Nem sempre estão à vista de quem passa. Habitam nas periferias e crescem escondidos, longe dos olhares curiosos. São dezenas de cães que fazem das ruas de Coimbra a sua casa. Uma realidade que tem vindo a preocupar o Movimento de Intervenção pelas Matilhas, já que as ninhadas não param de aparecer e não existe capacidade para dar resposta a todas.
“O que nós defendemos é que este problema já existe. As matilhas existem e estão a procriar descontroladamente”, alerta Sofia Magalhães, directora do Movimento, em declarações ao Campeão das Províncias. Como forma de inverter este cenário, a associação luta pelo Capturar-Esterilizar-Devolver (CED), cujo objectivo passa por controlar e reduzir o número de animais sem- abrigo, bem como cuidar do seu bem-estar. “Já é aplicado há mais de uma década em gatos e tem sido um sucesso. Tem provas dadas no controlo da população e até na aceitação por parte da sociedade de que os animais vivam em harmonia”, sublinha a responsável. Contudo, o CED não é ainda legal para cães.
Importância do CED
Os bichos sempre estiveram presentes na sua vida, o que, a partir dos 20 anos, a levou até ao voluntariado. Sofia Magalhães sabia que queria ir para as ruas e ajudar o maior número de animais possível. Contudo, rapidamente se apercebeu da dificuldade deste processo. “Não defendemos, para os cães adultos, na sua maioria, a retirada da rua, porque são de muito difícil socialização”, explica. Nestes casos, o Movimento dedica-se a fornecer-lhes alimentos e medicação, por forma a garantir-lhes alguma qualidade de vida.
Todavia, o facto de não ser possível dar-lhes um lar é, segundo a responsável, a prova de que “é necessário avançar” com o CED. Apesar de não existir ainda legislação nesse sentido, o Orçamento do Estado para 2024 contempla uma verba de 3.800.000 euros para “apoiar os centros de recolha oficial de animais e as associações zoófilas nos processos de esterilização de animais, no âmbito de uma campanha nacional de esterilização, incluindo de cães errantes, alargando o programa CED aos mesmos, mediante alteração da legislação em vigor”, lê-se no art.º 200.º.
“Temos esperança que este seja um dos temas a vir para cima da mesa e que a lei, de facto, seja alterada, porque o problema não existe apenas em Coimbra. Está a acontecer noutras cidades também”, sublinha Sofia Magalhães. A avançar, a associação garante que será “a primeira a colaborar na captura dos animais para que estes possam ser esterilizados e devolvidos ao seu habitat”.
35 cães resgatados em 2023
Começou com o nome “Movimento de Protecção às Matilhas”, em 2019, aquando da sua fundação. Na altura, era constituído por três cuidadoras que, actualmente, já não integram o projecto. Sofia Magalhães conheceu a iniciativa em 2020 e, dois anos mais tarde, tornou-se sua directora. O Movimento de Intervenção pelas Matilhas nasce, oficialmente, como associação em 2023 e, desde então, nunca mais parou.
“No ano passado, resgatámos 35 cães/cachorros das ruas e matas de Coimbra e promovemos 31 adopções”, revela a responsável. Além disso, “na rua, cuidamos de cerca de 60 a 70 animais”. Para isso, contam com o apoio de vários voluntários que prestam auxílio ao nível da alimentação, socialização, contabilidade, angariação de donativos, promoção do projecto nas redes sociais, entre outras questões. A este respeito, Sofia Magalhães considera que há dois factores essenciais quando se trata de lidar com este tipo de animais.
“Em primeiro lugar é estarmos dispostos a ganhar conhecimento”, frisa. Deste modo, o Movimento oferece sempre uma formação básica aos voluntários. “Aprende-se que olhar para um animal de frente pode ser uma ameaça; aprende-se a interpretar os sinais dele; portanto, temos apenas de ter disponibilidade para ouvir e aprender”, acrescenta. Em segundo lugar, “é preciso compromisso. Dizer ‘eu estou aqui’ e, depois, realmente fazer o prometido”.
Todos podem contribuir
Prestar auxílio a animais em situação de vulnerabilidade ainda é um processo complexo, sobretudo, no que diz respeito à questão financeira. Às despesas com alimentos, juntam-se ainda as despesas veterinárias que, muitas vezes, se vão acumulando. “Não temos nenhum apoio estatal. Vamos conseguindo ajuda através de sócios”, assume Sofia Magalhães. Para ser associado do Movimento, basta pagar uma quota mensal com o custo de dois euros. “É um valor simbólico, mas que nos ajuda muito, porque acaba por ser uma receita mais ou menos regular com que podemos contar”, salienta.
A associação conta ainda com donativos de particulares e dinamiza várias acções, ao longo do ano, com vista a angariar fundos. “Neste momento, estamos a tentar construir um espaço onde possamos gerir as ninhadas. Como não temos abrigo, sempre que resgatamos uma ninhada é uma dificuldade enorme”, lamenta ainda. O Movimento de Intervenção pelas Matilhas ambiciona, assim, ter um espaço físico para poder dar um lar digno a dezenas de bichos, enquanto estes não são adoptados.
Não obstante, a associação assume ainda um papel de relevo no que concerne à sensibilização. “Tentamos, sempre que nos é aberta essa porta, fazer acções pedagógicas nas escolas. Acreditamos que o futuro está nas crianças”, afirma a responsável. Assim, a importância da esterilização de cães também é explicada aos mais novos, de modo a que estes compreendam que “podemos viver em harmonia com os animais que vivem, à nossa volta, na nossa cidade”, remata.
O Movimento de Intervenção pelas Matilhas aceita todo o tipo de donativos. Estes podem ser enviados para o 910 003 954 ou através do IBAN PT50 0045 3030 4037 6153 5701 9. Quem, em contrapartida, quiser dar uma casa a estes animais pode entrar em contacto com o projecto através da página de facebook ou instagram.
Cátia Barbosa (Jornalista do “Campeão” no Porto)
Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de 16 de Maio de 2024