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Semanário no Papel - Diário Online

 

António Carlos Albuquerque

A normalidade da surpresa nos resultados eleitorais

28 de Março 2024

Ao longo dos últimos dias, na sequência das eleições do passado dia 10 de Março, tenho ouvido inúmeras pessoas, de esquerda, de direita e dos partidos tradicionais, o designado centrão, e o que mais me surpreende é o espírito de verdadeira surpresa pelos resultados eleitorais. Mas do que é que estavam à espera?

Nos últimos tempos, alguma coisa apontava para resultados diferentes dos que se verificaram? Para quem tivesse um pouco de atenção e “ouvisse o povo”, como é costume afirmar-se nestas alturas, não podia adivinhar-se nada de muito diferente. Escutámos a revolta das pessoas, cada vez que um governante era acusado de corrupção ou outro crime incompatível com as funções governamentais. Foram tantos nos últimos tempos que são mais os que saíram do que aqueles que permaneceram nas suas funções sem mácula e em condições de elegibilidade.

Mas também foi audível, até através da voz do próprio, que necessitava muito de melhorar e afirmar a sua liderança, enquanto fazia uma volta épica pelo país real, tentando passar a nova, mas velha e usada palavra nestas alturas: MUDANÇA! Terá conseguido uns quantos regressos, mas os que eram desejáveis, talvez não estivessem para aí virados. Não estavam no patamar dos convencidos, engrossando o número, que até ao último dia esteve acima dos 20% e que normalmente decidem as eleições, os INDECISOS.

Os partidos mais tradicionais, aqueles que detêm uma espécie de claque de clube de futebol, em que haja derrota ou vitória, estão sempre lá e no dia a seguir às eleições, já estão a pensar na eleição que se segue, porque esta já não conta para nada e pouco vai sobrar para quem não está no sistema. Estes ficaram “em casa” como é habitual afirmar-se, nos casos, em que não se perde para além das bases. E sendo assim, a derrota não é dramática, porque nos mantém vivos e permite-nos reagrupar em breve, quando esta onda passar e já estivermos com os focos apontados na próxima luta.

Sendo assim, o que resta na espuma dos dias é a preocupação com aqueles que conseguiram passar a mensagem, que alcançaram convencer muitos dos nossos, os que estiveram connosco até dia 9 de Março e nos permitiram chegar a patamares de poder, que jamais ousávamos poder atingir. Mas também a ansiedade de não saber por quanto tempo eles se vão manter fiéis aos novos senhores das suas consciências. Será o tempo que levarmos a recuperar a normalidade.

Podemos então afirmar que há uma normalidade nesta surpresa, porque se passou tudo, como era suposto e que o que o povo nos ia transmitindo, estava certo. Como sempre.

Não eram sinais errados, todas as manifestações de professores, de médicos, de agentes da segurança nacional, de funcionários judiciais e tantos outros que ao longo dos últimos meses prometeram luta e justiça. Fizeram a justiça com a própria mão no acto de eleição.

Como diz o povo em tantas ocasiões: o que era para ser feito, feito está! Agora, o melhor mesmo é viver com toda a situação, o melhor que todos pudermos e soubermos, para que quem teve o golpe de asa de aproveitar o seu momento, não faça deste país que tanto adoramos um lugar pior para viver. Queiramos ou não, está nas nossas mãos construir o futuro que queremos deixar às gerações vindouras. E o futuro é hoje.

Olhar para a naturalidade com que tudo aconteceu, por virtude e demérito de uns quantos, que deviam estar mais atentos aos sinais e sentimentos dos que querem muito conquistar. É a democracia a funcionar, digo eu.

(*) Doutorando e investigador