O Poder Local foi das maiores vitórias do 25 de Abril. Inicialmente periclitante no arranque, porque ainda teve que ir desenvolvendo e potenciando os seus projectos com todo um sistema e uma estrutura que vinha do passado. Mas as pessoas foram-se adaptando às novas realidades e foi efectivamente o Poder Local que, de um momento para o outro, arrancou e ajudou Portugal a recuperar de um atraso muito grande.
De uma macrocefalia em que tudo era decidido por Lisboa, e o resto era paisagem, avançou-se para os espaços territoriais conseguirem encontrar soluções em conjunto, congregando vontades e definindo estratégias para o desenvolvimento económico, social e cultural.
Os estrangulamentos políticos e até partidários foram existindo e muita gente queria marcar espaços e fronteiras, o que não era o melhor para as decisões que se impunham no dia-a-dia para o bem-estar das comunidades. Em Portugal há 308 municípios e houve uma alteração na criação de alguns municípios, a integração de freguesias, e houve um papel muito importante desempenhado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e pela Associação Nacional de Freguesias.
Abriu espaço de convergência entre autarcas e faz a transição do espírito dos autarcas do 25 de Abril para aspectos que se tornaram mais administrativos, mais gestores, com menos influência política, vieram as comunidades intermunicipais, as associações entre vários municípios, com autonomia jurídica, financeira e administrativa, com relevância para que efectivamente para “cá do Marão mandam os que cá estão”, sem que isto signifique à revelia do Estado, porque as autarquias fazem parte dessa estrutura. Mas muitas vezes fizeram frente ao próprio Governo, porque se sabia que 1 euro aplicado pelas autarquias, nas infraestruturas, correspondia a pelo menos 3 euros aplicados pelo Estado, demonstrativo que se fazia mais com menos e que se está mais próximo do que é o dia-a-dia da necessidade das populações, em todas as áreas.
Afastou-se a aproximação às pessoas
Foram-se criando entidades entre autarquias mas não me parece que isso traga mais melhorias em termos da força do que eram as autarquias com o espírito do 25 de Abril. Vai sendo assim a modernização, o desenvolvimento, mas não vejo que as autarquias tenham hoje mais autonomia, mais liberdade de acção, porque vivem estranguladas dentro de determinadas estruturas que mandam à distância naquilo que deve ser decidido em cada terra de per si. Deve-se procurar sempre o associativismo para com pouco fazer muito, mas não esquecendo o espaço próprio de cada um, fazendo melhor que o outro, mas que redunde no benefício de todos.
Não contesto que existam comunidades intermunicipais e algumas empresas que foram criadas, substituindo os municípios em coisas fundamentais como o abastecimento de água, a recolha de lixo, o tratamento de águas residuais, que visam o lucro para irem resistindo, mas não têm a aproximação às pessoas, o humanismo de uma estrutura municipal, onde os vereadores e o presidente da Câmara convive todos os dias com a população. Mesmo as comunidades intermunicipais decidem muito à distância, sobre coisas que são importantes num município, ou dois, e já não são tão importantes noutros.
O Poder local deve manter a sua autonomia e fazer parcerias em face de um Estado que transfere competências mas nunca a mochila financeira à dimensão dos custos na aplicação no terreno e tudo isto ainda se vive numa grande baralhada, que uns gostam e outros têm que ir engolindo.
Após o 25 de Abril houve as convicções que movimentavam as estruturas autárquicas em torno das populações e hoje as autarquias transforaram-se muitas vezes num espaço administrativo, sem a força política e reivindicativa para resolver muitos problemas, que contrinuam a ser resolvidos, não em Lisboa, noutros governozinhos que não são isentos na procura da divisão equitativa dos meios ou das opções que cada um entende que são as melhores para resultar no espaço do seu município, para depois, em termos colectivos, criar riqueza e maior desenvolvimento de agrupamentos de distritos.
A divisão do distrito estava correcta e extinguiram os governos civis para fazerem as comunidades intermunicipais, mas perdeu-se um pouco a força política e isso não é bom para a força política dos municípios e a qualidade de vida dos cidadãos.
(*) Depoimento do antigo presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, durante quase 40 anos