Pela sua gravidade e constituir um atentado à democracia que terá sido perpetrado pelo Presidente da Câmara de Coimbra, relevo este assunto, que aliás julgaria não ser necessário abordar, vivendo nós em regime democrático desde há 50 anos e constitucional desde há 48 anos.
A Biblioteca Municipal de Coimbra, inaugurada em 24 de Dezembro de 1922, é uma “estrutura ao serviço da democratização da cultura”, tendo no seu Regulamento, quanto aos objectivos, “proporcionar condições básicas que permitam o exercício informado da reflexão, do debate e da crítica, tendo em vista o exercício dos direitos democráticos e o desempenho de um papel activo na sociedade”, contando entre as suas actividades, com a realização de “conferências”.
Tendo sido retomadas as Conferências Políticas, a Biblioteca Municipal de Coimbra convidou dois académicos para comissários, no intuito destes definirem os painéis de discussão e os oradores a convidar, sendo um de esquerda e outro de direita, como é lógico, para permitir a expressão de liberdade de pensamento de correntes diversas.
Segundo relato no “Campeão das Províncias”, o Presidente da Câmara terá vetado a participação da Prof. Doutora Ana Abrunhosa (da FEUC) e da Prof. Doutora Alexandra Leitão (da FDUL), dirigentes do Partido Socialista, alegando estarem na política activa, mas substituindo-as por pessoas que estão precisamente na mesma situação, quiçá de direita ou “fofinhos”.
Assim, terá interferido nas decisões dos comissários nomeados, criado o critério de exclusão de convidados políticos no activo (que aplicou apenas aos convidados de esquerda), e não permitindo por consequência o livre debate ideológico próprio do regime instaurado a 25 de Abril, faz agora 50 anos.
O Presidente da Câmara, que aos 14 anos que tinha em 1974, teria idade para possuir a carta de condução de velocípedes sem motor (enquanto outros já lutavam pela liberdade, com as consequências que são públicas), decorridos 50 anos e atendendo ao seu exercício de um cargo no poder local democrático, parece demonstrar ser um decisor autocrata, que proclama sucessivamente não ser.
E terá demonstrado descarado monolitismo e ausência de espírito democrático, impedindo debate ideológico em concorrência leal, transformando um diálogo entre correntes de pensamento em meras sessões de propaganda eleitoral, reservadas à sua linha política de direita.
Desvirtuar um acto de cultura
Quererá o Presidente da Câmara excluir do regime democrático um partido de luta antifascista como o Partido Socialista, onde pontificaram Mário Soares e António Arnaut, entre muitos outros, além de outras forças da esquerda, e desvirtuar o espírito da literacia, do conhecimento científico e da política como acto de cultura através da Biblioteca Municipal de Coimbra?
Apesar de toda a sua pesporrência, terá José Manuel Silva medo que o Partido Socialista, através de qualificados oradores, com estatuto académico de relevo, experiência profissional incólume e acção política da maior preponderância, venha a por em causa a sua agenda de recondução como Presidente da Câmara Municipal de Coimbra?
Quando acabámos de ter uma Assembleia Municipal Jovem aqui ocorrida, nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que exemplo dará José Manuel Silva à juventude que aos 14 anos (e idades inferiores e superiores) aqui se expressaram livremente, com participação cívica e com ideias diferentes, mas responsavelmente?
A ser assim, não, Presidente. Os cidadãos não entenderão a sua postura política e a sua prepotência no cargo que ocupa, tal como não reconhecerão a valia unipessoal que diz ser apanágio da sua liderança nem a obra pretensamente inatacável e sublime que diz fazer, e não corresponderão ao seu desejo de permanecer 8 anos como Presidente da Câmara.
Dado que o Presidente não tem declarações públicas conhecidas sobre o assunto, foi instado em sessão de Câmara a pronunciar-se, competindo-lhe esclarecer o ocorrido, na sua versão, de forma a que os cidadãos pudessem apreciar, em liberdade, o conceito de democracia. Recusou responder, remetendo para um comunicado posterior…
(*) Médico e vereador do PS na Câmara de Coimbra