Na passada edição, e a propósito da Semana Santa, publicámos um trabalho sobre o turismo religioso e espiritual, com foco no Centro do país. Sobre o tema, Carlos Abade, presidente do Turismo de Portugal, analisa ao “Campeão” a importância que este nicho tem na oferta turística nacional.
Campeão das Províncias [CP] Como avalia a importância do turismo religioso actualmente em Portugal e que diferenças existem hoje comparado com há 20 anos, por exemplo?
Carlos Abade [CA]: O turismo religioso desempenha um papel significativo em Portugal, sendo um elemento fundamental da oferta turística. Ao longo dos anos foi notória a crescente importância deste segmento, não apenas como uma manifestação da fé, mas como uma forma de explorar a riqueza histórica, cultural e espiritual do País. Comparativamente, há duas décadas, observamos uma evolução marcante no turismo religioso em Portugal. Há uma maior diversificação de rotas e destinos religiosos, uma ampliação na oferta de experiências autênticas e uma maior acessibilidade às práticas religiosas e aos locais de culto. Além disso, houve uma valorização do turismo religioso como um segmento turístico de interesse internacional, o que resultou em esforços mais direccionados para a promoção e para o desenvolvimento deste sector, tanto a nível nacional como regional. Esta evolução reflecte uma mudança nas preferências dos turistas e uma resposta às necessidades e expectativas contemporâneas, que procuram experiências espirituais e culturais enriquecedoras durante as suas viagens.
[CP] Qual tem sido o apoio do Turismo de Portugal para impulsionar este segmento e que sinergias têm sido essenciais?
[CA]: O Turismo de Portugal tem contribuído para a implementação de diversos projectos inseridos no âmbito do turismo religioso, através das linhas de apoio do programa ‘Valorizar’, designadamente, das linhas de apoio à valorização turística do interior e do turismo acessível.
No caso dos Caminhos de Fátima, é de destacar o trabalho com os municípios, as Entidades Regionais de Turismo, a Associação Caminhos de Fátima e o Centro Nacional de Cultura na permanente melhoria da experiência nos traçados que, em contexto natural e paisagístico, permitem a fruição da natureza e do património cultural e religioso associado. No que diz respeito ao Caminho de Santiago, são de destacar os cinco itinerários do Caminho Português de Santiago já certificados, abrangendo as regiões Norte, Centro e Alentejo-Ribatejo (outros Caminhos estão em processo de preparação para a certificação), situação que contribui para a crescente valorização e reconhecimento internacional de Portugal neste âmbito, tanto mais que se trata de uma oferta com crescente procura junto de mercados que procuram experiências de espiritualidade, associadas ao património e à natureza. De registar um crescente interesse de empresas turísticas em desenvolver programas nos Caminhos de Santiago e de Fátima, em formato “guided” ou “self-guided”, garantindo assim uma melhoria da experiência em termos de serviços de apoio. No âmbito da Herança Judaica, o Turismo de Portugal propõe-se dar continuidade às acções de formação para capacitação dos agentes turísticos, na sua rede de Escolas de Hotelaria e Turismo e em articulação com a Rede de Judiarias de Portugal, dinamizar a procura internacional para os locais e património de memória judaica. De destacar, ainda, o apoio do Turismo de Portugal ao Workshop Internacional de Turismo Religioso, organizado pela ACISO, em Fátima, e que este ano contou com 130 operadores internacionais, de vários continentes, constituindo uma oportunidade muito relevante para promover internacionalmente Portugal como destino de turismo religioso e espiritual.
[CP] Fátima é sempre o ponto à cabeça, mas de que forma tem sido possível apostar num produto integrado – oferta espiritual e turística – de norte a sul?
