Coimbra  2 de Dezembro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

José Manuel Pureza

O fim dos alibis

15 de Março 2024

Esta segunda-feira acordámos com os mesmos problemas que tínhamos no domingo. O salário que não dá para pagar a renda da casa, o médico de família que não temos e a urgência que fecha aos fins-de-semana, a escola dos nossos filhos a que faltam professores, a pensão pequena demais para os medicamentos, a guerra cada vez mais próxima, a vertigem de um clima desregulado.

A urgência de respostas para tudo isto não mudou com as eleições, continua a crescer todos os dias. O governo da maioria absoluta do Partido Socialista desbaratou absolutamente a oportunidade privilegiada para adotar essas respostas urgentes. Dois anos de instabilidade política e de instabilidade nas vidas das pessoas abriram caminho para a direita aceder ao poder. Os números das urnas exprimem essa punição de uma governação que não quis ir ao essencial dos nossos problemas e que teimou em fazer anúncios quando se exigiam respostas concretas.

O que a direita traz para a governação é o agravamento do dia-a-dia de aflição das vidas da grande maioria das pessoas. Os precários mais precários ficarão. A confiança no mercado para fazer baixar as rendas ou os juros dos empréstimos para a habitação engordará alguns bolsos, nada mais. A efectividade do direito de todos à saúde cederá ao florescimento do negócio privado da saúde. As mudanças imperiosas na produção, no consumo e nos modos de vida para estancar a deterioração do clima serão olhadas como quimeras ou mesmo como atentados à liberdade dos mercados.

Tudo agravado pela força que foi dada às forças da ira contra o que andámos desde Abril de 74 (a “desilusão de Abril” a motivar um “ajuste de contas com a História”, sentenciou o líder da extrema direita). Um milhão de votos para quem tem como programa “libertar Portugal da esquerda” e polvilhou o seu discurso na noite eleitoral de ameaças à imprensa e à sua missão crítica.

A direita – toda ela – deixou de ter alibis. Depois de domingo, é toda sua a responsabilidade pela resposta, ou falta dela, às vidas sofridas da grande maioria. E a esquerda também deixou de ter alibis. Depois de domingo, não lhe são permitidas transigências na defesa dos direitos dos de baixo. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, mais do que continuar, a luta acentuou-se.

(*) Professor da Universidade de Coimbra e membro do Bloco de Esquerda