Decorrido meio século sobe o 25 de Abril cumpre perguntar sobre as repercussões que se fizeram sentir na Justiça.
Elenco, desde já e em traços largos, três alterações estruturais: a entrada das mulheres na magistratura, profissão que lhes estava vetada até então; o fim dos terríveis tribunais plenários e as alterações legislativas que se foram fazendo ao longo dos anos.
Durante o Estado Novo tínhamos um sistema judicial profundamente autoritário, repressivo e com uma legislação misógina e discriminatória.
O acesso das mulheres à magistratura e também à carreira do MP, sendo que esta, com Abril, também se tornou uma magistratura, foi uma conquista de Abril e uma vitória dos Direitos Fundamentais.
Os tribunais plenários eram tribunais políticos especiais e um dos principais instrumentos repressivos do Estado Novo contra os seus opositores.
Não podemos esquecer que a PIDE tinha competência exclusiva para a instrução dos processos que ali corriam e onde se torturavam e eram julgadas pessoas que o regime queria silenciar.
Vergo-me perante os corajosos Advogados que não tiveram medo de pôr em causa a carreira e a liberdade para ali defenderem os presos políticos.
Recordo aqui a escrita de Aquilino Ribeiro, no livro “Quando os Lobos uivam” e a magistral descrição que aí se faz do terror que estes tribunais causavam e da atuação dos seus membros.
É por causa destes tribunais de má memória que a nossa Constituição proíbe a existência de tribunais com competência exclusiva para julgar certas categorias de crimes (art.º 209.º, n.º 4, CRP).
Ao nível da legislação substantiva há que salientar a reforma do Código Civil em 1977, estabelecendo o princípio da igualdade entre os cônjuges nas várias disposições do Direito da Família e o Código Penal de 1982 que consagrou um direito criminal humanista e eliminou as prerrogativas que os homens tinham quando cometessem crimes em virtude do adultério das mulheres.
Também a legislação processual civil e penal foi sendo alterada em prol de uma maior e melhor efectivação do respeito pelos Direitos, Liberdades e Garantias, como por exemplo, um maior escrutínio nos recursos ao preverem a possibilidade da gravação dos julgamentos com vista à sua reapreciação por um tribunal superior.
Sublinho a traço forte as alterações de 1995 ao Código Penal no que toca aos crimes sexuais, sendo a pedra de toque do voltar a página no entendimento da criminalidade sexual.
Pelas datas dos diplomas legais vemos que as alterações mais relevantes demoraram anos a fazer, leia-se legislar, e muitas delas ainda não chegaram à prática.
O mundo da justiça é conservador, com as várias profissões forenses a perpetuar hábitos e práticas inerentes a cada uma delas, o que dificulta qualquer reforma estrutural que se pretenda fazer, sendo que, em abono da verdade, a vontade política também não tem sido muita.
Tendo sempre por norte a CRP de 1976, dir-se-á que Abril tem feito caminho na justiça mas ainda não chegou “o dia inicial inteiro e limpo”, imortalizado nos versos de Sophia.
(*) Advogada