[CA]: A aposta num produto integrado de turismo religioso, que combine oferta religiosa e turística de norte a sul de Portugal, tem sido prioridade para o desenvolvimento do sector. Embora Fátima seja indiscutivelmente um ponto de referência, o Turismo de Portugal, com os seus parceiros regionais e institucionais, e com os operadores turísticos, tem procurado destacar e promover outros destinos religiosos menos reconhecidos em todo o País, bem como dinamizar a oferta de serviços turísticos associados a esses destinos. Esta estratégia envolve a criação de rotas temáticas que ligam diferentes locais de culto e peregrinação, desde os santuários mais reconhecidos até às pequenas capelas e ermidas rurais. O objectivo, no âmbito deste produto, é desenvolver experiências autênticas e diversificadas, que permitam aos visitantes explorar a riqueza espiritual e cultural de Portugal em todas as suas vertentes. Dessa forma, procuramos oferecer uma experiência holística aos turistas, que não só lhes permita conhecer os locais de culto, mas também descobrir a história, a arte, a gastronomia e as tradições das diferentes regiões do País, contribuindo para uma experiência turística enriquecedora e memorável.
“Potencialidades ainda por explorar”
[CP] Quais são as regiões com maior crescimento do turismo religioso nos últimos?
[CA]: Fátima: segundo o Santuário, cerca de 7 milhões de peregrinos em 2023, oriundos de todos os continentes. Caminhos de Santiago: ainda não temos dados de 2023, mas o Caminho Português de Santiago tem vindo a representar cerca de 30% dos peregrinos que chegam a Santiago de Compostela. Outros relevantes: não tendo ainda, informação quantitativa sobre a utilização dos Caminhos de Fátima e Santiago, chega-nos feedback dos municípios da crescente procura destes traçados que incidem, também, em territórios de interior do País. É de relevar o facto de, em vários territórios, ambos os Caminhos – Fátima e Santiago são bidireccionais, o que potencia o seu interesse nomeadamente por público internacional.
[CP] Que potencialidades ainda estão por explorar?
[CA]: O turismo religioso em Portugal oferece um vasto leque de oportunidades e potencialidades ainda por explorar. Para além das ofertas “âncora” como são o Santuário de Fátima e, complementarmente, os Caminhos de Fátima e os Caminhos de Santiago, é possível vir a desenvolver e diversificar experiências associadas ao património religioso edificado – como é exemplo a Rota das Catedrais – e também o património cultural imaterial, ancorado nas festividades que decorrem em todo o País (algumas delas constantes do inventário nacional do património cultural imaterial). Por outro lado, tal como a herança judaica, também o legado islâmico tem um potencial de desenvolvimento de captação de mercados, em torno destas dimensões da memória colectiva, associadas ao saber acolher que caracteriza o nosso País. Quanto à forma como os turistas, tanto nacionais como estrangeiros, percepcionam esta oferta em crescimento, acredito que há uma tendência para uma maior procura por experiências autênticas durante as viagens. Cada vez mais, os turistas procuram destinos que ofereçam significado cultural e espiritual. Neste sentido, a oferta turística religiosa em Portugal, com a sua rica herança histórica e religiosa, está bem posicionada para atrair turistas que procuram vivenciar momentos de reflexão, paz interior e conexão espiritual durante as suas viagens.
[CP] No distrito de Coimbra, que pontos de interesse destaca no contexto do Turismo Religioso?
[CA]: O distrito de Coimbra e a região Centro possuem um conjunto significativo e variado de pontos de interesse. Desde logo, na cidade de Coimbra o imponente Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, um local de grande importância histórica e espiritual, a par com as notáveis Sé Velha de Coimbra e a Sé Nova. O Santuário de Nossa Senhora da Piedade, na Lousã, conhecido pela sua beleza natural e ambiente de serenidade, é também um ponto de reconhecido interesse. Encontramos também o Santuário de Nossa Senhora da Assunção e Santo António dos Olivais, que é um local de devoção e peregrinação para muitos fiéis. Estes são apenas alguns dos muitos exemplos existentes na região de Coimbra relacionados com o turismo religioso. Também é de relevar um dos Caminhos de Fátima que tem início em Coimbra – a Rota Carmelita; o Caminho Português de Santiago Central – região Centro, cujo circuito urbano que atravessa Coimbra está reconhecido como de elevado valor patrimonial, incluindo no próprio diploma de certificação. No entanto, todos, incluíndo mesmo outros credos, como é o caso da Herança Judaica na cidade, contribuem para a riqueza do turismo religioso na região.
Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Entrevista publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 11 de Abril de 2024