está a ganhar vida nova numa oficina de Cantanhede, onde um escultor decide se nascerá um jarro, uma locomotiva, uma guitarra ou uma mesa.
Paulo Gouveia olha para o ferro velho que alguns amigos e conhecidos lhe fazem chegar e à medida que vai pegando nas peças enferrujadas e em fim de vida vai imaginando a nova forma que lhe dará.
Há poucos dias recebeu um bidon antigo de resina e a partir dali nascerá um barco ‘Viking’, que imaginou depois de recortar aquilo que será a vela.
“O que mais me entusiasma é o prazer de construir, o quanto desfruto enquanto estou a criar. Não é tanto a obra final, embora também goste de ver o resultado”, contou à agência Lusa Paulo Gouveia.
A metamorfose da sucata ocorre na oficina que montou na garagem de sua casa, no concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, recorrendo à soldadura por eléctrodos.
Trata-se de um tipo de soldadura manual, na qual uma fonte térmica desenvolve calor e provoca uma rápida fusão do material base e do eléctrodo (material de adição).
Da junção de parafusos, porcas e anilhas nasceu um jarrão, enquanto da fusão de anilhas nasceu o busto de um cavalo em que a crina foi construída com pregos que ganharam uma cor dourada.
As velhas correntes de bicicleta servem para criar porta-chaves ou para serem utilizadas para ajudar a dar forma a um navio ou até um comboio, enquanto a partir de discos de corte de pedra ou pastilhas de travões nascem peças decorativas.
A lista de peças de arte criadas é extensa, contando-se mais de quatro centenas, nenhuma igual.
“Uma peça é irrepetível, é impossível fazer duas iguais. Posso fazer duas parecidas, mas iguais não consigo, porque o ferro velho é todo diferente, cada peça tem as suas particularidades”, explicou.
Um candeeiro de mesa pode ser feito de tubos, um chaveiro de velas de carros ou uma metralhadora com amortecedores, discos de travão e tubos.
“Na verdade, nada se perde, tudo se transforma. Acabo sempre por imaginar uma utilidade para aquilo que parece sucata”, acrescentou.
A paixão por criar peças começou quando ainda não tinha 18 anos e decidiu construir um barco em lego, assente numa base de madeira, com mais de um metro de comprimento e servindo-se de peças aleatórias e de todo o tipo.
“Demorei mais de cinco anos a construir o barco e a dada altura decidi abandonar o lego, mas usando o mesmo método passei para a soldadura permanente, que, ao contrário do lego, não dá para fazer e desfazer”, indicou.
A primeira peça que construiu a partir de ferro velho foi uma mota, tinha então quarenta e poucos anos, seguindo-se um carro blindado e uma locomotiva.
Agora, com 56 anos, dedica-se, desde Março, a tempo inteiro a esta forma de artesanato, embora ainda não saiba muito bem se conseguirá sustentar-se.
Depois de 27 anos como técnico electromecânico e 12 a trabalhar em energias renováveis, questões de saúde obrigaram-no a fazer uma pausa e a agarrar uma paixão que há muito vinha sendo reconhecida por amigos e vizinhos.
“Começou a expor os seus trabalhos há cerca de um ano, por incentivo dos vizinhos e do filho, e a sucessão de convites para novas exposições mostram que as suas peças são apreciadas”, referiu a mulher, Yanette Martins, que é quase uma espécie de ‘manager’.
Até ao final de Maio, uma mostra com algumas dezenas de peças criadas por Paulo Gouveia poderá ser apreciada na antiga destilaria do Instituto da Vinha e do Vinho, na Mealhada (distrito de Aveiro).
As peças podem ir dos cinco euros aos quatro mil euros, embora algumas por razões afectivas nem estejam à venda.
As peças religiosas são as mais solicitadas, especialmente o Santo António, a par dos templários e outros adereços medievais, bem como as guitarras em tamanho real.